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Entrevista - D Urso analisa os desdobramentos da crise de segurança

Da Redação

quarta-feira, 31 de maio de 2006

Atualizado às 08:39


Entrevista



D'Urso analisa os desdobramentos da crise de segurança


A onda de violência patrocinada pelo crime organizado, que varreu São Paulo durante uma semana, deixou um balanço com 180 atentados, 79 mortos - além de 81 rebeliões em presídios, ataques a 8 fóruns , 17 ônibus e 18 agências bancárias.


Por que custou tanto para o Estado debelar a onda de violência ?


Devemos levar em consideração que o crime organizado age com o fator surpresa. Por isso é muito difícil inibir. Em qualquer ponto, a qualquer instante, sem um alvo definido você pode ter um atentado. Cuidar de tudo, é muito difícil. E um instrumento poderosíssimo que o crime organizado pode contar é com o telefone celular. Dentro das unidades prisionais há um comando, há uma orientação de como agir. Razão pela qual já de há muito se falava no problema do telefone celular e o Estado, nas investidas que fez, não conseguiu impedir a entrada de telefones nem o sinal desses telefones dentro das unidades. Temos ordem judicial para que seja desligada as estações de transmissão de sinal das operadores de telefonia celular nas regiões próximas a presídios por apenas 20 dias. Uma solução mais duradoura, no tempo e na eficiência tecnológica, deve ser dada e os cidadãos que forem atingidos por este bloqueio dos celulares devem ser recompensadas de alguma forma pelas operadoras.


O sr. achou acertada a decisão do governador de não aceitar apoio de tropas federais?


São Paulo provou que tinha condições de resolver essa situação. Tem contingente de homens, tem contingentes de armas, tem trabalho de inteligência. A Polícia Federal já colabora com as forças estaduais com informações obtidas pelo serviço de inteligência. A minha preocupação é com o Exército. A utilização do Exército, que é uma tropa treinada para outro tipo de atividade, não está preparada para esse tipo de operação. Colocar o exército nas ruas me parece temerário.


O governo escolheu a melhor estratégia?


As autoridades tiveram conhecimento de que haveria uma megarrebelião no dia das Mães. Para minimizar os efeitos dessa rebelião ou tentar desarticulá-la, mudaram a estratégia. Ao invés de separar as lideranças do crime organizado, resolveram confiná-las em um único estabelecimento.. Sabiam de antemão que ao fazer isso haveria represálias por parte dessa organização criminosa até provocar atentados, como já fizeram em outras oportunidades. Mas talvez o Estado não tivesse a dimensão dessa reação, que foi uma reação fantástica, gigantesca, não só com a deflagração de uma série rebeliões, mas os atentados que tiveram como alvo focos e agentes do Estado. A partir do momento da reação do Estado, o foco mudou para o setor privado.


O governador chegou a propor que vai pedir à Justiça autorização pra gravar as conversas entre advogados e seus clientes nos presídios?


É inadmissível, é ilegal. As conversas entre o advogado e seu cliente são sigilosas. Trata-se de uma prerrogativas profissional, garantida pela Constituição Federal e o Estatuto da Advocacia para assegurar o direito de defesa. Não se pode romper os mecanismos do Estado Democrático de Direito por problemas emergenciais. Assim, como não se pode atribuir aos advogados o problema do acesso de presos a celulares. Isso é um erro de percepção. Além dos advogados, os presos também têm contato com familiares, visitas, religiosos, agentes penitenciários etc. O papel do advogado é tão importante quanto do juiz e do promotor na administração da Justiça.


E caso seja comprovado o envolvimento de um advogado com o crime organizado, qual a postura da OAB/SP?


O papel do advogado não é acobertar o crime, mas garantir um julgamento justo ao seu cliente. Eventualmente, caso seja comprovado que um advogado está atuando no crime , que se desviou do caminho, deve ser alcançado pela lei, à qual todos estamos sujeitos, e pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, que recebe as representações por infrações éticas e disciplinares da classe. No ano passado, o Tribunal aplicou 1.861 punições contra advogados. Há processos tramitando contra 3 mil. Em todas as profissões há exceções, na advocacia não é diferente. Mas em um universo de 250 mil profissionais, 99% são honestos, dignos e éticos


Debelada a onda de violência, quais os próximos passos? Lutar contra a impunidade?


Repensar as políticas públicas adotadas na área de Segurança Pública. Toda vez que se fala na área criminal, aborda-se o endurecimento do sistema penal para solucionar o problema. Os países que caminharam nesse sentido, aumentando a quantidade de penas sem mexer na estrutura , o resultado foi frustração. Quem vai cometer um crime não está preocupado se a pena será de cinco, oito ou dez anos. A única preocupação que ele tem é se ele será punido ou não. Se você tem mecanismo do Estado para alcançá-lo por meio de investigação, se ele tiver certeza de vai ser punido, talvez ele desista. Não há outra solução. É uma ilusão pensar em mudar a lei e estabelecer penas maiores, se ele comete um crime com punição de quatro anos, ele comete com punição de oito.


O problema da violência está, em parte, na morosidade da Justiça?


É indispensável que o aparelho do Estado funcione. Que a investigação funcione, que dê elementos para que o processo funcione, que o processo caminhe em tempo oportuno. Hoje você tem processos que demoram cinco, dez anos. E não só no crime, na área cível também. Precisa mudar a estrutura do Judiciário, a máquina, o investimento que é feito na Justiça. Isso é um trabalho que não se resolve neste momento. Aliás, esse é o grande debate que se trava: o que fazer para melhorar a Justiça, para diminuir a impunidade.


São Paulo tem uma população prisional de 124 mil detentos. A Lei de Execuções Penais precisa mudar ? Ela concede muita regalias aos presos, como visita íntima ?


A Lei de Execução Penal é uma lei boa. É uma lei que estabelece a dignidade do indivíduo que está cumprindo pena, e estabelece a obrigação do Estado em tentar recuperá-lo. A partir do momento que estando preso ele continua a comandar crimes fora da unidade prisional, não a lei que suporte isso. Aí é problema do Estado de fiscalizar as unidades para que isso não ocorra. Então o anseio de todos, da OAB também, é que nós tenhamos um sistema que funcione, a fazer que aquele que eventualmente comete um crime, inclusive as causas disso também são desprezadas, por exemplo essa distribuição de renda absurda, o desemprego, todos fatores que estimulam a corrupção a má versação do dinheiro público, a impunidade para figurões, tudo isso são fatores predispõem o indivíduo a cometer um delito. A partir do momento que ele comete o delito, o sistema precisa funcionar, precisa ter a polícia que funcione, que investigue adequadamente, precisa ter um processo que ande em tempo hábil, uma Justiça que funcione, porque ele só será condenado se a polícia tiver provas, se o processo andar adequadamente. Quando condenado ele precisa cumprir sua pena, precisa ir para o sistema prisional e cumprir sua pena. Agora a lei é acusada, por exemplo, por algumas regalias. No que diz respeito à visita, no que diz respeito a situação que o preso vive dentro da unidade prisional, até que regalias ele não tem muitas. Por hora se repudia a visita íntima. A idéia da visita íntima veio na esteira de diminuir as pressões dentro da unidade prisional, inclusive para diminuir a violência sexual que são cometidas internamente. Isso para o público em geral, é um privilégio odioso, justamente nessas horas, quando se questiona todo o sistema. Mas isso é um detalhe. O situação do crime organizado não está assim porque o preso tem visita íntima. A situação não está assim porque ele tem acesso a televisão. A situação está assim porque esses criminosos continuaram cometendo crimes dentro da cadeia, porque nós temos um sistema que falha.


Como atua hoje o crime organizado?


O crime organizado é uma grande empresa, tem ramificações, o negócio dele é dinheiro, é "lucro
decorrente do crime, do tráfico de entorpecentes, tráfico de armas, seqüestros. Não é o crime pelo crime. Eles não traficam entorpecentes porque aquilo é interessante, sobre outros aspectos, só tem um: porque gera dinheiro. Se amanhã traficar alface gerar dinheiro, eles vão mudar o ramo. Então o problema é o dinheiro. O Estado tem de se aparelhar para diminuir o fluxo de dinheiro aqui e de certa forma controlar a lavagem de dinheiro que entra depois no mercado.


Que medidas devem ser tomadas daqui para frente?


Estado tem de repensar sua máquina de segurança pública. O problema não está só na lei. Alguma melhora na lei deve ser feita, é fato, mas o problema não é esse. Nós precisamos ter uma estrutura, um aparelho no Estado, com investimentos suficientes para poder cumprir sua missão, quer na polícia para, em primeiro lugar agir antes que o crime aconteça, acontecendo a polícia civil, agora investigando, fazendo com que o processo tramite num tempo adequado, melhorando o judiciário, e quando o indivíduo for cumpri pena em uma unidade prisional, que se cumpra a lei e ele fique confinado ali, com tratamento para se tentar recuperá-lo. Depois repensar toda essa estrutura.


As penas precisam ser mais duras?


No âmbito da legislação penal, eu penso que nós temos uma legislação adequada ao nosso tempo. Quando se diz mas o código é de 1940, sim um homicídio de 1940 é o mesmo homicídio de hoje, mudou o instrumento. O crime continua o mesmo. No que diz respeito às penas, elas são pesadas, na proporção dos delitos, elas são consideráveis e é um equívoco se pensar que aumentar a quantidade de pena resolve o problema da criminalidade.


O que a sociedade civil organizada pode fazer?


A questão da segurança pública não está restrita ao Estado, a uma pasta governamental, mas deve contar com o debate, as sugestões e a colaboração de toda a sociedade. Recentemente, a OAB/SP e mais de 40 entidades da sociedade civil organizaram um ato e um manifesto com dois objetivos: solidariedade às vítimas dessa onda de violência patrocinada pelo crime organizado e estabelecer uma agenda propositiva sobre segurança pública.

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