CPC na prática

O recente julgamento do REsp 1799572/SC do Superior Tribunal de Justiça e o princípio da cooperação previsto no art. 6º do CPC/15

O recente julgamento do REsp 1799572/SC do Superior Tribunal de Justiça e o princípio da cooperação previsto no art. 6º do CPC/15.

4/7/2019

Elias Marques de Medeiros Neto

Em recente julgamento do recurso especial 1799572/SC, ocorrido em 9/5/2019, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu o entendimento de que o magistrado, com base no princípio da cooperação, deve zelar por um processo efetivo e que tenha duração razoável; enfatizando-se, em especial, o dever de auxílio que o juiz deve observar no decorrer da execução. Veja-se:

"TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE.

I - O pedido de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, tal como o SerasaJUD, nos termos do art. 782, § 3º, do CPC/2015, não pode ser recusado pelo Poder Judiciário sob o argumento de que tal medida é inviável em via de execução fiscal.

II - Tal entendimento vai de encontro com o objetivo de promover a razoável duração do processo e a cooperação processual. Além disso, compete ao juízo da execução fiscal tomar as medidas necessárias para a solução satisfativa do feito, conforme interpretação dos arts. 4º, 6º e 139, IV, todos do CPC/2015.

III - Recurso especial provido."

Enfatiza o ministro Francisco Falcão, em seu voto, que:

"A medida de inclusão do nome do devedor no cadastro de inadimplentes encontra previsão expressa no art. 782, § 3º, do CPC/2015 (...). Com efeito, tal medida concretiza o princípio da efetividade do processo, possuindo respaldo basilar nas Normas Fundamentais do Processo Civil, considerando que "as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa" (art. 4º do CPC/2015) e o dever de cooperação processual, direcionado igualmente ao Poder Judiciário, "para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva" (art. 6º do CPC/2015)."

Bem em linha com esse recente acórdão do STJ, vale lembrar que o princípio da cooperação está previsto no artigo 6º do novo CPC/15 e não há dúvida de que este princípio também é destinado ao magistrado na sua relação com os demais sujeitos processuais, sendo esta a leitura que bem faz a doutrina processual portuguesa: "A ideia de cooperação no CPC de Portugal como um dever processual é bem ressaltada pelo processualista português Miguel Teixeira de Sousa, para quem se pode extrair desse princípio positivado basicamente quatro principais deveres do órgão judicial: a) dever de esclarecimento; b) dever de prevenção; c) dever de consultar as partes; e d) dever de auxiliar as partes"1.

No direito processual português, o princípio da cooperação está positivado no artigo 7º do Código de Processo Civil de Portugal/2013: "na condução e intervenção do processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio".

Fredie Didier Jr., acerca do princípio da cooperação no direito processual português, bem sinaliza que "é fonte direta de situações jurídicas ativas e passivas, típicas e atípicas, para todos os sujeitos processuais, inclusive para o órgão jurisdicional"2.

Abílio Neto3 ainda sobre o princípio da cooperação no direito processual português, ressalta que a aplicação deste princípio vincula o órgão jurisdicional em sua relação com as partes, transformando-se em verdadeiro dever, o qual "desdobra-se em dois deveres essenciais: um é o dever de esclarecimento ou de consulta, isto é, o dever de o tribunal esclarecer junto das partes as eventuais dúvidas que tenha sobre suas alegações ou posições em juízo, de molde a evitar que a sua decisão tenha por base a falta de esclarecimento de uma situação e não a verdade sobre ela apurada; o outro é o dever de prevenção ou de informação, ou seja, o dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos e de as informar sobre aspectos de direito ou de fato que por elas não foram considerados...".

Fernando Pereira Rodrigues4 sustenta que o princípio da cooperação "consiste no dever imposto aos magistrados, aos mandatários, às partes e a terceiros intervenientes acidentais no processo, de prestarem o seu contributo para que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio".

Neste passo, enfatizando o dever de auxilio que o magistrado deve observar na execução, o STJ bem sinaliza pela necessária aplicação do princípio da cooperação para reger a conduta do juiz no processo, em total consonância com a majoritária doutrina que escreve sobre o tema.

__________

1 ZUFELATO, Camilo. Análise Comparativa da cooperação e colaboração entre os sujeitos processuais nos projetos de novo cpc, in: Freire, Alexandre; Dantas, Bruno; Nunes, Dierle; Didier Jr., Fredie; Medina, José Miguel Garcia; Fux, Luiz; Camargo, Luiz Henrique Volpe; Oliveira, Pedro Miranda de . Novas Tendencias do Processo Civil. Salvador: Jus Podium, 2013. p. 113).

2 DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra: Coimbra editora, 2010. p. 109.

3 NETO, Abilio. Novo código de processo civil anotado. 2ª. Edição. Lisboa: Ediforum, 2014. p. 92.

4 RODRIGUES, Fernando Pereira. O novo processo civil e os princípios estruturantes. Coimbra: Almedina, 2013. p. 113.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).