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Pausa do dr. Pintassilgo

Da Redação

terça-feira, 16 de maio de 2006

Atualizado às 09:37

 

Pausa do dr. Pintassilgo

 

Ontem o dr. Pintassilgo não sobrevoou nenhuma comarca. Confira abaixo o esclarecimento do douto pássaro.

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Migalheiros, ontem não pude voar.

Assim, peço-lhes permissão.

Permitam-me uma pausa na minha busca. Permitam-me, para que tocado de verdade, faça um minuto de silêncio pelos irmãos vitimados pelos ataques ocorridos nestes últimos dias. Permitam-me indignar-me um tom acima do normal.

Peço permissão também para hoje, somente hoje, não fazer uso de minhas batidas metáforas, de meus devaneios e filosofias.

Hoje, dia triste, as coisas não estão para poemas.

Hoje é dia de um pretenso escritor ceder lugar ao guerrilheiro inconformado, deveras farto de ver as mazelas de uma sociedade incapaz de respeitar os seus e organizar-se.

Hoje quero falar da perplexidade que nos toma diante de um terror que só aumentou de escala.

Há meses venho andando pelo Estado de São Paulo e não raras vezes o assunto segurança foi abordado de várias formas, diretas ou indiretas.

Pois agora o Estado foi afrontado. Há tempos não se via um sinal tão claro de que nossa sociedade está indo num caminho equivocado. O que mais deverá ocorrer ? Me digam, porque já não me valham palavras.

Nossa sociedade estava, há algum tempo, empurrando os detritos para debaixo do tapete, fazendo vista grossa para os problemas reais, porque a escalada da violência já vinha blindando carros, trancando pessoas, matando inocentes, policiais, todos os dias. Todos os dias. Nada então nos indignava.

Há tempos o problema dos presídios está em qualquer agenda séria. Projetos de leis para nosso sistema penal estão encalhados no Congresso, esperando sua vez, atrás de emendas interesseiras, de oportunismos eleitoreiros, de uma má-vontade para com o país que é de causar o mais estremado asco.

E agora, cavalheiros ? Estamos vendo a polícia, o braço armado do Estado, acuada, resultado de anos e anos de desvalorização da categoria, incluindo condições de trabalho precárias, salários e outros fatores conhecidos por todos. Quem nos protege agora ?

Só mesmo num delírio, num território onde nem se sonha ser um país, poderíamos imaginar que, é a polícia que está sendo perseguida. É a mais perfeita maneira de o Estado demonstrar que não segura com firmeza as rédeas da nação como, arrogantemente, bradava . Que loucura é essa ? É uma terra em transe ?

Não podemos aceitar, e não digo nada disso em tom panfletário, por favor. Mas somos capazes se perceber que não há necessidade de se chegar ao fundo do poço, moral, material, institucional. Ou já não chegamos ?

Minhas palavras são ácidas, reconheço humildemente, porque o que me move a escrever agora é a visão das famílias debruçadas em caixões, perdendo os seus, perdendo alegrias, aniversários, sua razão de crer, por um estado de barbárie contundente. Não há clima para poesias. Não sei o que sinto: revolta, medo do futuro para meus filhos, não sei.

Nossa alma está ferida. E não é hora de panacéia. É hora de luta. Basta ! Desculpas, mais uma vez, se discurso parece surrado, mas a pergunta é a mesma onde quer que eu vá, e até dentro de minha consciência: quantos mais deverão pagar o preço da incompetência ?

E onde está o Direito de ir e vir quando, toda uma população é obrigada a respeitar um toque de recolher, fora de tempo de guerra ?

Ou será que ninguém observou que já estávamos em uma guerrilha ? Só um Governo muito ausente ou com preocupações mais "urgentes" não notaria. De que valem os pontos percentuais do Banco Central neste momento ?

Há, amigos, uma crise de fato agora. Não aquela "crise", interminável, dos senhores do poder, a qual eles mesmos fomentam, com suas jogatinas e desvios de conduta.

A crise a qual me refiro é a filha daquela.

Está atestado, com direito a firma reconhecida, a fragilidade de nossas instituições. As vidas ceifadas deveriam ser compatibilizadas com cada demora, cada negociata, cada manobra feita nos diversos níveis de Poder.

Os migalheiros bem sabem da luta deste informativo e deste que agora lhes escreve.

Não sou e nem serei profeta do caos.

Os que nos acompanham sabem: há meses pedimos uma maior atenção ao processo educacional. Há meses alertamos que, uma hora ou outra, o caldeirão social iria entrar em efervescência. Basta ler alguns textos antigos.

Com o homem não se brinca jamais. E em nenhum sentido. Estamos perdendo a razão de ser de uma sociedade: o bem-estar comum, a finalidade da paz e solidariedade.

O que se deve fazer, para uma melhora, todos sabem. As soluções são críveis. Existem pontos urgentes e outros a longo prazo. Basta ter a vontade de dobrar as mangas, pois o trabalho é árduo, mas recompensador.

Rogo para as pessoas que têm o poder emanado do povo, que ajam. Peço a todos os amigos, que ajam, em quaisquer esferas que atuem. Não se pode brincar de País. O preço é alto demais.

Minhas escusas, mais uma vez, pelo tom áspero e por considerações que não são novas ou possuem o peso da "Grande Sacada do Século".

Mas a cabeça se indigna, os olhos marejam e o coração sofre de verdade. Nem tentei ser suave, porque hoje não tenho poesia nas veias.

dr. Pintassilgo

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