Na última semana, perdemos o economista, empresário e escritor José Alberto de Camargo, aos 91 anos. Desde muito jovem, eu ouvia seu nome. Na minha família, ele sempre surgia em meio a histórias de aventuras e conquistas, contadas com afeto e admiração por meu tio, Homero de Souza e Silva, e por minha mãe, Vera. Ao longo dos anos, Camargo se tornou também meu amigo — e descobri que o homem sobre quem tanto ouvia em casa, e que via nos jornais por sua trajetória notável, era ainda mais fascinante. Brilhante, generoso, espirituoso, era uma daquelas presenças raras que iluminam qualquer ambiente.
Em encontros em almoços, ele tomava a palavra com um entusiasmo sereno, e logo estávamos todos mergulhados em suas narrativas: aventuras vividas mundo afora, passagens curiosas de sua vida profissional, encontros inusitados com personagens que pareciam saídos de filmes. Camargo não contava histórias apenas — ele as revivia diante de nós, com olhares cheios de humor e inteligência.
Com naturalidade, ele transitava entre o empresário e o amigo, entre o executivo visionário e o contador de histórias. Camargo foi, de fato, um homem de realizações extraordinárias. Apaixonado pela cidade mineira de Araxá, onde trabalhou, era economista de formação e iniciou sua carreira na Carbocloro, chegando à diretoria financeira aos 27 anos. Nos anos 70, aos 39 anos, tornou-se diretor-geral da CBMM - Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, a convite do embaixador Walther Moreira Salles. Lá permaneceu por três décadas, conduzindo a empresa à liderança mundial na produção e pesquisa do nióbio — um dos metais mais estratégicos do planeta, usado nas indústrias automobilística, aeroespacial e de infraestrutura.
Seu trabalho na promoção do nióbio e da tecnologia mundo afora o projetou internacionalmente, jornada que contou no livro "Memórias de um Vendedor de Nióbio". Mas não se limitou a esse tema: escreveu também obras sobre saúde mental e sobre suas experiências na China, revelando sempre um olhar curioso sobre o mundo. Entre 1966 e 1980, atuou ainda como vice-presidente da Fazenda Bodoquena, sociedade dos Moreira Salles com os Rockefellers.
Sua atuação, porém, ultrapassou o mundo empresarial. Ele colocou sua competência a serviço do país: foi um dos formuladores do programa Fome Zero, criado durante o governo do presidente Lula, ajudando a desenhar políticas públicas que uniam economia e compromisso social. Tinha a capacidade de enxergar a grandeza do Brasil e de acreditar no poder transformador do trabalho e da generosidade.
Uma curiosidade desse período: foi ele quem deu para Lula a escultura de Jesus Cristo crucificado, que ocupou o gabinete presidencial durante os dois primeiros mandatos do presidente, e voltou ao Palácio do Planalto em 2023 após um processo de restauração feito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Apesar da dimensão pública, o que mais impressionava era sua humanidade. Gostava de gente, tinha paciência e curiosidade genuína por quem o cercava. Contava histórias com seu humor característico, mas sabia escutar e oferecer conselhos com a sabedoria de quem já viveu muito, sem soar professoral. Parecia ter compreendido que o verdadeiro êxito está na maneira como tocamos a vida dos outros.
Talvez por isso, quando penso nele, me venha à mente o filme "Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas", de Tim Burton. Como o personagem Edward Bloom, Camargo tinha prazer em compartilhar suas experiências, sempre com um brilho que ultrapassava os fatos — não porque inventasse, mas porque via poesia e humor onde outros viam apenas rotina.
O legado de José Alberto de Camargo vai muito além das grandes contribuições que seu trabalho trouxe ao país — seja como o empresário que promoveu o nióbio brasileiro, o economista que acreditava na justiça social ou o escritor que refletiu sobre tantos temas. Ele será lembrado pelos que tiveram a sorte de conhecê-lo como um amigo generoso, que sabia rir e fazer rir. Acima de tudo, como um homem que mostrou que viver bem é também saber contar — e partilhar — as histórias que dão sentido a nossa passagem pelo mundo.
Como diz o filho de Edward Bloom no filme Peixe Grande: "um homem conta suas histórias tantas vezes… que se torna as histórias. Elas sobrevivem a ele. E desta forma, ele se torna imortal".