CPC na prática

A decisão que não admite o IRDR e o não cabimento de recurso especial

A decisão que não admite o IRDR e o não cabimento de recurso especial.

19/12/2019

André Pagani de Souza

Como se sabe, o art. 976 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), estabelece que é cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) quando houver, simultaneamente: "I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica".

O art. 977, do CPC/2015, por sua vez, determina que o pedido de instauração deve ser dirigido ao presidente do Tribunal, sendo que o julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo Regimento Interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização da jurisprudência do Tribunal.

Nos termos do art. 981 do referido diploma legal, após a distribuição do IRDR ao órgão competente para julgar o incidente, deverá ser realizado o seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976 acima mencionados ("I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica").

Caso o órgão competente para julgar o IRDR não vislumbre a presença dos dois requisitos acima mencionados, que devem estar presentes simultaneamente, nos termos do caput do art. 976 do CPC/2015, tal incidente não deve ser admitido.

Questão de extrema relevância para o operador do direito é saber se tal decisão – a que não admite a instauração do IRDR pelo não preenchimento dos requisitos necessários – é recorrível ou não. A resposta para tal pergunta não é fácil porque o CPC/2015 não oferece uma solução clara e direta para a questão, conforme se verá adiante.

Um indício de que não caberia recurso desta decisão de inadmissão do IRDR pelo não preenchimento dos requisitos legais está no § 3º do art. 976 do CPC/2015 que preceitua o seguinte: “§ 3º A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado”.

Em outras palavras, a lei processual prescreve que a não admissão do IRDR não impede que o incidente seja novamente suscitado se, posteriormente, houver o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade.

Outro indício de que não caberia recurso da decisão que não admite o IRDR pelo não preenchimento dos pressupostos legais é o comando do art. 987 do CPC/2015, pois ele prevê o cabimento de recurso especial ou extraordinário apenas da decisão que julga o mérito do incidente.

Nessa linha de raciocínio, não caberia recurso da decisão que deixa de apreciar o mérito do IRDR. Somente a decisão que aprecia o mérito do incidente seria recorrível, nos termos do art. 987 do CPC/2015.

Um terceiro indício de que não caberia recurso da decisão que não admite o IRDR está na própria Constituição Federal que, no inciso III dos artigos 102 e 105 estabelece que cabem recurso extraordinário e recurso especial, respectivamente, das causas decididas. Assim, se o mérito do IRDR não é objeto de decisão, também não caberia recurso especial ou extraordinário da decisão que não admite o incidente, exatamente porque não haveria "causa decidida".

Nesse sentido manifestou-se recentemente o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1.631.846/DF, ao afirmar que, nas palavras da relatora Min. Nancy Andrighi: "Não há que se falar em causa decidida, que pressupõe a presença do caráter de definitividade do exame da questão litigiosa, se o próprio legislador previu, expressamente, a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido".

Confira-se, a propósito, a ementa do acórdão acima mencionado:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ACÓRDÃO DE TRIBUNAL DE 2º GRAU QUE INADMITE A INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE. RECORRIBILIDADE AO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. POSSIBILIDADE DE NOVO REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DO IRDR QUANDO SATISFEITO O REQUISITO AUSENTE POR OCASIÃO DO PRIMEIRO PEDIDO, SEM PRECLUSÃO. RECORRIBILIDADE AO STJ OU AO STF PREVISTA, ADEMAIS, SOMENTE PARA O ACÓRDÃO QUE JULGAR O MÉRITO DO INCIDENTE, MAS NÃO PARA O ACÓRDÃO QUE INADMITE O INCIDENTE. DE CAUSA DECIDIDA. REQUISITO CONSTITUCIONAL DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS. AUSÊNCIA. QUESTÃO LITIGIOSA DECIDIDA EM CARÁTER NÃO DEFINITIVO.

1- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) preliminarmente, se é cabível recurso especial do acórdão que inadmite a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas - IRDR; (ii) se porventura superada a preliminar, se a instauração do IRDR tem como pressuposto obrigatório a existência de um processo ou de um recurso no Tribunal.

2- Não é cabível recurso especial em face do acórdão que inadmite a instauração do IRDR por falta de interesse recursal do requerente, pois, apontada a ausência de determinado pressuposto, será possível a instauração de um novo IRDR após o preenchimento do requisito inicialmente faltante, sem que tenha ocorrido preclusão, conforme expressamente autoriza o art. 976, §3º, do CPC/15.

3- De outro lado, o descabimento do recurso especial na hipótese decorre ainda do fato de que o novo CPC previu a recorribilidade excepcional ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal apenas contra o acórdão que resolver o mérito do Incidente, conforme se depreende do art. 987, caput, do CPC/15, mas não do acórdão que admite ou que inadmite a instauração do IRDR.

4- O acórdão que inadmite a instauração do IRDR não preenche o pressuposto constitucional da causa decidida apto a viabilizar o conhecimento de quaisquer recursos excepcionais, uma vez que ausente, na hipótese, o caráter de definitividade no exame da questão litigiosa, especialmente quando o próprio legislador previu expressamente a inexistência de preclusão e a possibilidade de o requerimento de instauração do IRDR ser novamente realizado quando satisfeitos os pressupostos inexistentes ao tempo do primeiro pedido.

5- Recurso especial não conhecido" (STJ, 3ª Turma, REsp 1.631.846/DF, relatora para acórdão Min. Nancy Andrighi, não conheceram do recurso por maioria de votos, j. 05.11.2019).

No caso concreto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) decidiu que não deveria ser admitida a instauração de IRDR por não estar configurado o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade (I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica). Mais especificamente, o TJDFT entendeu que não havia no âmbito do Tribunal recurso pendente de julgamento sobre a mesma questão unicamente de direito. Por isso, não admitiu a instauração de IRDR.

Enfim, trata-se de uma decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, tomada por maioria de votos. Isto quer dizer, portanto, que ainda estamos longe de ter uma interpretação consolidada e uniformizada dos artigos 976 e seguintes do CPC/2015 que tratam do IRDR. Por ora, a decisão que prevaleceu no âmbito da Terceira Turma do STJ é a de que não cabe recurso especial contra acórdão que trata apenas da admissibilidade de IRDR.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).