CPC na prática

Afinal: o agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do novo CPC deve ser admitido com o efeito suspensivo automático do artigo 1.012 do novo CPC?

Afinal: o agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do novo CPC deve ser admitido com o efeito suspensivo automático do artigo 1.012 do novo CPC?

31/8/2017

Rogerio Mollica e Elias Marques de Medeiros Neto

O Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO)1 possui enunciado com a seguinte previsão: "O efeito suspensivo automático do art. 1.012, aplica-se ao agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial do mérito". (art. 356)

A razão do enunciado se baseia na premissa de que a natureza da decisão interlocutória parcial de mérito se mostra similar ao da sentença final de mérito, sendo certo que o NCPC não poderia tratar de forma desigual os efeitos dos respectivos recursos a serem interpostos contra esses referidos pronunciamentos judiciais.

A decisão interlocutória parcial de mérito, nos termos do artigo 356 do NCPC, tem a natureza de uma verdadeira sentença, não se diferenciando, em essência, do pronunciamento judicial de que trata o artigo 487 do NCPC.

Teresa Arruda Alvim2 bem observa que: "O NCPC, em seu art. 356, admite de forma expressa a possibilidade de julgamento parcial do mérito, rompendo o dogma da sentença una. Chama a decisão, neste caso, de decisão interlocutória de mérito. (...). Embora a decisão que julga antecipadamente parte do mérito tenha conteúdo de sentença (art. 487, I), o recurso dela cabível é o agravo de instrumento, para permitir que o processo prossiga em primeiro grau, em relação aos pedidos ou a parte do pedido não julgados".

Cassio Scarpinella Bueno3 bem lembra que "não sendo o caso de extinção total ou parcial do processo, nem de julgamento antecipado total do mérito, cabe ao magistrado verificar se o caso concreto amolda-se no que o CPC de 2015 passou a identificar como julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356). Aqui também, o que o magistrado buscará, ainda que em parte, é o proferimento de sentença nos moldes do inciso I do art. 487".

Neste contexto, o legislador não poderia tratar de forma abruptamente diferente os efeitos dos recursos que devem ser utilizados para provocar a revisão da sentença e da decisão interlocutória de mérito, dada a mesma essência existente nesses dois pronunciamentos judiciais.

Se a apelação, interposta contra sentença, deve ser recebida com o duplo efeito, nos termos do artigo 1012 do NCPC, razoável seria afirmar que o agravo de instrumento, para a hipótese de ser interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do NCPC, também deveria ser recebido com o duplo efeito; sendo admitido com efeito suspensivo automático.

Não se olvida, aqui, que o legislador se preocupou muito com a efetividade, a celeridade e a eficiência dos atos jurisdicionais, conforme bem se nota da leitura dos artigos 4 e 8 do NCPC. Mas, por outro lado, a segurança jurídica, o devido processo legal e a proporcionalidade são importantes princípios que devem nortear a leitura constitucional do processo civil (art. 1 do NCPC), de modo que se o legislador optou, em regra, conferir efeito suspensivo automático ao recurso de apelação (artigo 1012 do NCPC) interposto contra a sentença final de mérito, não parece coerente – inclusive do ponto de vista de sistema – permitir que o agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito (artigo 356 do NCPC) tenha o seu curso sem o efeito suspensivo automático do artigo 1012 do NCPC.

A incoerência se agrava, ao se notar que o artigo 356 do NCPC prevê inclusive, em seu paragrafo segundo, que a parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso interposto.

Essa previsão permite a absurda conclusão de que a decisão parcial de mérito seria, em tese, mais forte, para fins de execução imediata, que uma sentença final de mérito, proferida após a devida instrução probatória.

Este artigo não necessariamente defende que o sistema processual ideal é aquele que prevê que a sentença de mérito deva ser recorrida através de recurso de apelação que tenha o efeito suspensivo automático.

Mas, defende sim, com todas as letras, que se o legislador optou por conferir efeito suspensivo automático para o recurso de apelação, não existe razão cientifica para retirar a previsão de efeito suspensivo automático para o agravo de instrumento a ser manejado contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do NCPC, que nada mais representa do que uma verdadeira sentença parcial antecipada de mérito.

E nessa linha, de coerência sistêmica, as hipóteses excepcionais previstas no próprio artigo 1012 do NCPC, nas quais a apelação deve ser recebida apenas com efeito devolutivo, também se aplicariam, em tese, ao agravo de instrumento interposto contra a decisão parcial de mérito do artigo 356 do NCPC.

Essa visão estaria, no nosso humilde ver, em linha com uma leitura constitucional do processo civil, bem proclamada pela professora Teresa Arruda Alvim4 como "linha mestra fundamental da construção do novo sistema processual civil brasileiro. Um dos objetivos que se teve ao se elaborar este novo código foi o de situa-lo, expressa e explicitamente, num contexto normativo mais amplo, em que a constituição federal ocupa o principal papel".

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1 Ceapro.

2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEICAO, Maria Lucia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 688.

3 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 331.

4 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEICAO, Maria Lucia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 60.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).