Migalhas Consensuais

Mediação: Quando o melhor processo é aquele que nunca existiu

Paola Ladeira Bernardes revela que, após quase 20 anos na advocacia, o processo mais marcante foi o que não teve sentença e reflete que o melhor resultado é evitar a guerra antes mesmo que ela comece.

11/9/2025

Em quase 20 anos de advocacia, já atuei em inúmeros processos. Alguns fizeram história nos Tribunais, outros mudaram rumos jurisprudenciais importantes, e alguns tiveram reviravoltas que só quem vive o dia a dia forense sabe o impacto emocional e estratégico que trazem.

Mas um dia um estagiário curioso me perguntou: “Qual foi o melhor processo da sua carreira?”

Vieram à mente casos memoráveis: sentenças revertidas no STJ após sucessivas decisões desfavoráveis, sustentações orais marcantes - até com música para ilustrar argumentos - e até mesmo percalços inesperados, como um assalto que quase comprometeu um trabalho de mais de mil páginas.

Ainda assim, ao refletir com calma, percebi que o caso mais marcante foi aquele em que, ao final, não houve sentença.


A vitória construída pela mediação

Era um processo milionário, complexo, identificado ainda antes da citação. Horas e horas foram dedicadas ao estudo do contrato, à análise minuciosa do direito material, à pesquisa de jurisprudência e à redação de uma defesa que, sem falsa modéstia, foi uma das melhores peças que já escrevi.

Mas ela nunca chegou a ser apreciada.

Enquanto trabalhávamos a estratégia processual, optamos também por uma estratégia paralela: a mediação. Decidimos conversar diretamente com a parte contrária, abrir espaço para diálogo e entender se existia um caminho de convergência antes que a disputa fosse encerrada no Judiciário com um desfecho que talvez não fosse bom para ninguém porque certamente a relação comercial morreria ou, ao menos, seria bastante abalada.

Foram horas de reuniões, idas e vindas, concessões de ambos os lados - e, ao final, construímos um acordo sólido, tecnicamente robusto e comercialmente inteligente.

O litígio se encerrou antes de começar. E, melhor do que isso, as empresas mantiveram uma relação comercial de mais de 20 anos, agora sem a sombra de uma disputa judicial.


A mediação como ferramenta estratégica

Essa experiência me ensinou algo fundamental: a mediação não é sinal de fraqueza, mas de inteligência estratégica.

Mais do que defender o cliente no processo, o advogado moderno deve avaliar qual solução atende melhor aos interesses do negócio. Muitas vezes, o acordo é mais valioso do que uma sentença - e traz benefícios que o Judiciário, por sua natureza, dificilmente entregaria: preservação de relações, redução de custos, previsibilidade e celeridade.

Foi por isso que elegi esse caso como “o melhor processo” da minha carreira: justamente porque ele por pouco tempo existiu e o desfecho foi um “ganha-ganha”.


Um convite à advocacia contemporânea

Em um país com mais de 80 milhões de processos em tramitação, precisamos, como advogados, ampliar nossa atuação para além do litígio tradicional. A mediação e outros métodos extrajudiciais não apenas desafogam o Judiciário, mas colocam o cliente e seus objetivos no centro da estratégia jurídica.

Ganham todos:

E você, já pensou se o seu “melhor processo” também pode ser aquele que nunca chegou a existir?

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Colunistas

Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Presidente do ICFML Brasil. Diretora do CBMA. Membro da Comissão de Mediação do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ. Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do IAB. Membro do Global Mediation Panel da ONU. JAMS Weinstein International Fellow. Sócia do PVS Advogados.

Samantha Longo é advogada, mediadora e professora. Membro do FONAREF - Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências e membro do Comitê Gestor de Conciliação, ambos do CNJ. Presidente da Comissão de Mediação da OAB/RJ. Diretora de Mediação do CBMA. Doutoranda e Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pela UniCuritiba. Capacitada em Negociação e Liderança pela Universidade de Harvard. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Autora de diversos artigos, coordenadora de obras coletivas, coautora da obra "A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos" e autora do livro "Direito Empresarial e Cidadania: a responsabilidade da empresa na pacificação dos conflitos". Sócia do Longo Abelha Advogados.