Migalhas Notariais e Registrais

Aspectos legais da computação em nuvem (cloud computing) nas serventias extrajudiciais

A coluna aborda como serviços extrajudiciais avançam digitalmente, mas uso da nuvem demanda cuidado legal e proteção de informações pessoais.

24/11/2025

Introdução

Os serviços notariais e de registro vivenciam uma revolução tecnológica silenciosa, mas capaz de impactar a vida de milhões de brasileiros que precisam acessar as serventias extrajudiciais para registro de direitos reais relativos a imóveis, emissão de escrituras públicas de testamentos, casamentos, divórcios, bem como reconhecimentos de firma e autorizações eletrônicas para doação de órgãos. A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) catalisou a transformação digital em curso, fomentando a plena digitalização dos serviços e a desmaterialização dos atos notariais, que passam a ser armazenados na sua integralidade em servidores físicos ou nas nuvens.

No plano constitucional, os tabeliães e registradores são particulares em colaboração com o Estado que exercem função munida de fé pública, destinada a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade. Por exercerem, em caráter privado, um feixe de competências estatais, são enquadrados como agentes públicos e devem observar os princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que regem o agir administrativo, além dos direitos fundamentais, como a proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

Nesse cenário, importa discutir, na perspectiva jurídica, como o armazenamento dos dados em nuvem deve ser implantado nas serventias extrajudiciais, compatibilizando o aumento da eficiência e a modernização dos serviços, de um lado, com a proteção aos dados pessoais, por outro. Para tanto, o presente artigo terá o seguinte problema de pesquisa: quais são os deveres legais a serem observados pelos tabeliães e registradores quando armazenam em nuvem os documentos digitais ou digitalizados, bem como os dados pessoais dos seus usuários ou de terceiros mencionados no acervo documental recebido ou produzido nas serventias extrajudiciais?

No primeiro capítulo, será debatida a transformação digital nos serviços notariais e de registros mediante uma abordagem dividida em duas subpartes: uma sobre o SERP - Sistema Eletrônico dos Registros Públicos e o e-Notariado; outra acerca dos atos normativos para incorporação da computação em nuvem (cloud computing) nas serventias extrajudiciais.

No segundo capítulo, serão apresentados os desafios jurídicos da computação em nuvem (cloud computing) nas serventias extrajudiciais, de modo que a estruturação da abordagem também foi realizada em duas subpartes: uma mais genérica sobre a computação em nuvem (cloud computing) nas funções estatais; e outra específica focada nos deveres legais para sua implantação nas serventias extrajudiciais.

A pesquisa empregará o método dedutivo de análise e uma abordagem exploratória. Esse arranjo permitirá uma compreensão mais profunda do tema, utilizando a lógica dedutiva, partindo do geral para o específico de modo a chegar a conclusões a partir de premissas estabelecidas, junto com a exploração de diversas fontes bibliográficas para contextualizar e respaldar as análises realizadas na legislação nacional e doutrina relevantes, garantindo assim a robustez e a credibilidade do estudo.

A temática se reveste de elevada relevância, porquanto os serviços prestados pelos tabeliães1 e registradores2 ocupam um crescente protagonismo na vida dos brasileiros e das suas instituições, especialmente no decorrer das ondas de desjudicialização, na qual se transferem matérias antes restritas à seara judicial para o ecossistema extrajudicial, como ocorreu com o testamento, o divórcio, a alienação fiduciária e a adjudicação compulsória.

Por fim, objetiva-se demonstrar que a transformação digital nas serventias extrajudiciais, no que se refere ao uso da computação em nuvem (cloud computing), tornado compulsório pelo provimento 74/18-CN-CNJ3, ainda não foi objeto de adequada regulamentação, o que gera insegurança jurídica e riscos à segurança dos dados e à continuidade de serviços essenciais.

Leia a coluna na íntegra.

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1 Historicamente, os ofícios notariais constituem “órgãos da fé pública” (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p.2) e recorrem ao ritual e à liturgia para conferir maior certeza aos atos que se realizam na esfera das relações de direito privado. “O ato notarial envolve e ampara a necessidade ritualística da sociedade. Ele é dramático, é litúrgico, ele existe para legalizar um ato ou um fato no mundo jurídico, como exige o Estado” (RODRIGUES, 2023, p. 12). Sobre a função notarial, leciona-se que “o tabelião autentica, apondo sua fé pública a fatos de interesse das partes, mas o foco da atividade notarial é mais amplo: busca legitimar um negócio privado em face não somente destes interesses, mas também para certeza do Estado e da sociedade” (RODRIGUES, 2023, p. 11).

2 Segundo Eduardo Sócrates Castanheiro Sarmento Filho, na sua obra Direito Registral Imobiliário, “o Registro Público é, pois, uma instituição técnico-jurídica que tem por finalidade dar publicidade e garantir a eficácia dos direitos nele inscritos, facilitando as relações sociais e trazendo ganho para todos os participantes dos negócios imobiliários” (2017, p. 34). Na economia de mercado cada vez mais complexa, a instituição organizada do registro imobiliário, enquanto “filtro depurador dos negócios”, é essencial para tornar mais confiável o tráfico imobiliário, reduzindo ou neutralizando a assimetria de informações na relação negocial (2017, p. 34).

3 O provimento 149, de 30 de agosto de 2023, da Corregedoria Nacional do CNJ, institui o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça -  Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra), que regulamenta os serviços notariais e de registro. Ele consolida inúmeros atos normativos sobre serviços notariais e registrais, que serão citados neste trabalho em sua numeração original para fins de sua melhor localização na escala cronológica por parte do leitor, tendo em vista que não houve inovação jurídica, e sim mera consolidação normativa.

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Coordenação

Carlos E. Elias de Oliveira é Membro da Comissão de Reforma do Código Civil (Senado Federal, 2023/2024). Pós-Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor, mestre e bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). 1º lugar em Direito no vestibular 1º/2002 da UnB. Advogado, parecerista e árbitro. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e Registral. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Ex-assessor de ministro STJ. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC). Fundador do IBDCont (Instituto Brasileiro de Direito Contratual). Membro da ABDC (Academia Brasileira de Direito Civil), IBDfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família),do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e do IBERC.

Flauzilino Araújo dos Santos, 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de SP e presidente do Operador do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR). Diretor de Tecnologia do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB. Licenciado em Estudos Sociais, bacharelado em Direito e em Teologia e mestrado em Direito Civil. Autor de livros e de artigos de Direito publicados em revistas especializadas. Integra, atualmente, a Comissão de Concurso Público para outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Alagoas, realizado pelo CNJ.

Hercules Alexandre da Costa Benício, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília. É tabelião titular do Cartório do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante/DF; presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção do Distrito Federal e acadêmico ocupante da Cadeira nº 12 da Academia Notarial Brasileira. Foi Procurador da Fazenda Nacional com atuação no Distrito Federal.

Ivan Jacopetti do Lago, diretor de Relações Internacionais e Coordenador Editorial do IRIB. Bacharel, mestre e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Pós-graduado pelo CeNOR - Centro de Estudos Notariais e Registrais da Universidade de Coimbra e pela Universidade Autónoma de Madri (Cadri 2015). 4º Oficial de Registro de Imóveis de SP.

Izaías G. Ferro Júnior é oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Mestre em Direito pela EPD - Escola Paulista de Direito. Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP. Professor de graduação e pós-graduação em Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios.

Sérgio Jacomino é presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020. Doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR - Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra e Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de SP.