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Ano letivo

Professor Gustavo Ferraz saúda calouros do Direito da S. Francisco

Citando o poeta francês Jacques Prévert, o docente deu conselhos aos estudantes.

Da Redação

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Atualizado às 08:45

O Prof. Dr. Gustavo Ferraz de Campos Monaco, do Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, foi encarregado de saudar os 460 calouros no início do ano letivo.

No pronunciamento, o docente destacou as dificuldades já enfrentadas pelos estudantes até o momento e os aconselhou, citando o poeta francês Jacques Prévert, sobre o caminho que encontrarão pela frente.

Veja a íntegra do pronunciamento:

__________

Exmo. Sr. Prof. Titular José Rogério Cruz e Tucci, DD. Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em nome de quem saúdo os antigos Diretores e Vice-Diretores aqui presentes, além dos Presidentes das Comissões desta Faculdade.

Exma. Sra. Prof.ª Titular Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, DD. Presidente da Comissão Organizadora da XVIII Semana de Recepção aos Calouros da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em cujo nome saúdo todos os que se esmeraram em organizar essa recepção que hoje se inicia.

Exmo. Sr. Prof. Titular Floriano de Azevedo Marques Neto, que hoje proferirá a Aula Inaugural dos Cursos Jurídicos, em nome de quem saúdo todos os Professores desta Escola,

Srs. funcionários, Srs. pais, familiares e amigos,

Senhoras alunas e senhores alunos ingressantes,

Vocês, que vêm do mais disputado e difícil concurso vestibular deste país, sabem que entre dois pontos - assim nos diz a matemática - passa uma e somente uma única reta. Este ponto de hoje é o ponto da arrancada, o da partida. O outro, que chegará para a esmagadora maioria de vocês - já que nosso índice de evasão é baixíssimo - será o da formatura. A reta é a do tempo.

Entre esses mesmos dois pontos, cada um de vocês terá que trilhar o seu próprio caminho: alguns mais sinuosos e acidentados, outros menos íngremes e mais desimpedidos. Todos eles terão as suas belezas. Todos eles trarão memórias e afetos.

Em todos eles estaremos este prédio, suas salas, seus encantos, seus professores, seus funcionários, seus alunos, seus antigos alunos, suas histórias, suas tradições.

No discurso que tive a honra de proferir - como orador da minha turma de formandos - lembrei a meus colegas o poema do francês Jacques Prévert, "Pour fair le portrait d'un oiseau". Esse poema está encartado em seu livro de 1945, Paroles, e nele o poeta dá ao pintor uma série de conselhos, quase que com a intenção de estabelecer um roteiro para se fazer o tal retrato do pássaro, mencionado no título do poema.

Vou aqui repetir parte do que disse aos meus colegas de turma, adaptando minhas considerações a esse ponto de partida.

Diz ele:

"Pinte, primeiramente, uma gaiola
com a porta aberta.
Pinte, em seguida,
alguma coisa de bonito,
alguma coisa de simples,
alguma coisa de agradável,
alguma coisa de útil para o pássaro.

Coloque, depois, a tela contra uma árvore,
num jardim,
num bosque,
ou numa floresta.
Esconda-se atrás da árvore
Sem dizer nada, sem mover-se.

Algumas vezes o pássaro chega depressa,
Mas ele pode demorar longos anos antes de decidir-se.

Não se desencoraje, espere.
Espere se for preciso durante anos.
A pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
não tem nenhuma relação com o sucesso do quadro.

Quando o pássaro chegar, se chegar,
observe o mais profundo silêncio.
Espere que o pássaro entre na gaiola,
E quando entrar, feche levemente a porta com o pincel.
Depois, apague uma a uma todas as grades,
Tendo o cuidado de não tocar em nenhuma das penas do pássaro.
Faça, em seguida, o desenho da árvore,
escolhendo o mais belo de seus galhos para o pássaro.
Pinte também a verde folhagem
e a frescura do vento,
a poeira do sol e o barulho dos animais no calor do verão.
E depois, espere que o pássaro se decida a cantar.
Se o pássaro não canta é mau sinal.
Sinal de que o quadro é mau.
Mas se canta é bom sinal.
Sinal de que você pode assinar.
Então, arranque muito docemente uma das penas do pássaro
e escreva seu nome num canto do quadro."

Hoje, guiados pela reta e cadenciada linha do tempo, cada um de vocês começa a esboçar o retrato de si próprio, trilhando o caminho que mais lhes convier entre este ponto e o ponto da colação de grau. 460 calouros que adentraram a porta aberta da velha e sempre nova academia e que daqui sairão graduados - esperamos e confiamos todos nós - no final de 2020, depois de terem trilhado 460 caminhos individuais que hão de se entrecruzar inúmeras vezes.

Cada qual por um motivo, cada qual com uma formação anterior, vocês foram se decidindo pelo Direito e vieram se encaminhando vagarosamente em direção ao prédio do Largo de São Francisco. Com certeza, suas majestosas Arcadas imprimiram em todos um fascínio que será eterno na lembrança de cada um de vocês. "Casa da liberdade, casa do pluralismo, casa da abertura de espírito!", como já se referiu um Professor Português a sua própria Faculdade de Direito e que eu aqui tomo de empréstimo.

A vontade incrível de fazer parte das histórias da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e de viver suas tradições forçou-os, mais cedo ou mais tarde, para o interior dessa enorme e imponente gaiola onde trilharão o seu caminho, auxiliando-nos uns aos outros a pintarmos os quadros de cada um de vocês.

Mas, diferentemente do que sugere o poeta, não será necessário que se fechem as portas do território livre dos estudantes. E isso tem uma razão: esperamos que vocês não queiram retornar e sair dessa história. Esperamos que perseverem e trilhem seus próprios caminhos, enquanto nós, os professores, vamos dando pistas sobre o terreno, o pano de fundo, o entorno, os meandros do saber jurídico.

Aqui, encontrarão e continuarão sempre a encontrar qualquer coisa de bonito, qualquer coisa de simples, qualquer coisa de agradável, qualquer coisa de útil à vossa formação.

Formação humanista (e como tal subjetiva) que será vivida e revivida por todos de forma diversa. Entretanto, uma linha mestra, uma coluna vertebral sustentará a todos. Repleta de evolução, respeitando as grandes tradições de nossa escola: a liberdade, o pluralismo, a dignidade da pessoa humana.

Apaguem, hoje, a última grade: façam-se tolerantes, façam-se livres, façam-se grandes. Não temos ainda o cenário: não pintaram a verde folhagem, nem a frescura do vento, nem a poeira do sol, nem o barulho dos animais.

Na lógica do poeta, então, não posso ainda esperar que sejam capazes de cantar...

O canto do pássaro...

As trovas acadêmicas...

Canções que os integrarão ao ambiente, que lhes ensinarão e farão sempre recordar as tradições, que reforçarão a amizade, que irão prepará-los para as tradições festivas: os jogos jurídicos, as peruadas, as récitas de poesia e vinho, os bota-fora de seus veteranos, o seu próprio bota-fora.

Perceberão que, integrados e felizes no ambiente acadêmico, estarão cantando desde sempre.

Mas cantar não os eximirá de cumprir suas obrigações, de fazer suas escolhas, de se apaixonar por essa ou aquela disciplina, de se interessar por essa ou aquela carreira profissional.

Essas escolhas, das quais os senhores e senhoras serão os maiores credores e devedores recíprocos, auxiliará na confecção do cenário do quadro. Assim, lembrem-se que escolher a disciplina optativa A ou B pode parecer uma escolha banal, trivial, simples até. E em enorme medida é mesmo! O que trará impacto no teu futuro, será a motivação da escolha que fizer! Se a escolha é boa para os seus propósitos, o quadro será bom, mas se a escolha é mesquinha, vã, fácil (na pior acepção dessa palavra), então de que adiantará ter cantado tanto?

Isso dá a medida de que os quadros, cujos esboços hoje se iniciam, ainda que estejam incompletos, têm tudo para serem bons. Eu acredito fielmente e firmemente que serão bons. E quando estiverem bons, poderão ser assinados.

Cada geração, cada turma, cada aluno que por aqui passou, passa e passará encontra um modo todo seu de amar essa Faculdade: uma Professora contou certa vez aos meus colegas de turma, Professora Giselda, que lhe é impossível entrar pelos portões principais sem erguer - ainda que brevemente e de soslaio - lhe é impossível entrar sem erguer seus olhos e vislumbrar as placas com os nomes dos poetas que encimam cada uma das três grandes portas: Castro Alves, Fagundes Varella, Álvares de Azevedo. Encontrem o seu refúgio em nossa Casa, que é a casa do pluralismo.

Cada geração, cada turma, cada aluno que por aqui passou, passa e passará encontra um modo todo seu de amar a liberdade, mas quem melhor a enunciou foi Cecília Meirelles, no Romanceiro da Inconfidência, ao dizer: "Liberdade - essa palavra/ que o sonho humano alimenta:/ que não há ninguém que explique,/ e ninguém que não entenda!" Vivam, assim, defendendo-a, pois esta é a casa da liberdade!

Cada geração, cada turma, cada aluno que por aqui passou, passa e passará encontra um modo todo seu de amar a justiça. Como diz o Professor Celso Lafer, a justiça "surge como um valor que emerge da tensão entre o ser das normas do Direito Positivo e de sua aplicação, e o dever-ser dos anseios do justo". Anseiem, pois, nessa casa da abertura de espírito!

Mas não deixem que ninguém lhes diga - como se dono fosse de uma e somente uma única verdade - como honrar essa Casa, como abraçar essas causas.

Façam o que estiver ao seu alcance para que sempre se lembrem de que entre este ponto dado hoje e aquele que marcará a conclusão do curso que hoje se inicia o que há de verdadeiramente único e exclusivo é a inexorável e cadenciada linha do tempo.
No mais, há - e deve haver - pluralismo, tolerância e liberdade. Por esses conceitos se chega à Justiça! E é com Justiça nas escolhas que fizerem que inscreverão seus nomes num canto do quadro.

Sejam felizes.