CPC na prática

A tutela de evidência, a Fazenda Pública e as limitações do artigo 1.059 do CPC/2015

A tutela de evidência, a Fazenda Pública e as limitações do artigo 1.059 do CPC/2015.

30/8/2018

Rogerio Mollica

A tutela de evidência prevista no artigo 311 do Código de Processo Civil é uma das muitas "inovações" do novo CPC. O previsto no inciso I, quanto a possibilidade de concessão de tutela provisória independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte já fazia parte do CPC/73.

Já a previsão do inciso II, quanto a concessão no caso das alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante se alinha com a tônica do CPC/2015, que é o respeito aos precedentes.

Como se sabe, muitas vezes os procuradores dos Entes Públicos se vêm compelidos a contestar e continuar discussões já pacificadas de forma contrárias ao Poder Público, logo, de muita valia pode ser a tutela de evidência quando se litiga em face do Poder Público.

O instituto ainda gera muitas dúvidas nos operadores, entretanto, esse breve estudo se limitará a verificar a possibilidade da concessão de tutela de evidência em face da Fazenda Pública e se as limitações impostas pelo artigo 1.059 seriam aplicáveis também à tutela de evidência e não somente à tutela de urgência.

O cabimento da concessão de tutela de evidência em face da Fazenda Pública parece não trazer qualquer dúvida. Entretanto, como se sabe, o CPC/2015 compilou várias limitações existentes na legislação esparsa quanto ao cabimento de tutelas provisórias em face dos entes públicos.

De fato, prevê o artigo 1059: "À tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos arts. 1o a 4o da Lei no 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art. 7o, § 2o, da Lei no 12.016, de 7 de agosto de 2009". Essas são as clássicas limitações à concessão de tutelas de urgência para a liberação de mercadorias provenientes do exterior, compensação de tributos e pagamento de rendas e proventos a funcionários públicos.

Pela análise fria da lei, as limitações abrangeriam também as tutelas de evidência, eis que o artigo 294 prevê que a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou, recentemente, tutela de evidência em face do Fazenda Pública, eis que contrária ao artigo 1.059 do CPC/2015, conforme se depreende do seguinte julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – Indeferimento do pedido de concessão do benefício da justiça gratuita – Juntada de declaração de insuficiência de recursos que vem ao encontro da presunção legal, inexistindo fatos que possam desaboná-la – Pedido de concessão de tutela de evidência, compreensivo do pagamento de valores vencidos desde a data da nomeação, na base da declaração de inconstitucionalidade da regra do artigo 3º-A da LC 432/85 – Impossibilidade de "pagamento de qualquer natureza", à vista da regra do artigo 1.059 do CPC, que se reporta à norma do art. 7º, § 2º, da LF 12.016/09 – Recurso parcialmente provido.

(TJ/SP; Agravo de Instrumento 2215559-86.2017.8.26.0000; Relator (a): Luiz Sergio Fernandes de Souza; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Publicação: 20/3/2018)

O Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado nº 35 prevendo que: "As vedações à concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública limitam-se às tutelas de urgência"1.

Leonardo Carneiro da Cunha entende que "cabe a tutela provisória de evidência contra a Fazenda Pública, ressalvados os casos de vedação legal quanto à hipótese do inciso IV do art. 311"2.

Portanto, o artigo 1.059 não deve ser aplicado para os casos de concessão de tutela de evidência baseada em casos repetitivos ou em súmula vinculante, eis que nesses casos temos praticamente uma certeza quanto a existência do direito e a tutela definitiva só não é entregue de imediato, pois ainda há um trâmite processual a transcorrer. Tal posição é a que melhor se coaduna com a segurança jurídica e com a interpretação sistemática do CPC/2015 e com o seu principal alicerce, o respeito aos precedentes.

__________

1 Nesse sentido também é o entendimento de Fredie Didier Júnior, Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 04, São Paulo: Saraiva, 2017, p. 660.

2 A Fazenda Pública em Juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 321.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).