ABC do CDC

Os DVDs e os abusos praticados contra o consumidor

27/1/2011

Quem aluga ou compra um filme em DVD, tem, evidentemente, o direito de assistir ao filme em si e quantas vezes quiser. No entanto, os distribuidores, sub-repticiamente enfiam pela "goela" do consumidor seus anúncios (remunerados) e seus trailers.

Já na época do VHS, os distribuidores impingiam aos consumidores suas propagandas não solicitadas e seus trailers não queridos. Mas, naquele tempo era só colocar o vídeo para rodar e aguardar finalmente o filme chegar. O consumidor gastava poucos segundos com a operação. No passado, com o sistema de avanço no teclado esse abuso era quase imperceptível.

Mas, eis que chegou o DVD. Era para ser favorável ao consumidor: a facilidade de sintonizar o filme, as cenas, a qualidade da imagem e do som. Era! Mas, não é! Com a tecnologia, houve um incremento da forma de abuso. O que devia ser prático e de qualidade passou a ser um transtorno.

No início, até que os distribuidores se comportaram bem. Passavam, como sempre, propagandas indesejadas e trailers não pedidos, mas, como ainda não havia tecnologia, o consumidor conseguia ir direto ao que interessava: o filme. Bastava apertar "menu" e ir adiante. Mas, nesta sociedade capitalista do lucro em primeiro e em último lugar e em que alguns empresários não estão preocupados com a qualidade de seus serviços, a alegria de consumidor dura pouco. O problema surgiu: os novos DVDs, com moderna tecnologia de ponta, impedem que o consumidor exerça seu direito de assistir diretamente ao filme pelo qual pagou: em alguns desses produtos há bloqueio para menu, de tal modo que, sem assistir ao material imposto não dá para ir ao que interessa.

Vou realçar este último ponto: o consumidor desembolsa dinheiro, seu rico e suado dinheiro, para alugar ou comprar um DVD e acaba sendo obrigado a ficar assistindo a propagandas e trailers. E, quando compra sofre indefinidamente, pois a ideia de quem compra é assistir ao filme muitas vezes e quando bem entender ou parar num dia e terminar no outro. Mas, toda vez que tenta ir até ele, é obrigado a enfrentar a abusiva barreira indesejada dos anúncios e trailers. Com o passar do tempo, inclusive, os próprios anúncios e trailers ficam velhos e perdem o sentido (o mesmo fenômeno de abuso se dá nos cinemas, com praticamente meia hora de anúncios e trailers; mas pelo menos no cinema estes são atuais...).

Realço que, essa situação é particularmente grave quando se trata de filmes infantis. Os pais compram esse tipo de DVD porque as crianças assistem várias vezes. E, não é incomum que a criança assista um pouco de um filme, desista e passe ao próximo e repita a operação. Acontece que, toda vez que retorna a criança é obrigada a ficar assistindo propagandas e trailers. Abuso qualificado, pois.

Antes de prosseguir, quero deixar consignado que esse sistema viola o sagrado direito de escolha do consumidor. É o consumidor quem tem o direito de escolher o que quer ver. Esses empresários não podem impor ao consumidor o que ele não pediu, especialmente porque o consumidor está pagando para assistir. Só seria aceitável esse tipo de imposição se os DVDs fossem amostra grátis. Fora isso, é abuso puro e simples.

É verdade que, não são todos os distribuidores que estão fazendo isso, mas receio que a prática acabe se generalizando.

E, por falar em abuso e DVD, não posso deixar de comentar outro tipo que são as informações enganosas estampadas nas caixinhas. Algumas são claramente falsas quando não ridículas.

No plano das ridículas coloco aquelas do autoelogio e que dizem : "o melhor filme do ano", "magnífico", "estupendo", "o filme mais engraçado que você já assistiu", etc. Dá até para dizer: "Hellôôô, não dá para perceber que os elogios são feitos pelo próprio produtor/distribuidor?". É risível, mas pode iludir.

Note, meu caro leitor, que as expressões acima são reais e eu mesmo as extrai aleatoriamente numa locadora. Há mais: "Você nunca sentiu tanta emoção"; "Ria sem parar"; "As maiores gargalhadas de sua vida". Essas últimas parecem ser perigosas para cardíacos...

Há também aquelas que pretendem dar um ar de autenticidade à frase, fingindo que são confessionais. Veja: 1. "O filme mais emocionante da década" e abaixo consta algo como: "assinado-John alguma coisa, da Revista Film Review publicada em alguma cidadezinha no interior dos Estados Unidos"; 2. "Não perca tempo. Alugue agora e emocione-se" e abaixo algo como: "assinado-Antony qualquer coisa, do Jornal Dayli Something", etc. Nesses casos, o elogio está ligado a uma pessoa desconhecida, que supostamente escreveu num jornal ou revista inacessível. Boa essa! Será que alguém acredita? Parece que sim...

Agora, há casos de pura mentira: filmes que anunciam atores famosos em letras garrafais, com foto e tudo, mas quando o consumidor vai assistir ao filme percebe que o ator faz uma pontinha de dois ou três minutos. Ou, então, se trata do primeiro filme da carreira do ator, quando ele não era conhecido nem tinha expressão e trabalhou num filme fraquíssimo.

Nem comentarei a hipótese dos distribuidores de filmes como, por exemplo, os de Woody Allen (que não é Diretor das grandes massas), que escondem o nome do Diretor, tentando empurrar o DVD apenas pelo nome do ator conhecido (há vários atores famosos trabalhando com ele). O interessante nesse exemplo é que, na prática, não há delito porque o caso é, digamos assim, de informação enganosa "a favor" do consumidor, pois dá uma chance à ele de assistir filme de primeira qualidade (como são os de Woody Allen), mesmo que alugando ou comprando apenas porque um conhecido ator aparece na capa!

Nesse mercado capitalista que não conhece valores, mas apenas preços, como diria Octávio Paz, será que algum dia teremos honestidade por parte dos produtores/distribuidores?

Será que um dia, caro leitor, você chegará à vídeo-locadora, examinará as caixinhas de filmes e lerá:

"Tente! Talvez você se divirta"

"Fizemos de todo possível para o filme ser emocionante"

"Há quem ria. Há quem não ria. Depende do humor de cada um"

"Os atores são conhecidos e bons, o Diretor excelente, a produção de primeira. Esperamos que você goste".

"A produção é caríssima. Leve para casa, por favor"

"Nem melhor nem pior que os outros. Mas, o que você tem mesmo para fazer hoje?"

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Colunista

Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.