Dengue

27/3/2008
Wilson Silveira - CRUZEIRO/NEWMARC PROPRIEDADE INTELECTUAL

"Rio autoriza invadir as casas no combate à dengue. Após 54 mortes causadas pela dengue em menos de três meses, o governador do Rio decretou situação de emergência e, no mesmo decreto, autorizou que agentes da defesa civil e funcionários públicos credenciados entrem em imóveis 'a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo sem autorização do proprietário'. Essa medida é, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a primeira vez tomada naquele Estado. Mas, aí se engana o jornal. É que isso já aconteceu, exatamente no Rio de Janeiro, no início do século passado, em evento que ficou conhecido como a 'Revolta da Vacina'. Em 9 de novembro de 1904, uma violenta rebelião popular estourou no Rio de Janeiro que, na época, era a capital da República, em razão da lei aprovada pelo Congresso que instituía a vacinação obrigatória contra a varíola, com a derrubada de habitações populares ordenada pelas autoridades sanitárias, numa conjuntura de desemprego elevada e alta inflação. Era o governo de Rodrigues Alves e a reforma urbana era necessária em uma cidade sem esgoto e assolada por doenças. A Revolta da Vacina provocou confrontos entre a polícia e a população, rebelada contra a ingerência do Estado em suas propriedades e seus corpos e durou três dias, com ameaça de golpe de Estado. Foram presos chefes militares, mas a decretação de Estado de Sítio garantiu aos sanitaristas, chefiados pelo paulista Oswaldo Cruz, o poder de aplicar a vacina (como antes haviam feito com a de febre amarela e a de peste bubônica). Iniciada a vacinação em massa, forçada e obrigatória, a varíola praticamente desapareceu. A revolta da vacina deixou um saldo de 28 mortes, centenas de feridos, 949 presos, postes e instalações públicas destruídas. Muitos dos presos foram deportados para o Acre. Em outras palavras, o Rio de Janeiro já passou por esse problema antes. Quando a população da cidade era de 800 mil habitantes, era vitimada, constantemente, por surtos de febre amarela, varíola, peste bubônica, malária, tifo e tuberculose. Já naquela época o presidente Rodrigues Alves viu a necessidade de sanear e higienizar a cidade, colocando em prática um plano que envolvia o controle da população e de seus hábitos de higiene. Para isso, e com o concurso de Oswaldo Cruz, adotou medidas controvertidas e invasivas, que incluíam invadir casas e desrespeitar privacidades, sobretudo da população mais pobre, o que gerou a revolta popular, chamada de Revolta da Vacina, no caso da vacinação contra a varíola. Contra a febre amarela, foram organizadas equipes mata-mosquitos que tinham o poder de invadir casas e quebrar a inviolabilidade dos lares cariocas. No caso da peste bubônica, a prefeitura chegou a comprar ratos mortos de quem se dispusesse a caçá-los, havendo relatos de aproveitadores que partiam de Niterói com carregamentos de roedores mortos para vendê-los às autoridades da Guanabara. Mas, foi a vacinação da varíola, que provocou a Revolta da Vacina, que causou a maior comoção popular, já que as medidas para combater a doença incluíam a exigência de exibição de comprovantes de vacinação para matrículas em escolas, admissões em empresas, casamentos e outras atividades sociais, de modo que a vida do não vacinado se tornava impossível. Assim, não é a primeira vez que o Rio de Janeiro passa por isso. E, como das outras vezes, espera-se que, mais uma vez, vença o desafio, desde que as autoridades cessem a fogueira de vaidades e a guerra política que continua matando a população e se dediquem, sem a truculência que se fez necessária no passado, a resolver mais esse problema da cidade."

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