xHomem grávido

9/4/2008
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti - OAB/SP 242.668

"Caro Dávio: chegamos em um consenso sobre um tema: o respeito é um valor absoluto (e, portanto, pressuposto da vida em sociedade). Ou seja, ambos concordamos que, nas relações inter-pessoais, é necessário que se admita o modo de pensar alheio. Concordo plenamente que isso se equipara ao preceito cristão do ‘amar ao outro como a si mesmo’, como eu mesmo havia citado anteriormente, referindo-me a Kant, no que tange ao ‘amai-vos uns aos outros’ (na verdade, é ‘amai-vos e respeitai-vos uns aos outros’, o que deixa o consenso sobre o respeito ainda mais evidente). Ocorre que não vislumbro a relação entre respeito e fé nos termos por você colocados. Quando se defende a laicidade estatal, não se está querendo colocar a religião em um segundo plano, apenas dizendo que a religião não pode influenciar a vida de quem não a aceita, de quem não a quer seguir. Nada mais. Isso implica em que quem quer seguir sua vida pautando-se por esta religião, poderá fazê-lo tranqüilamente pelo fato do Estado não reprimir nem dificultar a vida dos religiosos. Não é porque o divórcio é permitido que ele se torna obrigatório – um casal católico pode perfeitamente continuar casado mesmo caso não se suporte mais se quiser respeitar o dogma da indissolubilidade. Isso é livre-arbítrio. Só que isso é bem distinto de se querer leis que permitam o reconhecimento apenas daquilo que a religião reconheça (católica, judaica, muçulmana etc). Isso é totalitarismo contra aqueles que não seguem essa religião. Logo caro Dávio, perdoe-me mas não consigo vislumbrar a relação que você fez entre respeito e fé em sua manifestação: o respeito supõe a aceitação de que outros tenham e sigam a fé que melhor lhes convenha, mas este mesmo respeito impõe a estes que têm fé que não queiram influenciar ou reprimir coercitivamente quem não segue a sua fé. Nesse sentido, os direitos fundamentais como um todo existem justamente para proteger as minorias dos arbítrios das maiorias. Democracia não é uma ditadura da maioria (aonde esta pode arbitrariamente determinar a vida das minorias). Democracia é o regime jurídico de respeito aos direitos fundamentais (conforme José Afonso da Silva). Um Estado Democrático de Direito tem que proteger e reconhecer a todos, mesmo as minorias. Aí é que chega o absurdo do chefe da igreja católica: ele faz campanha no mundo inteiro para que leis contrárias aos dogmas católicos que não influenciam em nada a vida dos católicos não sejam aprovadas: não falo nem de aborto ou células tronco-embrionárias, mas em leis de reconhecimento de uniões não-matrimonializadas e uniões homoafetivas como entidades familiares (li em um folder um dia desses que ele prega a felicidade para todos: se for o caso, o curioso é que ele só estará a pregar a felicidade se esta estiver em consonância com os dogmas católicos... Aliás, há algum tempo ele disse que a democracia só seria aceitável caso de acordo com a doutrina católica..., como a seguinte notícia demonstra: ______________________). Repito: católicos em nada são prejudicados por estas leis, já que continuarão podendo viver suas vidas conforme os dogmas de suas religiões. Logo, não há sentido nenhum em se fazer campanha contra tais leis a não ser pretender impor sua visão de mundo a todos, independentemente da opinião destes outros. Isso é totalitarismo (e você aparentemente desconsidera, caro Dávio, as barbaridades cometidas em nome das religiões, também e especialmente a católica ou outras vertentes cristãs no Ocidente – fogueiras, perseguições a judeus e não-católicos em geral etc). Tire a religião e ponha alguma outra concepção no lugar e concordará (que isso é totalitarismo). Quanto à questão do reconhecimento dos direitos de homossexuais, digo-lhe o seguinte: se eventualmente alguém pretende usar o Movimento Homossexual, isso não muda o fato de que as reivindicações formuladas por homossexuais são legítimas. Reconhecimento de seus direitos enquanto cidadãos e enquanto casais, em isonomia com os casais heteroafetivos. Respeito às suas pessoas enquanto homossexuais. Eu vou dizer que há uma teoria da conspiração no que tange à questão da Organização Mundial de Saúde. Nunca existiram provas de que a homoafetividade fosse uma patologia, senão vejamos: (i) ser minoria não significa ser doente – canhotos, ambidestros e superdotados que o digam (critério estatístico); (ii) homossexuais têm as mesmas capacidades de adaptação, integração e autonomia em relação à vida social que heterossexuais (critério valorativo); (iii) a homossexualidade por si não causa nenhum mal físico ou psicológico às pessoas – homossexuais sofrem por conta do preconceito que a sociedade tem contra a homossexualidade, não por causa da homossexualidade (critério do sofrimento subjetivo); (iv) afora a teoria genética (que tem a minha adesão), a homossexualidade não é uma ‘escolha’ do indivíduo, nem é determinada pelo meio (quem alega isso não apresenta provas – mas, se o meio por acaso influenciar, ele influencia a sexualidade, donde também a heterossexualidade), donde tão natural quanto a heterossexualidade (critério da naturalidade). Esses os critérios (entre parênteses – fora o nosográfico – de constar ou não na CID da OMS) apresentados pelo médico Ronaldo Pamplona da Costa para a definição de uma doença – e, como se vê, não há nada que justifique nem nunca tenha justificado a patologização da homossexualidade. Quem tem que provar que algo é uma patologia é quem isso alega, não quem alega não sê-lo, como me parece evidente. Assim migalheiro Dávio, o respeito é um valor absoluto que não pode ser relativizado, donde homossexuais, transexuais e minorias em geral não podem ser discriminados negativamente em hipótese alguma, mesmo que pela vontade das maiorias, sob pena de afronta aos direitos fundamentais à isonomia, à dignidade humana, à liberdade de consciência, à liberdade em geral, entre outros conforme o caso."

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