Meio de campo

Respeitem o São Paulo, cumpram o estatuto do São Paulo!

Respeitem o São Paulo, cumpram o estatuto do São Paulo!

19/8/2020

As eleições no São Paulo Futebol Clube (SPFC) se aproximam. Enfim, os dois nomes que se enfrentarão, pela eleição ao cargo de presidente, estão definidos: Julio Casares (JC) e Roberto Natel (RN), ambos membros do conselho de administração do clube. RN, aliás, cumula a vice-presidência executiva, apesar de ter rompido publicamente com o atual presidente, Leco.

JC já estava definido como representante de uma coligação situacionista – integrada por grupos de distintas matizes, incluindo desafetos internos –, que poderia ser definida como uma espécie de centrão.

Bem articulado e experiente nas relações clubísticas, JC também atua de modo ativo no ambiente corporativo. Sabe muito bem que a condição para a sobrevivência, o desenvolvimento e o crescimento de qualquer atividade empresarial é o acesso a capitais.

Ele também sabe, pelos cargos que exerceu e exerce na estrutura administrativa são-paulina, que o modelo atual de associação sem fins lucrativos está saturado e é incapaz de gerar as receitas necessárias para tornar o time competitivo no plano internacional (e mesmo local). Mas não pode admitir a realidade, pública e internamente, nos meandros do Morumbi, pois desagradaria sua base de sustentação: políticos (ou politiqueiros) clubísticos que se apropriam da esperança da enorme torcida tricolor.

JC é um candidato da elite, representativa do poder concentrado em conselhos deliberativos e consultivos – fato que, em si, não implica ilegitimidade ou ilegalidade. Daí sua posição negacionista do inegável, que se manifesta sobretudo por meio da repetição de falácias.

A principal delas consiste na afirmação da desnecessidade de reestruturação do modelo de propriedade e, consequentemente, de governação e controle da atividade do futebol (conforme, respeitando-se as características próprias, fizeram todos os clubes relevantes do planeta, com duas exceções: Real Madrid e Barcelona).

Assim, caso JC se eleja, os torcedores deverão aguardar o decurso do prazo de seu mandato - 3 anos – para voltar a sonhar com uma estrutura compatível com a grandeza da história do time.

Dizia-se, até o último sábado (15/8/20), que seu opositor seria Marco Aurélio Cunha (MAC). Apesar da relação deste com a torcida, pelos bons serviços prestados, nunca foi um agente político atuante no clube. Contava, por outro lado, com a retórica populista. Era, assim, o preferido do torcedor.

Não deu. Foi vencido por RN, em (surpreendente) convenção oposicionista, que escancarou a natureza estritamente política do processo.

De toda forma, MAC também representava, pelas suas convicções pessoais, o continuísmo da falida estrutura associativa como agente administrador do futebol. Achava que, com pessoas capacitadas e bem intencionadas, por ele conduzidas, poder-se-ia afirmar o clube social, no meio de poderosos oponentes endinheirados, como via adequada de titularidade e exercício da empresa futebolística.

Mesmo assim, a sua exclusão da corrida presidencial reforça o intransponível hiato entre o desejo dos torcedores e o hermético sistema cartolarial.

RN, o candidato escolhido pela oposição para duelar com JC, é fruto da estrutura clubística – e não uma opção da massa torcedora. Vive nela e parece ter o apreço da base associativa. Representa o desejo do associado, que, aliás, não votará para presidente, pois a escolha é prerrogativa do conselho deliberativo.

Ele, ao contrário de JC, acredita na ideia de que estrutura clubística e futebol se confundem; também no engano de que as glórias do passado podem ser retomadas a partir (simplesmente) de uma nova direção.

RN carrega, em seu nome, o peso da tradição tricolor, proveniente de seu tio, Laudo Natel. Também o marcam – ou deveriam marcar – os feitos transformadores de seu parente, que muito contribuíram para que o time se tornasse uma referência nacional e mundial, justamente pelos exemplos de pioneirismo e de coragem, refletidos em decisões vanguardistas.

RN vem manifestando insatisfação pública com a política interna. Pretende apresentar-se, ao menos formalmente, como alternativa ao que devia ter sido feito, e não foi. Porém, seus objetivos aparentam coincidir com os de JC, mesmo quando implicam um descumprimento do estatuto do SPFC.

Lembre-se, a propósito: por ocasião da primeira e da segunda eleições do Presidente Leco, o tema central, badalado à exaustão pela imprensa esportiva, envolvia a transformação da estrutura associativa, refletida em Seção e cláusulas estatutárias, que se impõem à diretoria e ao conselho de administração.

Portanto, a submissão, aos órgãos internos e aos associados, do estudo de viabilidade da segregação entre (i) futebol e (ii) atividades sociais, não representa um devaneio isolado – ou uma ideia externa -, mas uma obrigação, derivada da vontade da assembleia geral. A inobservância consiste, aliás, em falta gravíssima.

RN, se eleito, não poderia evitar esse cenário, e, para honrar a história familiar, deveria cumprir a vontade dos associados – que aparentemente o apoiam em seu propósito presidencial -, manifestada em deliberação assemblear.

O problema é que, tanto ele como JC, ao que parece, preferirão destruir o presente – e o futuro - do São Paulo sustentando a soberania associativa – e a desnecessidade de respeito ao estatuto.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.