CPC na prática

Notícia sobre incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado no TRF-3 acerca do redirecionamento da execução de crédito tributário

Notícia sobre incidente de resolução de demandas repetitivas instaurado no TRF-3 acerca do redirecionamento da execução de crédito tributário.

13/9/2018

André Pagani de Souza

No último dia 5/9/2018 foi realizada audiência pública na sede do Tribunal Regional Federal da terceira região com o objetivo de "dirimir questão controvertida de Direito Processual consistente em dúvida se o redirecionamento da execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica".

Trata-se de louvável iniciativa tomada no âmbito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) admitido pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região autuado sob o n. 0017610-97.2016.4.03.0000/SP cujo relator é o desembargador Federal Baptista Pereira.

O IRDR em questão foi suscitado em agravo de instrumento autuado sob o n. 0012118-27.2016.4.03.0000/SP, da relatoria do Desembargador Federal André Nabarrete, interposto pela União contra decisão que, em sede de execução fiscal promovida em face de pessoa jurídica, instaurou incidente de desconsideração da personalidade jurídica, suspendeu o curso da execução fiscal e determinou a citação dos seus sócios, nos termos dos artigos 134, § 3º e 135, caput, ambos da lei 13.105/2015 (CPC).

Segundo o entendimento manifestado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), "pedido de redirecionamento” da execução fiscal deveria ser apreciado imediatamente, independente de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica".

Isso porque, na sua visão, a suspensão automática do processo (CPC, art. 134, § 3º) seria incompatível com a execução fiscal, pois dificultaria muito a busca e o alcance de bens do devedor. Além disso, tal suspensão do processo principal favoreceria a dilapidação patrimonial porque impossibilitaria a prática de qualquer ato tendente à constrição de bens do devedor principal.

Assim, caso fosse adotado o entendimento pelo cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, no entender da PGFN, seria necessário o manejo de medidas cautelares pela Fazenda Pública para evitar prejuízos, o que se revelaria inviável do ponto de vista prático, em razão da frequência em que é requerido o redirecionamento das execuções fiscais.

Logo, para a PGFN, a adoção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em vez de se utilizar o puro e simples "redirecionamento da execução fiscal" colocaria em risco a própria satisfação do crédito fiscal.

Entretanto, o julgamento do recurso em questão foi suspenso para a instauração do IRDR por meio de decisão cuja ementa é a seguinte:

"PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ADMISSIBILIDADE. EXECUÇÃO FISCAL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

1. O requisito legal de efetiva repetição de processos que tem por objeto a mesma questão de direito restou comprovado pelos extratos de andamento processual que foram juntados aos autos.

2. Risco de ofensa à segurança jurídica e isonomia restou caracterizado diante do ambiente de dubiedade procedimental estabelecido.

3. Questão controvertida de direito processual: o redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

4. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas admitido."

Com efeito, dentro do âmbito do próprio TRF-3, existe controvérsia acerca da necessidade de instauração (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica disciplinado pelos artigos 133 a 137 do CPC nas hipóteses em que se pretende o redirecionamento da execução do crédito tributário.

Confira-se, a propósito, a título meramente ilustrativo, uma ementa de julgado da Terceira Turma do TRF-3 no sentido de descabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da execução fiscal:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO. SÓCIO-ADMINISTRADOR. ARTIGO 135, III, CTN. SÚMULA 435/STJ. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARTIGO 133, CPC/2015.

1. O pedido de redirecionamento da execução fiscal, em razão da Súmula 435/STJ e artigo 135, III, CTN, não se sujeita ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, de que trata o artigo 133 e seguintes do CPC/2015 e artigo 50 do CC/2002.

2. A regra geral do Código Civil, sujeita ao rito do Novo Código de Processo Civil, disciplina a responsabilidade patrimonial de bens particulares de administradores e sócios da pessoa jurídica, diante de certas e determinadas relações de obrigações, diferentemente do que se verifica na aplicação do artigo 135, III, CTN, que gera a situação legal e processual de redirecionamento, assim, portanto, a própria sujeição passiva tributária, a teor do artigo 121, II, CTN, do responsável, de acordo com as causas de responsabilidade tributária do artigo 135, III, CTN.

3. Configurando norma especial, sujeita a procedimento próprio no âmbito da legislação tributária, não se sujeita o exame de eventual responsabilidade tributária do artigo 135, III, CTN, ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, de que tratam os artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015.

4. Agravo de instrumento provido".

(TRF-3, 3ª Turma, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0012070-68.2016.4.03.0000/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, D.E. 05.09.2016, grifos nossos)

Por outro lado, cumpre destacar, também a título meramente ilustrativo, ementa de julgado no sentido de admissão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito da Primeira Turma do TRF-3:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. ART. 13 DA LEI Nº 8.620/93. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL RECONHECIDA PELO STF. REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS. INAPLICABILIDADE. SISTEMÁTICA DO ART. 135, INCISO III DO CTN. HIPÓTESES DE CABIMENTO DO REDIRECIONAMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS DO ART. 135, CTN IMPOSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. PRECEDENTES.

- Trata-se na origem de execução fiscal ajuizada pela União com o fim de cobrança de débitos previdenciários referentes ao período de 02/2000 a 03/2001, em face da empresa executada e dos sócios-agravantes.

- O Egrégio Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 562.276/PR, reconheceu a inconstitucionalidade material e formal do artigo 13 da lei 8.620/1993, o qual estabelecia a responsabilidade solidária do titular da firma individual e dos sócios das sociedades por quotas de responsabilidade limitada por débitos relativos a contribuições previdenciárias. Posteriormente, o mencionado dispositivo foi revogado pela lei 11.941/2009.

- Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade material e formal do artigo 13 da lei 8.620/1993, o Colendo Superior Tribunal de Justiça adequou seu entendimento a respeito da matéria, por intermédio do regime dos recursos repetitivos, para o fim de afastar a aplicação do citado preceptivo e, com isso, impedir a inclusão do nome dos sócios nas Certidões de Dívida Ativa. (REsp 1153119/MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 02/12/2010)

- Traçado o contexto normativo e jurisprudencial atinente à questão subjacente aos autos, conclui-se que a inclusão de sócios no polo passivo de execuções fiscais propostas com o objetivo de cobrar contribuições previdenciárias deve obedecer apenas à sistemática do artigo 135, inciso III, do CTN, é dizer, o feito poderá ser redirecionado aos sócios diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas, quando constatada a prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.

- Por outras palavras, a mera inclusão dos nomes dos sócios na CDA não tem o condão de efetivamente redirecionar o feito a eles, tampouco de inverter o ônus da prova, por esbarrar em dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Pretório Excelso. O fator determinante para incluir os corresponsáveis no polo passivo do executivo fiscal é, em realidade, o atendimento ao disposto no artigo 135, III, do CTN. Precedentes.

- Ressalto que no caso específico dos autos em nenhum momento ficou demonstrada a ocorrência de uma das hipóteses do artigo 135 do CTN, pelo que não há se falar em redirecionamento do feito aos sócios diretores e representantes, ao menos em cognição sumária e não exauriente deste recurso.

- Todavia, observo que, em se constatando posteriormente atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, será possível que se proceda à inclusão dos corresponsáveis no polo passivo do executivo fiscal, observados o lapso prescricional e o procedimento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (CPC, arts. 133 e ss).

- Agravo de instrumento provido".

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 578788 - 0005458-17.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 11/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/10/2016, grifos nossos).

Percebe-se, portanto, a necessidade de se uniformizar o entendimento – dentro do próprio TRF-3 – acerca da compatibilidade (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica com a lei que rege o processo de execução dos créditos tributários (lei 6.830/1980 ou "Lei de Execuções Fiscais"). Por tais razões, merece aplausos a iniciativa de se instaurar o IRDR para debater e uniformizar o entendimento acerca desta importante questão controvertida, trazendo maior segurança jurídica para todos.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).