Migalha Trabalhista

Um direito democrático do trabalho

O que esperar em termos de transformação da realidade jurídica do trabalhador brasileiro? E, mais que isso, o que esperar de quem a transformará?

14/4/2023

Com o fim do Governo Bolsonaro e o início de mais um Governo Lula, novas expectativas foram criadas em várias áreas da sociedade, dentre elas a trabalhista. O que esperar em termos de transformação da realidade jurídica do trabalhador brasileiro? E, mais que isso, o que esperar de quem a transformará?

A comunidade jurídica já reconheceu há muito tempo que a tendência do Direito do Trabalho tem sido a de flexibilizar e de desregulamentar várias regras. A Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017) e as Medidas Provisórias como alternativas emergenciais contra a COVID-19, todas, sem exceção, se basearam numa “autonomia” do trabalhador utilizada como valor para as inovações legislativas mais recentes. Além disso, se observa um fraco debate público em torno das transformações legais que são promovidas, tudo a resultar na clara pergunta em saber qual o efetivo interesse dessa tal "autonomia"?

Avaliando as ações e omissões do Governo Bolsonaro, o Relatório Final do Gabinete de Transição Governamental 2022 informou que houve subordinação à agenda ultraliberal, flexibilização, desmonte do combate contra as organizações, além de restrições às negociações tripartite ao diálogo social. A inspeção do trabalho também não foi poupada, pois, segundo o relatório, houve perda de autonomia normativa, técnica, financeira e de gestão nos últimos quatro anos.

Nesse quadro, há um nítido objetivo no novo Governo Lula de garantir um maior cumprimento com as regulações do trabalho no Brasil. Com isso, têm surgidas manifestações de certos setores da sociedade com o intuito gerar um debate em torno daquilo pode ser feito. Diferentemente das reformas protagonizadas por Temer e Bolsonaro, o debate público com a sociedade, nesta oportunidade, parece ser uma etapa que merece ser desenvolvida.

É de se esperar que hajam manifestações dos mais variados espaços sociais na tentativa de discutir ideias e de descortinar situações trabalhistas que se encontram carentes de alguma regulação e reorientação jurídica.

Um primeiro movimento que se percebe é o protagonizado pela Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativo (ANEA), recém-criada em dezembro de 2022, mas com uma pauta já mobilizada desde 2019. Ao tempo em que requerem maior inclusão no espaço de diálogo, realizam algumas propostas na tentativa de sugerir um modelo de regulação, conforme sua "Carta da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativo (ANEA) sobre Regulação das Plataformas Digitais". Contra o sofisma de que tais entregadores seriam verdadeiros autônomos e empreendedores de si mesmos, partem de um pressuposto básico sobre a própria realidade de trabalho:

À semelhança de muitas formas de trabalho que foram transformadas e precarizadas nas últimas décadas, somos formalmente considerados autônomos ou empreendedores pelas plataformas, mas, na prática, sofremos controle, avaliação e competição por tarefas. Nossa liberdade é limitada ao poder escolher quando nos conectar ao aplicativo, e essa liberdade termina ali, quando somos guiados pelo algoritmo e temos que assumir todos os riscos do trabalho. Um verdadeiro trabalhador autônomo tem liberdade para definir o preço de seus serviços, escolher a organização de seu trabalho e como prestá-lo, sempre tendo a opção de recusar serviços sem sofrer penalidades. Pela nossa experiência cotidiana no trabalho, constatamos que a autonomia é aparente e não existe, pois há mera flexibilidade de horários.

Por isso, proposta de inovação legislativa possui os seguintes 12 pontos:

Além da ANEA, o Grupo de Pesquisa e Extensão da Faculdade de Direito da USP "Núcleo Trabalho Além do Direito do Trabalho" (NTADT) também se manifestou como mais um ator social com interesse em contribuir para o aprimoramento legislativo do Direito do Trabalho. Nesse sentido, elaboraram algumas propostas pontuais, as quais seguem os seguintes propósitos:

Mais recentemente, houve um Manifesto sobre a Regulação do Trabalho Controlado por "Plataformas Digitais". Aqui, associações, grupos de pesquisa e juristas se posicionam com sugestões para participarem do debate que pensa o futuro do trabalho no Brasil. Nesse caso, estabelecem os seguintes pontos de discussão:

Pelo que se pode perceber, manifestações começam a nascer com um ponto em comum muito forte: a melhor saída é a realização do próprio debate. O olhar desse movimento social após a vitória de Lula nas eleições de 2022 não deve ser apenas sobre as propostas, mas de onde elas saem. Não se trata de qualquer debate público, mas de um que seja verdadeiramente participativo com a inclusão daquelas pessoas que serão efetivamente afetadas pelas futuras regulações. É a partir dela que o novo direito do trabalho será construído, um direito democrático do trabalho.

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Colunista

Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Estratégica, atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor Convidado de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (FADI, ESA, IEPREV, Católica de SC, PUC/PR, PUC/RS, Ibmec/RJ, FDV e USP/RP). Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor indicado pela Câmara dos Deputados para presidir o grupo de estudos técnicos para a elaboração do PL 5.581/2020 acerca do Teletrabalho. Coordenador Acadêmico do projeto "Migalha Trabalhista" (Migalhas). Palestrante e Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Autor do livro "Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT's e TST". Coautor dos livros "Execução Trabalhista na Prática" (2ª Edição) e "Manual de Direito Processual Trabalhista". Organizador das obras coletivas "CLT Comentada: Artigo por Artigo" – Mizuno (2ª Edição), "Estratégias da Advocacia no TST", "ESG – A Referência da Responsabilidade Social Empresarial", "Prática de Processo de Trabalho: Técnica Visual Law", "Reflexões Jurídicas Contemporâneas: Estudos em homenagem ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues", "Relações Trabalhista e Sindicais – Teoria e Prática" (2ª Edição), "LGPD e Compliance Trabalhista" e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (2ª Edição). Coordenador do livro digital "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020). Coordenador dos livros "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr) e "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb). Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), do GEDTRAB-FDRP/USP e da CIELO LABORAL. Contatos: Instagram ricardo_calcini | Website www.ricardocalcini.com.br