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Honorários de sucumbência, quem tem o direito?

Manoel Antonio de Oliveira Franco e Dirceu Galdino Cardin

O CPC dizia que os honorários pertenciam à parte, mas a lei n. 8.906/94 alterou, para dizer taxativamente que os honorários pertencem ao advogado:"Art.23.Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado [...]"..

quarta-feira, 18 de maio de 2005

Atualizado às 08:52

Honorários de sucumbência, quem tem o direito?


Manoel Antonio de Oliveira Franco*

Dirceu Galdino Cardin**


O CPC dizia que os honorários pertenciam à parte, mas a lei n. 8.906/94 alterou, para dizer taxativamente que os honorários pertencem ao advogado: "Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado [...]".

Bastou o Min. Marcos Aurélio se manifestar na ADIN n.° 1194 no sentido de que "os honorários de sucumbência, a teor do disposto no art. 20 do CPC, são devidos à parte vencedora e não ao profissional da advocacia" (Inf. n.° 38 do STF, p. 5), para que com esse tom outros fizessem música.

Entretanto, há que se observar que referido voto foi relacionado especificamente ao advogado-empregado, pois tal ADIN é pertinente a tal matéria. Se, em tese, houvesse infringência ao art. 20 do CPC, norma infraconstitucional, não se pode falar em inconstitucionalidade.

A cidadania repousa sobre a dignidade da pessoa (art. 1º, II CF), e com igual razão sobre a dignidade profissional. Esta deve ser valorizada tanto quanto aquela. Porém outrora não ocorria tal valorização: o advogado lutava nas tertúlias forenses, guerreava, mas, no final, quem tinha direito a receber pelo seu trabalho era o seu constituinte. Este lucrava com o trabalho de outrem. Continuava a exploração do capital em relação ao trabalho. Um trabalhava, outro ganhava. Havia visível locupletamento, que repugna o sentimento de justiça. Daí a alteração legislativa.

A correção da Lei n.° 8.906/94 ocorreu exatamente para permitir ao advogado uma justa retribuição ao seu dignificante trabalho, tanto que na fixação o juiz deve levar em consideração o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação de serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (art. 20, § 3º do CPC). Se devesse ser da parte a sucumbência, não existiriam tais postulados.

Quem paga a sucumbência do advogado não é o seu cliente, mas o ex-adverso, ou seja, aquele que litigou contra o seu cliente e perdeu a causa. O cliente paga apenas os honorários contratuais. Esse é o sentido do princípio da sucumbência adotado pelo CPC.

Pretende-se até que o cliente não tenha nenhum encargo financeiro ao buscar a tutela do Poder Judiciário, como acontecia na Roma antiga, em que eram feitas defesas gratuitamente, por isso que honorários têm origem na palavra honorarium, de honorífico.

Observa Faleiros Diniz: "Por conta disso, nos dias de hoje, muitos ainda enxergam nos honorários uma espécie de verba compensatória, honorífica, como se fosse vexatório assumir que honorários são, verdadeiramente, a remuneração do advogado." (Síntese de Dir. Civ. e Proc. Civil, n.° 28/25).

Assim, nada mais justo que a pessoa que contrata um advogado arque com os honorários, e que a verba sucumbencial seja do advogado. Por isso que na prática, de maneira geral, permite-se fixar honorários módicos com o constituinte, porque há uma perspectiva da sucumbência.

Constata-se que qualquer pessoa que contrata qualquer serviço, por mais simples que seja, deve pagar pela prestação efetuada, mesmo porque é princípio constitucional assente que não pode existir trabalho gratuito, pois todo labor deve ser remunerado, senão seria trabalho escravo. Por que razão o advogado deveria ser monge franciscano?

Invocam-se, ainda, outros argumentos, usando palavras-talismãs, como "justa reparação", "cidadania", "ideal de justiça", conclamando a atenção dos juízes e dos órgãos de proteção do consumidor e dos direitos individuais homogêneos, como se vivêssemos na velha Roma, a fim de que os honorários de sucumbência do advogado sejam revertidos à parte. Sabe-se, entretanto, que o "direito autônomo consagrado no caput do art. 99 da OAB nasce do contrato de honorários e não da condenação" (RT 719/163).

Cidadania não se coaduna com a desvalorização do trabalho profissional, nem pode ser sinônimo de locupletamento, quando o advogado é quem trabalha e outro é quem recebe.

Ideal de justiça é o que Cícero já ressaltava: Unicuique suum (a cada um o seu), exatamente o que ocorre com a verba sucumbencial: pelo trabalho desenvolvido unicamente pelo advogado é que não pode jamais ser repassada ao seu cliente.

Os órgãos de consumidor não têm interferência no trabalho advocatício, que é prestação de serviço público independente, uma vez que "O advogado é indispensável à administração da justiça" (art.133, CF), tanto que o STJ assevera: "As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados [...] evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo" (Resp n.° 532.377-RJ).

Também não há que se falar em direitos individuais homogêneos, porque não há a mesma origem comum, pois cada lide é individualizada e distinta da outra, tanto que se "recomenda a defesa de todos a um só tempo" (Resp. n.° 105.215/DF) Mais: no seu "ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social", além do que, hierarquicamente, está ao lado do juiz e do Ministério Público, pelo que não há que se falar em direitos individuais homogêneos. (cf. Lei 8.906/94).

Dessa forma, somente aqueles que forem vencidos no litígio deverão arcar com a sucumbência. Aos advogados vencedores, em vez de reconhecer essa verba, indiscutivelmente merecida e justa, querem impor o menosprezo da dignidade profissional, o que nos lembra o Quincas Borba: "ao vencedor, as batatas."
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*Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção Paraná - OAB/PR

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Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção Paraná - OAB/PR







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