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Machado de Assis, a eterna contradição humana e as projeções fiscais para 2009

Em "A Igreja do Diabo", Machado de Assis conta sobre a genial idéia do Tinhoso. Cansado de tentar corromper a humanidade na surdina, o Diabo resolveu criar sua própria igreja, cuja doutrina incentivaria a consumação de qualquer pecado. Os homens não mais se sentiriam culpados em cometê-los e o Diabo finalmente triunfaria.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Atualizado em 17 de fevereiro de 2009 11:30


Machado de Assis, a eterna contradição humana e as projeções fiscais para 2009

Adolpho Bergamini*

Em "A Igreja do Diabo", Machado de Assis conta sobre a genial idéia do Tinhoso. Cansado de tentar corromper a humanidade na surdina, o Diabo resolveu criar sua própria igreja, cuja doutrina incentivaria a consumação de qualquer pecado. Os homens não mais se sentiriam culpados em cometê-los e o Diabo finalmente triunfaria.

Foi ter com Deus para falar a Ele sobre sua idéia e, a bem da verdade, para desafiá-lo também. Mas o Divino não se opôs e permitiu a criação desta nova doutrina, que em pouco tempo já reunia uma infinidade de fiéis. Mas o Diabo notou que as pessoas começaram a realizar caridades e todo tipo de bondade de modo velado. Perguntou a Deus o que estaria acontecendo, afinal, os humanos poderiam cometer os pecados que sempre sonharam sem qualquer recriminação, mas escondidos estavam realizando as bondades que antes se recusavam a fazer. E Deus, onisciente e triunfante, respondeu: "É a eterna contradição humana".

É esta contradição que vem se imbuindo na Receita Federal, o que torna nebulosa toda e qualquer previsão para 2009.

Tomemos como exemplo o caso do regime monofásico de PIS/COFINS ao qual se sujeitam alguns produtos de importantes segmentos econômicos, entre os mais relevantes: medicamentos e produtos de perfumaria relacionados na Lei nº 10.147/00 (clique aqui); produtos derivados de petróleo, como gasolina e suas correntes (exceto gasolina de avião), óleo diesel, GLP e gás natural, nos termos do artigo 4º da Lei nº 9.718/98 (clique aqui) e do artigo 42 da MP nº 2.158/01-35 (clique aqui); álcool, inclusive para fins carburantes, conforme a disciplina da Lei nº 11.727/08 (clique aqui); e veículos e autopeças relacionados na Lei nº 10.485/02 (clique aqui).

Por meio do regime monofásico, fabricantes ou importadores dos citados produtos se sujeitam ao PIS/COFINS a uma alíquota majorada, enquanto que os distribuidores, atacadistas e varejistas se submetem à alíquota 0%. A partir da Lei nº 10.865/04 (clique aqui) esses contribuintes sujeitos à alíquota 0% foram autorizados a apropriar créditos das contribuições calculados sobre os custos, despesas e encargos listados no artigo 3º das Leis nº. 10.637/02 (clique aqui) e 10.833/03 (clique aqui), exceto em relação ao valor de aquisição do próprio bem enquadrado na apuração concentrada.

A Receita Federal sempre manifestou Soluções de Consultas acolhendo inteiramente a possibilidade de tomada desses créditos, a exemplo do que se verifica pela leitura das Soluções de Consulta nº 351/07 e 37/06.

E segundo o artigo 17 da Lei nº 11.033/04 (clique aqui) e artigo 16 da Lei nº 11.116/05, os créditos apropriados poderiam ser mantidos pelos contribuintes mesmo que suas vendas fossem sujeitas à alíquota 0% das contribuições, sendo permitido a compensação do saldo credor com débitos próprios (aí incluídos aqueles devidos em razão da responsabilidade por retenção), vencidos ou vincendos, relativos a outros tributos administrados pela Receita Federal, como IRPJ/CSLL. O ganho do contribuinte era evidente à medida que a saída de caixa para pagamento de tributos federais era reduzida pela possibilidade de utilização de créditos de PIS/COFINS.

Mas começaram as contradições.

Em janeiro de 2008 foi editada a MP nº 413/08 (clique aqui), que entre outras disposições vedou a apropriação de créditos de PIS/COFINS, antes permitida, sobre os custos, encargos e despesas vinculados às vendas de produtos sujeitos ao regime monofásico. Tal vedação foi retirada da MP nº 413/08 no decorrer de seu trâmite legislativo, de modo que a sua lei de conversão (Lei nº 11.727/08) não a contém.

Ocorre que, mesmo após a sua iniciativa de extirpar o crédito da legislação, a Receita Federal continuou reconhecendo o direito a ele (ao crédito) em Soluções de Consulta, conforme se vê da Solução de Consulta nº 178/08, de 4/11/2008.

Em dezembro de 2008, entretanto, foi publicada a MP nº 451/08 (clique aqui) que mais uma vez trouxe a vedação outrora trazida pela MP nº 413/08. E aqui vale frisar: a Receita Federal tenta mais um vez eliminar o crédito da legislação e prejudicar o fluxo de caixa de setores da economia notoriamente afetados pela atual crise financeira, que arrastam ladeira abaixo os índices econômicos brasileiros, sobretudo o setor automotivo, que já reduziu investimentos, cortou produções, demitiu milhares funcionários e ainda demitirá outros tantos.

As contradições não param por aí.

As Instruções Normativas SRF nº 247/02 (clique aqui) e 404/04 (clique aqui) são expressas ao dispor que os insumos que conferem créditos de PIS/COFINS a prestadores de serviços são aqueles bens e serviços aplicados ou consumidos diretamente na prestação de serviços.

Baseada nessa premissa, a Receita Federal sempre emitiu Soluções de Consultas contendo o entendimento segundo o qual "despesas efetuadas com o fornecimento de alimentação, de transporte, de uniformes ou equipamentos de proteção aos empregados, adquiridos de outras pessoas jurídicas ou fornecido pela própria empresa, não geram direito à apuração de créditos a serem descontados da Cofins [e do PIS], por não se enquadrarem no conceito de insumos aplicados, consumidos ou daqueles que sofram alterações" (Solução de Divergência nº 43, de 7/11/08).

Mas em 9/1/09 foi publicada a Lei nº 11.898/09 (clique aqui), que permitiu expressamente o direito ao crédito sobre o valor de aquisição de vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção.

Estes bens, calha ressaltar, não são aplicados ou consumidos diretamente na prestação dos serviços, mas conferem direito ao crédito das contribuições às empresas que exploram essas atividades. Entretanto, industriais e prestadores de outros serviços também utilizam bens e serviços em suas atividades que não são aplicados ou consumidos diretamente no processo produtivo e/ou na prestação de serviços, mas cujo crédito não é reconhecido pela Receita Federal. E para isto se vale do argumento de que estes bens/serviços não podem ser considerados insumos porque não se desgastam na prestação de serviços e/ou na produção de bens. Isto é, ou não é, contraditório?

Não há previsões a serem feitas, não é possível fazê-las. É a eterna contradição humana, que agora se instalou na Receita Federal.

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*Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e em Tributação do Setor Industrial pela FGV - GVlaw. Membro do Conselho Consultivo da APET. Membro da Comissão dos Novos Advogados do Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP, Coordenador da Subcomissão de Direito Tributário e Financeiro. Professor dos Cursos de Especialização "Impostos Indiretos e PIS/COFINS" e "Gestão de Tributos & Contabilidade", ministrados pela APET. Advogado tributarista do Albino Advogados Associados











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