Migalhas Infância e Juventude

Adoção "administrativa": o que é, onde vive e do que se alimenta?

Adoção "administrativa": o que é, onde vive e do que se alimenta?

2/2/2021

A adoção de crianças e adolescentes no Brasil é regida essencialmente pelo ECA e é um processo que, em um primeiro momento1, não exige a participação de advogados, em que pese seja um processo judicial frente à Vara da Infância e Juventude.

Tendo a certeza da adoção e querendo dar entrada no processo, basta que a pessoa ou o casal – tratados, aqui, unicamente como "família" – vá até o Fórum mais próximo de sua residência e inicie o processo de habilitação. Este é o primeiro passo para a inscrição da família no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), que foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2019 com a intenção de unificar os números dos cadastros de adoção e acolhimento no Brasil (Resolução n. 289/19 CNJ).

De um lado, pensando pela ótica do acesso à justiça, a inexigibilidade de advogado constituído pode até ser positiva, principalmente aliada à justiça gratuita nestes casos e considerando que há certa facilidade na tramitação do pedido. Todavia, de outro, a participação de advogados nos processos de habilitação e, posteriormente, de adoção, garante à família a observância das normas processuais. É justamente sobre isso que falaremos nesta semana na coluna "Migalhas Infância e Juventude".

Fazendo aqui uma brincadeira com o famoso meme, traçamos as perguntas "o que é, onde vive e do que se alimenta?" justamente para explicar, de forma objetiva e acessível, o fenômeno da adoção "administrativa", com a finalidade de ajudar famílias que estejam pensando em iniciar a adoção para formação de sua família ou que já estejam com processos iniciados.

Na prática, chamamos de adoção administrativa aquela na qual não há a participação de advogados. Ou seja, processos que são iniciados diretamente pela família na Vara da Infância e Juventude mais próxima de sua residência, como explicamos acima. Nesses casos, a família se manifesta diretamente no processo, principalmente através das entrevistas com o setor técnico, que abrange as áreas de assistência social e psicologia, as quais são fundamentais em processos desta natureza, inclusive.

Assim, durante o processo, todas as vezes que a família precisa se manifestar, a intimação parte do Fórum e pode ocorrer por telefone ou e-mail, aí residindo a importância de os cadastros serem mantidos atualizados. Nesta etapa, será também necessária a presença física ou virtual dos postulantes no Fórum durante a elaboração dos laudos técnicos, audiências etc. Isso é, em síntese, a adoção administrativa.

Por sua vez, a presença de advogados facilita, como falamos, a observância das normas vigentes no ECA e, portanto, garante direitos da família e também da criança, em observância ao seu melhor interesse, assim como a regularidade dos atos ocorridos durante a tramitação no processo. Inclusive, é importante destacar que é direito das partes serem assistidas por advogados em todas as fases do processo, caso assim desejarem.

A título exemplificativo, podemos citar algumas vantagens da participação técnica jurídica no processo de adoção: o advogado auxilia com a elaboração das peças processuais, faz o controle dos prazos processuais2, consegue dar andamento ao feito com maior facilidade – o qual, hoje, ao menos no Estado de São Paulo, é integralmente eletrônico –, assim como estar atento a outros direitos que podem ser garantidos à família, como orientações sobre licença maternidade e paternidade, uso de nome afetivo da criança ou adolescente adotado, entre outros.

Além disso, o advogado consegue ajudar e posicionar a família sobre o estágio do processo em si, uma vez que sabemos que o processo de adoção gera, por si só, muita expectativa e ansiedade. Assim, entendemos que o advogado é peça chave nos processos de adoção, fazendo parte também da equipe multidisciplinar que atua junto à família e à criança ou adolescente durante o trâmite da ação judicial.

Finalizando com a sequência das perguntas que propusemos inicialmente, nos é claro que a adoção "administrativa" se alimenta da falta de informação de que as famílias podem ser assistidas por advogado durante o processo de adoção, desde a habilitação até a decisão definitiva, servindo o texto da nossa coluna essa semana para informar as famílias sobre este direito que, certas vezes, lhes é tolhido ou ocultado. É importante ressaltar que a ação de adoção de crianças e adolescentes é sempre judicial, somente diferenciando-se os processos em que há participação de um advogado ou não, como explicado acima.

#FICAVIVI3

Nota final: para maiores informações sobre processos de habilitação e adoção, procure a ajuda de um advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB ou da Vara da Infância e Juventude mais próxima da sua residência.

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1 Diz-se em um primeiro momento, pois, em casos que há destituição do Poder Familiar e/ou seja necessário apresentar algum recurso, a participação de advogado ou defensor público é obrigatória.

2 O processo de adoção, por exemplo, tem prazo máximo de duração de 120 dias, prorrogável uma única vez por igual período, somente mediante decisão fundamentada do Juiz do caso, nos termos do Art. 47 do ECA.

3 "Justiça determina que criança de 8 anos, adotada há seis, seja devolvida à avó em Minas". Disponível aqui.

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Colunistas

Angélica Ramos de Frias Sigollo é promotora de Justiça em São Paulo. Mestre em Direito pela USP. Pós-graduada pela FGV Direito SP. Integrante do Proinfancia - Fórum Nacional dos membros do Ministério Público da Infância e Adolescência. Professora de Infância e Juventude no CERS - Centro Educacional Renato Saraiva. Professora colaboradora no Law in Action.

Elisa Cruz defensora pública no Rio de Janeiro. Doutora em Direito Civil pela UERJ. Professora na FGV Direito Rio.

Hugo Gomes Zaher é juiz de Direito na Paraíba. Mestre em Direito. 1° vice-presidente da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude (ABRAMINJ).

Marília Golfieri Angella é advogada atuante em Direito de Família e Social, com ênfase em Infância e Juventude. Professora Colaboradora do FGV Law. Mestranda em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduada em Direito das Famílias e Sucessões na Universidade Cândido Mendes/IBDFAM. Membro da Comissão de Infância e Juventude no IBDFAM e na OAB/SP.