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CNJ deferiu pedido liminar incidental no PCA nº 17 e suspendeu o provimento da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Ipatinga/MG

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Da Redação

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Atualizado às 14:47

 

CNJ deferiu pedido liminar incidental no PCA nº 17 e suspendeu o provimento da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Ipatinga/MG

 

Em sessão realizada ontem, o Conselho Nacional de Justiça deferiu pedido liminar incidental no Procedimento de Controle Administrativo nº 17 e suspendeu o provimento da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Ipatinga/MG. O Conselho determinou, ainda, as citações dos eventuais beneficiários/interessados nos atos administrativos tidos por imorais e inconstitucionais. Confira abaixo a íntegra do PCA.

 

___________

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO N.º 17

 

RECLAMANTE : GERALDO CARLOS CAMPOS

 

ASSUNTO: NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO

 

REMOÇÃO POR MERECIMENTO

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de pedido subscrito por Geraldo Carlos Campos que busca a declaração de nulidade do ato do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que, através de voto fechado e não fundamentado, preteriu-o em seu direito à remoção pelo critério de merecimento.

 

Pretende, ainda, o requerente, seja-lhe concedida a remoção para o cargo de Juiz de Direito da 3a. Vara Cível da Comarca de Santa Luzia/MG.

 

Argumenta, para tanto, que o ato administrativo impugnado violou os princípios da honestidade, imparcialidade, legalidade e da transparência.

 

Indeferida a liminar que buscava a suspensão dos efeitos do ato impugnado, o requerente interpôs recurso que foi desprovido, à unanimidade, pelo plenário deste Conselho.

 

VOTO

 

No último dia 30 de agosto, o Conselho Nacional de Justiça, julgando o Pedido de Providências nº 08, declarou a auto-aplicabilidade dos incisos II, VIII-A e X, do artigo 931 da Constituição da República Federativa do Brasil, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45 de 08 de dezembro de 2004.

 

Em voto que acompanhou o e. Relator, Conselheiro Oscar Argollo, e que foi acolhido por maioria do plenário, o Conselheiro Alexandre de Moraes deixou consignado:

 

Tratam-se, portanto, na espécie, de normas constitucionais de eficácia imediata, cuja especificação e detalhamento poderão ser dados pelo Estatuto da Magistratura, nos termos do caput do artigo 93 e, complementarmente pelos diversos tribunais, no exercício de suas competências administrativas (CF, art. 96, I, "a" e "c").

 

E mais:

 

Em outras palavras, o inciso II, do artigo 93, da Constituição Federal é auto-aplicável e de forma vinculada obriga todos os Tribunais a observá-lo nas promoções e remoções por merecimento, sob pena de inconstitucionalidade, e conseqüente nulidade, dos atos editados, competindo, porém, aos respectivos órgãos dirigentes dos Tribunais a edição de atos administrativos estabelecendo quais os critérios objetivos que servirão para a valoração dos requisitos constitucionais obrigatórios.

 

Reconheceu, pois, o Conselho Nacional de Justiça que as disposições do artigo 93 da Constituição da República Federativa do Brasil impõem aos tribunais brasileiros o voto nominal, aberto e fundamentado, nas promoções e remoções de seus Magistrados.

 

Assim, em data de 30 de agosto de 2005, a controvérsia instalada em relação à imprescindibilidade de regulamentação para implementação do artigo 93 foi superada por este Conselho que editou texto de resolução vinculativa aos Tribunais Estaduais para adequação aos novos preceitos da Lei Fundamental.

 

Definida a auto-aplicabilidade do artigo 93 da CF e a natureza administrativa do ato impugnado, e afastada a análise de sua injustiça ou a hipótese de se conceder a remoção pretendida, matéria de mérito que foge à atribuição deste Conselho, restringe-se o debate à desconstituição de ato administrativo que, ao arrepio do artigo 93 incisos II, VIII e X, da CF, procedeu à remoção de Magistrado, por merecimento, através de voto secreto e não fundamentado.

 

Entendemos que a solução adequada passa pela análise dos instrumentos de controle de inconstitucionalidade e seus efeitos.

 

Na concepção inspirada em Marshall, com fundamentos na doutrina americana, o controle se faz em concreto, por argüição incidente em uma ação qualquer e a titularidade para controlar é difusa por todo o Judiciário, sendo a sentença declaratória de nulidade preexistente, de efeito retroativo - ex tunc e restrito - inter partes. Já a concepção inspirada em Kelsen, dita européia, possibilita o controle em abstrato, por ação direta, na qual a inconstitucionalidade é discutida em tese e a titularidade para controlar é concentrada em um Tribunal Constitucional, cujo acórdão é constitutivo-negativo ou desconstitutivo, com efeito ampliado erga omnes e fixado pro tempore.

 

Ressalte-se que o sistema misto, adotado no Brasil - difuso e concentrado - a exemplo do modelo português, vem acarretando acaloradas manifestações da doutrina e também de nossos Tribunais no que concerne à limitação de seus efeitos.

 

O tema relativo à compatibilização de decisões nos modelos concreto e abstrato não é exatamente novo e foi suscitado, inicialmente, na Áustria (1920/1929), tendo em vista os reflexos da decisão da Corte Constitucional sobre os casos concretos que deram origem ao incidente de inconstitucionalidade. Optou-se ali por atribuir efeito ex tunc excepcional à repercussão da decisão de inconstitucionalidade sobre o caso concreto (Constituição Austríaca, art. 140, n.7, 2ª parte)2.

 

Hoje, em virtude de notáveis avanços doutrinários e jurisprudenciais a respeito da matéria - o que acarretou a edição da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que autoriza o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos limitados -, ainda resta indagar sobre a possibilidade do uso dessa técnica de decisão no âmbito do controle difuso.

 

Dos votos do julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917, no Supremo Tribunal Federal, extrai-se a exata controvérsia que acarreta a questão aqui posta.

 

Nessa oportunidade, em voto ilustre, o e. Ministro Gilmar Mendes sintetizou o pensamento atual, conforme se transcreve:

 

Nestes termos resta evidente que a norma contida no art. 27 da Lei 9.868, de 1999, tem caráter fundamentalmente interpretativo, desde que se atenta que os conceitos jurídicos indeterminados utilizados - segurança jurídica e excepcional interesse social - se revestem de base constitucional. No que diz respeito a segurança jurídica, parece não haver dúvida de que encontra expressão no próprio princípio do Estado de Direito consoante, amplamente aceito pela doutrina pátria e a alienígena. Excepcional interesse social pode encontrar fundamento em diversas normas constitucionais. O que importa assinalar é que, consoante interpretação aqui preconizada, o princípio da nulidade somente pode ser afastado se se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob forma de interesse social (CF. a propósito do direito português, Medeiros, A decisão de Inconstitucionalidade, cit. p. 716)3

 

Naquela ocasião, assinalou o Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de haver situação excepcional em que a declaração de nulidade, no controle difuso, com seus normais efeitos ex tunc, resultasse grave ameaça ao principio da segurança jurídica. Foi, então, que se solucionou a questão, imprimindo apenas os efeitos ex nunc, em caráter de exceção.

 

Ao que nos parece, a questão que nos foi apresentada se amolda à hipótese em que a desconstituição do ato administrativo não atende aos princípios que regem o nosso ordenamento jurídico, mais especificamente os princípios da segurança jurídica, interesse social e boa-fé .

 

Tais princípios têm sido admitidos para atenuar o princípio da legalidade ou da supremacia da Constituição ao entendimento de que o princípio da segurança jurídica, que no Brasil absorve o conceito da proteção à confiança4, aliado aos demais, justifica a conservação no mundo jurídico de atos viciados.

 

Esse princípio tem sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal5 como de valor constitucional para limitar o poder-dever da administração pública de anular os seus próprios atos, em respeito a situações constituídas.

 

Na esteira do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, cabe ao Conselho Nacional de Justiça, como Órgão de Administração do Judiciário e no controle administrativo do ato aqui submetido, aplicar o princípio da segurança jurídica para convalidá-lo ou desconstituí-lo.

 

Sob esse prisma, a desconstituição de atos como o analisado, disseminados em todos os Estados da Federação, desencadearia efeito em cascata e acarretaria a insegurança não só entre os magistrados interessados e diretamente envolvidos, mas também entre os jurisdicionados, com flagrante prejuízo da prestação jurisdicional e conseqüente congestionamento do Judiciário.

 

Como se sabe:

 

a segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes.6

 

Aqui, o ato viciado passa a ter suporte não naquele que lhe deu azo, mas nos princípios gerais do Direito - segurança jurídica, proteção à confiança, predominância do interesse social e boa-fé - os quais garantem a permanência de seus efeitos no mundo jurídico. No caso concreto, com as peculiaridades  elencadas, os princípios já mencionados passam a exprimir a justiça material, até porque não há que se confundir a confiança legítima, gerada pela presunção de boa fé e de legalidade, com a confiança legal.

 

Embora a questão do voto aberto e fundamentado tenha gerado polêmica até mesmo no âmbito deste Conselho, a controvérsia existente à época da edição do ato impugnado, sobre a auto-aplicabilidade da norma, foi afastada com a edição da Resolução de nº 06 /2005 do CNJ.

 

Do exposto, preservado o ato administrativo gerado na divergência de interpretação do texto Constitucional, somos pelo desprovimento do pedido.

 

Brasília, 27 de setembro de 2005.

 

RUTH LIES SCHOLTE CARVALHO

CONSELHEIRA

 

____________

 

1 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios

 

[...]

 

II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

 

a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;

 

b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

 

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

[...]

 

VIII- A a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a , b , c e e do inciso II; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

[...]

 

X as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

 

2 voto do Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário nº 197.917/SP, j. em 06.06.2002, pág. 411.

 

3 Recurso Extraordinário nº 197.917/SP, voto Ministro Gilmar Mendes, j. em 06.06.2002, pág. 437.

 

4 A União Européia hoje prestigia grandemente a segurança jurídica, que ganha relevos sob o aspecto da proteção à confiança legítima, a ponto de a Corte de Justiça da Comunidade Européia considera-la como "regra superior de Direito" (cf. Sylvia Calmes, Du Príncipe de la Protetion de la Confiance Legitime em Droits Allemand, Communautaire et Français. Paris. Dalloz, 2001, P. 24 e segs.)

 

5 Supremo Tribunal Federal, Pet 2900-3 QO/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 01.08.2003, Supremo Tribunal Federal MS nº 24268/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 17.09.2004; Supremo Tribunal Federal MS22357/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05.11.2004

 

6 NICOLAU JUNIOR, MAURO, Segurança jurídica e certeza do direito: realidade ou utopia num Estado Democrático de Direito ?, in www.jurid.com.br, disponível em 10/03/05.

 

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