Migalha Trabalhista

A Justiça do Trabalho e o direito à aposentadoria especial: incompetência e incompatibilidade

A Justiça do Trabalho e o direito à aposentadoria especial: incompetência e incompatibilidade

11/3/2022

São comuns e muito frequentes as reclamações trabalhistas com requerimentos por declaração judicial de labor em condições insalubres com reflexos em vantagem na seara previdenciária, no sentido de se reconhecer a contagem especial de tempo para fins de aposentadoria do trabalhador.

Contudo, pelo que se depreende da legislação vigente, tem-se que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar e julgar esses pleitos, na medida em que tal pretensão extrapolaria os seus limites jurisdicionais.

Nesse prumo, a Justiça Especializada possui competência apenas para executar as contribuições sociais, dentre as quais a previdenciária, decorrentes das sentenças que proferir, inclusive com entendimento restritivo consubstanciado na Súmula 368, item I do TST1.

Mesmo com a ampliação do leque de atividades jurisdicionais e competências da Justiça do Trabalho, em razão da Emenda Constitucional 45 de 2004, ainda assim não caberia à Justiça do Trabalho executar ou analisar demais situações referentes à Previdência Social, nos termos do inciso VIII do artigo 114 da Constituição Federal.

Inclusive, é oportuno referir que, mesmo provocado por meio de ação judicial específica, o Juízo Trabalhista não pode tampouco determinar em decisão declaratória que o INSS reconheça ou averbe tempo de serviço para finalidade de jubilamento especial, admitindo-se a impetração de mandado de segurança caso o faça, consoante a Orientação Jurisprudencial 57 de SDI-II do Tribunal Superior d Trabalho - TST2.

Ainda no tocante à incompetência trabalhista para a finalidade em exame, merece atenção o quanto previsto no artigo 71 da Instrução Normativa 77 do INSS, de 21 de janeiro de 2015, que dispõe que “a reclamatória trabalhista transitada em julgado restringe-se à garantia dos direitos trabalhistas e, por si só, não produz efeitos para fins previdenciários”.

Ultrapassada a questão evolvendo a (in)competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar pleitos declaratórios por averbação de tempo especial para aposentadoria, urge esclarecer definitivamente que o adicional de insalubridade não se confunde com condição especial de trabalho para fins previdenciários.

Com previsões no artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal c/c artigo 189 e seguintes da CLT, o adicional de insalubridade corresponde ao direito trabalhista devido ao empregado3 quando este laborar em situação exposta a agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos que estão previstos na Norma Regulamentadora 15 da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Previdência.

Trata-se, portanto, de um direito consagrado e reconhecido pela legislação trabalhista e, destarte, completamente compatível com as ações que tramitam na Justiça do Trabalho.

De outro lado, com base no artigo 57 da lei 8.213/92 c/c artigo 70 do Decreto 3.048/99 (que justamente regulamenta a Lei dos Benefícios Previdenciários – lei 8.213/91), a aposentadoria especial é um benefício previdenciário garantido ao trabalhador segurado pelo Regime Geral de Previdência Social.

Ora, nada mais é do que uma compensação pelo desgaste resultante do tempo de serviço prestado pelo trabalhador em condições nocivas à saúde. É concedida para quem trabalha nessas condições por 15, 20 ou 25 anos.

Para ter reconhecido este direito previdenciário o trabalhador precisa comprovar, além do tempo de trabalho, a efetiva exposição aos agentes nocivos químicos, físicos ou biológicos efetivamente previstos no Anexo IV do Decreto 3.048/99. Outras atividades que não estejam relacionadas nesse Anexo, por mais nocivas, penosas ou até mesmo consideradas insalubres na esfera trabalhista que possam ser, não serão classificadas como geradoras ao direito à aposentadoria especial.

Esta abordagem das esferas das normas aplicadas ao Direito do Trabalho, no tocante ao adicional de insalubridade e ao Direito Previdenciário, acerca da aposentadoria especial, já demonstram que se trata de institutos manifestamente distintos e que não oferecem confusão entre si.

Por fim, constitui-se em erro crasso pretender-se perante a Justiça do Trabalho a realização de inspeção pericial técnica, a retificação do PPP do trabalhador e a declaração de que a condição insalubre seja considerada para o reconhecimento de tempo na concessão do benefício da aposentadoria especial.

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1 SÚMULA 368 do TST. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS. IMPOSTO DE RENDA. COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO. FORMA DE CÁLCULO. FATO GERADOR.  A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição.

2 ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 57 DA SDI-II DO TST. MANDADO DE SEGURANÇA. INSS. TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO E/OU RECONHECIMENTO - Conceder-se-á mandado de segurança para impugnar ato que determina ao INSS o reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço).

3 Nesse sentido é oportuno citar o artigo 3º da CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

 

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Colunista

Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Estratégica, atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor Convidado de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (FADI, ESA, IEPREV, Católica de SC, PUC/PR, PUC/RS, Ibmec/RJ, FDV e USP/RP). Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor indicado pela Câmara dos Deputados para presidir o grupo de estudos técnicos para a elaboração do PL 5.581/2020 acerca do Teletrabalho. Coordenador Acadêmico do projeto "Migalha Trabalhista" (Migalhas). Palestrante e Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Autor do livro "Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT's e TST". Coautor dos livros "Execução Trabalhista na Prática" (2ª Edição) e "Manual de Direito Processual Trabalhista". Organizador das obras coletivas "CLT Comentada: Artigo por Artigo" – Mizuno (2ª Edição), "Estratégias da Advocacia no TST", "ESG – A Referência da Responsabilidade Social Empresarial", "Prática de Processo de Trabalho: Técnica Visual Law", "Reflexões Jurídicas Contemporâneas: Estudos em homenagem ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues", "Relações Trabalhista e Sindicais – Teoria e Prática" (2ª Edição), "LGPD e Compliance Trabalhista" e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (2ª Edição). Coordenador do livro digital "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020). Coordenador dos livros "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr) e "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb). Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), do GEDTRAB-FDRP/USP e da CIELO LABORAL. Contatos: Instagram ricardo_calcini | Website www.ricardocalcini.com.br