Migalhas Consensuais

O consensualismo na recuperação judicial: O caso Ecovix e a atuação conjunta da advocacia pública e privada

O caso Ecovix mostra como o consensualismo na recuperação judicial pode unir a PGFN e a advocacia privada para salvar empresas, gerar empregos e impulsionar o desenvolvimento econômico.

25/9/2025

1. Introdução

O Direito Empresarial contemporâneo tem sido marcado por uma crescente valorização dos mecanismos consensuais de solução de controvérsias. O advento da lei 13.988/20 - a chamada lei do contribuinte legal - e a consolidação da transação tributária no ordenamento jurídico brasileiro abriram caminho para que empresas em crise financeira possam negociar diretamente com a Fazenda Nacional, promovendo soluções equilibradas que atendam ao interesse público e viabilizem a preservação da atividade econômica.

Nesse cenário, o caso Ecovix, grupo empresarial do setor naval em recuperação judicial desde 2016, se destaca como um dos mais relevantes exemplos de como a interação entre advocacia privada e a PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional pode gerar resultados concretos não apenas para a empresa devedora, mas também para a sociedade em seu conjunto. O acordo bilionário celebrado em 2025 permitiu a retomada de atividades produtivas, o reaquecimento da economia local em Rio Grande/RS e a manutenção de milhares de empregos diretos e indiretos.

2. O consensualismo como paradigma

Tradicionalmente, a relação entre Fisco e contribuinte foi marcada por litígios, execuções fiscais e disputas prolongadas nos tribunais. Esse modelo, além de ineficiente, produzia elevados custos de transação, insegurança jurídica e resultados socialmente pouco vantajosos.

A transação tributária rompe com essa lógica ao introduzir o consensualismo como método legítimo de composição de interesses. A PGFN, ao negociar com empresas em recuperação judicial, atua não como um ente meramente arrecadador, mas como agente de políticas públicas capaz de calibrar o interesse fiscal com a preservação da atividade produtiva, em sintonia com o art. 47 da lei 11.101/2005 (LREF).

No caso Ecovix, o papel da advocacia privada foi igualmente essencial: a condução técnica das negociações exigiu estruturação jurídica e financeira sofisticada, capaz de compatibilizar fluxo de caixa, garantias oferecidas e projeções de faturamento futuro. Esse diálogo constante entre setores público e privado materializa, na prática, a função social da empresa e do crédito tributário

3. O caso Ecovix: Cooperação institucional

A Ecovix acumulava passivo tributário e de FGTS na ordem de R$ 1 bilhão, inviabilizando sua regularidade fiscal e a participação em novas licitações. A solução foi alcançada por meio de uma transação tributária individual, que readequou a dívida para R$ 214 milhões, valor compatível com a capacidade financeira da empresa.

Esse resultado foi fruto de quase três anos de diálogo técnico entre a equipe da PGFN e os representantes da empresa. O processo exigiu criatividade jurídica, flexibilidade institucional e confiança recíproca, atributos que não se constroem em litígios, mas em mesas de negociação.

Com a homologação do acordo, a Ecovix obteve a CND - Certidão Negativa de Débitos, requisito essencial para firmar contratos estratégicos, como a construção de navios para a Transpetro. Assim, a transação transcendeu a esfera da empresa, tornando-se vetor de desenvolvimento regional, com impacto direto na cadeia produtiva do polo naval de Rio Grande/RS.

4. Impactos econômicos e sociais

O sucesso da operação deve ser lido sob a ótica do interesse público primário. Embora a Fazenda Nacional tenha aberto mão de parte do crédito nominal, o acordo garantiu a recuperação de valores expressivos, antes de difícil exequibilidade, ao mesmo tempo em que viabilizou a manutenção de uma indústria estratégica para o Brasil.

Do ponto de vista social, a retomada das atividades do estaleiro representa empregos preservados, arrecadação futura ampliada e desenvolvimento econômico local. A cidade de Rio Grande, marcada pela crise naval que se arrastava desde 2016, vê na transação um instrumento de esperança e revitalização.

Esse resultado revela que a dicotomia entre arrecadação fiscal e preservação empresarial é falsa: quando há cooperação institucional, é possível construir soluções que conciliam ambos os interesses.

5. Considerações finais

O caso Ecovix simboliza a maturidade de um novo paradigma no Direito Tributário e Empresarial brasileiro: a cooperação entre advocacia pública e privada na busca de soluções sustentáveis para empresas em crise.

Mais do que um acordo isolado, trata-se de um precedente paradigmático que reforça a legitimidade da transação tributária e o papel estratégico da PGFN como instituição promotora de consensualismo. Ao mesmo tempo, destaca o protagonismo da advocacia privada, capaz de articular soluções técnicas compatíveis com os interesses públicos.

O resultado positivo transcende os muros da empresa, irradiando benefícios para a sociedade, a economia e a própria cultura jurídica nacional. Em tempos de desafios fiscais e empresariais, o caso Ecovix mostra que a via do consenso não apenas é possível, como é desejável e necessária.

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BRASIL. Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Legislação Federal.

BRASIL.Lei no 13.988, de 14 de abril de 2020   Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica; e altera as Leis nos 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522, de 19 de julho de 2002.

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Colunistas

Mariana Freitas de Souza é advogada e mediadora. Presidente do ICFML Brasil. Diretora do CBMA. Membro da Comissão de Mediação do Conselho Federal da OAB. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ. Membro da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem do IAB. Membro do Global Mediation Panel da ONU. JAMS Weinstein International Fellow. Sócia do PVS Advogados.

Samantha Longo é advogada, mediadora e professora. Membro do FONAREF - Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências e membro do Comitê Gestor de Conciliação, ambos do CNJ. Presidente da Comissão de Mediação da OAB/RJ. Diretora de Mediação do CBMA. Doutoranda e Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pela UniCuritiba. Capacitada em Negociação e Liderança pela Universidade de Harvard. LLM. em Direito Empresarial pelo IBMEC/RJ. Autora de diversos artigos, coordenadora de obras coletivas, coautora da obra "A Recuperação Empresarial e os Métodos Adequados de Solução de Conflitos" e autora do livro "Direito Empresarial e Cidadania: a responsabilidade da empresa na pacificação dos conflitos". Sócia do Longo Abelha Advogados.