Migalhas Securitárias

Prêmio, mora e inadimplemento na lei 15.040/24

A lei 15.040/24 endurece o regime do pagamento do prêmio no seguro, redefinindo mora, suspensão e resolução do contrato e exigindo maior atenção do segurado diante de consequências mais severas.

30/12/2025

A lei 15.040/24 cuida do pagamento do prêmio e das consequências decorrentes de sua falta nos arts. 19, 20, 21 e 22, propondo um regime mais severo comparativamente àquele estabelecido pelo CC de 2002 para os segurados impontuais.

Observando a disciplina posta pelo CC de 2002, o art. 763 determina que “não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.” Numa interpretação literal da norma, nota-se que a falta de pagamento do prêmio implica na inexistência de cobertura, independentemente de notificação a respeito da mora.

A norma em questão teve inspiração no art. 12 do decreto-lei 73/1966, que, da mesma maneira, não exigia a notificação prévia do segurado em mora como um requisito para que a cobertura securitária fosse afetada:

“Dec. lei 73/1966.

Art. 12. A obrigação do pagamento do prêmio pelo segurado vigerá a partir do dia previsto na apólice ou bilhete de seguro, ficando suspensa a cobertura do seguro até o pagamento do prêmio e demais encargos. Parágrafo único. Qualquer indenização decorrente do contrato de seguros dependerá de prova de pagamento do prêmio devido, antes da ocorrência do sinistro.”

Ocorre que, por influência da legislação consumerista, a jurisprudência de nosso país construiu entendimento segundo o qual a notificação para que o segurado em mora pudesse purgá-la passou a ser obrigatória, principalmente porque a maioria absoluta dos seguros não era comercializada por intermédio de prêmios em prestação única, além do fato de que se identificavam atrasos muitas vezes insignificantes face ao volume total de parcelas de prêmio pagas pelos segurados, a qualificar o adimplemento substancial de sua obrigação. Daí nasceu a súmula 616 do STJ no ano de 2018.1

Nesses termos, o art. 51, inc. XVIII da lei 8.078/1990, estabelece a nulidade de cláusulas contratuais que inviabilizem a purga da mora pelos consumidores, nos seguintes termos:

“Art. 51. São nulas [...]

XVIII - estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores;”  

Com a promulgação da lei 15.040/24, a disciplina para o pagamento do prêmio, da mora e consequente suspensão da cobertura, além do inadimplemento e da resolução do contrato, foi alterada, o que requer a atenção redobrada especialmente dos segurados, considerando que as consequências decorrentes da mora/inadimplemento serão mais rígidas a partir de sua vigência (dez/2025).

O art. 19, em sua parte inicial, não apresenta novidades. Cuida de como a obrigação deverá ser cumprida e fixa o domicílio do devedor para fins de recebimento, além da forma à vista, salvo disposição em contrário:

“Art. 19. O prêmio deverá ser pago no tempo, no lugar e na forma convencionados. § 1º Salvo disposição em contrário, o prêmio deverá ser pago à vista e no domicílio do devedor.

§ 2º É vedado o recebimento do prêmio antes de formado o contrato, salvo o caso de cobertura provisória.” (Grifou-se)

A inovação legislativa, como se vê no § 2º, refere-se à vedação ao recebimento do prêmio antes de concluído o contrato, ressalvada a hipótese em que a seguradora ofereça cobertura provisória. Atenção, portanto, à práxis de mercado que, em não raras vezes, implica no pagamento antecipado pelo proponente, antes da conclusão do negócio. Com a nova regra em vigor, não poderá haver recebimento antecipado.

O art. 20 trata da hipótese de suspensão da cobertura securitária decorrente do não pagamento do prêmio, e estabelece regimes distintos atentando à parcela obrigacional em que se identifique a mora. Se o não pagamento for de prêmio convencionado em prestação única ou, o atraso ocorrer no pagamento da primeira parcela, o contrato estará resolvido de pleno direito:

“Art. 20. A mora relativa à prestação única ou à primeira parcela do prêmio resolve de pleno direito o contrato, salvo convenção, uso ou costume em contrário.”

Se a impontualidade ocorrer nas prestações seguintes – da 2ª parcela em diante – a norma de regência é aquela prevista no § 1º, que estabelece um prazo não inferior a 15 dias que a seguradora deverá oferecer ao segurado para que a mora seja purgada. Como se observou na sistemática do CC de 2002, estruturada pela construção jurisprudencial, a notificação prévia já era exigida; a inovação se vê no prazo não inferior a 15 dias, definido pelo legislador.

Se o segurado atrasar o pagamento da parcela de número 3 de 10, e.g., a suspensão da cobertura não será automática. Cabe à seguradora notificá-lo oferecendo o referido prazo para o cumprimento da obrigação que, se restar descumprido, determinará a suspensão da cobertura:

“§ 1º A mora relativa às demais parcelas suspenderá a garantia contratual, sem prejuízo do crédito da seguradora ao prêmio, após notificação do segurado concedendo-lhe prazo não inferior a 15 (quinze) dias, contado do recebimento, para a purgação da mora.” 

O § 2º, por sua vez, estabelece como a notificação deverá ser endereçada ao segurado impontual, reservando para a sua parte final uma sanção rigorosa, que implica na supressão do período de tolerância concedido pelo § 1º. É como se, com uma mão, o legislador outorgasse ao segurado uma benesse – a cobertura securitária sem restrições durante o prazo não inferior a 15 dias – e, logo a seguir, no § 2º, a retirasse com a outra mão:

“§ 2º A notificação deve ser feita por qualquer meio idôneo que comprove o seu recebimento pelo segurado e conter as advertências de que o não pagamento no novo prazo suspenderá a garantia e de que, não purgada a mora, a seguradora não efetuará pagamento algum relativo a sinistros ocorridos a partir do vencimento original da parcela não paga.” (Grifou-se).

Cabe ao segurado, portanto, observar com atenção a chegada do prazo concedido pela seguradora na notificação relativa à sua mora e, oportunamente, quitar a sua obrigação, a fim de evitar a suspensão da cobertura retroativa à data de vencimento original da parcela não paga.

A propósito do regime rigoroso para o não pagamento do prêmio convencionado em prestação única ou à primeira parcela, o legislador brasileiro observou o disposto no art. 61, n. 1, do decreto-lei 72/08 (a lei de seguros de Portugal), verbis:

Portugal. Decreto-lei 72/08.

“Art. 61. 1 – A falta de pagamento do prémio inicial, ou da primeira fracção deste, na data do vencimento, determina a resolução automática do contrato a partir da data da sua celebração.”

Vale a referência também ao art. 15 da lei de seguros da Espanha:

Ley 50/1980.

“Art. 15. Si por culpa del tomador la primera prima no ha sido pagada, o la prima única no lo ha sido a su vencimiento, el asegurador tiene derecho a resolver el contrato o a exigir el pago de la prima debida en vía ejecutiva con base en la póliza. Salvo pacto en contrario, si la prima no ha sido pagada antes de que se produzca el siniestro, el asegurador quedará liberado de su obligación.”

No tocante à suspensão da cobertura, o legislador brasileiro observou o disposto no art. 15, n. 2, da lei de seguros da Espanha, introduzindo a notificação prévia como um requisito. Veja-se que o artigo da lei espanhola determina a suspensão automaticamente, um mês depois de vencida a obrigação:

Ley 50/1980.

Art. 15, n. 2: “En caso de falta de pago de una de las primas siguientes, la cobertura del asegurador queda suspendida un mes después del día de su vencimiento. Si el asegurador no reclama el pago dentro de los seis meses siguientes al vencimiento de la prima se entenderá que el contrato queda extinguido. En cualquier caso, el asegurador, cuando el contrato esté en suspenso, sólo podrá exigir el pago de la prima del período en curso”.

Concluído o exame da suspensão da cobertura securitária, chega-se à fase seguinte, qual seja, a do inadimplemento absoluto da obrigação do segurado e, consequentemente, da resolução de pleno direito do contrato. O art. 21 da lei 15.040 reitera aquele tratamento severo para o não pagamento de prêmio convencionado em parcela única/primeira parcela e, a seguir, define que a resolução do contrato não poderá concretizar-se sem que, antes, ocorra a suspensão da cobertura.

Em termos cronológicos, caberá à seguradora conceder o prazo não inferior a 15 dias para fins de suspensão (art. 20) e, adicionalmente, o prazo de 30 dias que, se esgotado, culminará com a resolução do contrato (art.21).

Também no art. 21 a lei traz um regime específico para os seguros coletivos sobre a vida e integridade física dos segurados, objeto do Tema 1.112 do STJ, estabelecendo o prazo de 90 dias para fins de se operar a resolução, mediante comunicação a ser endereçada ao estipulante:

“§ 2º Nos seguros coletivos sobre a vida e a integridade física, a resolução somente ocorrerá 90 dias após a última notificação feita ao estipulante.”

E para os seguros estruturados com reserva matemática, a lei traz um regime diferenciado, outorgando ao segurado o exercício de uma escolha entre a redução proporcional da garantia ou a devolução da reserva:

“§ 3º Nos seguros sobre a vida e a integridade física estruturados com reserva matemática, o não pagamento de parcela do prêmio que não a primeira implicará a redução proporcional da garantia ou a devolução da reserva, conforme a escolha do segurado ou de seus beneficiários, a ser feita dentro de 30 dias contados da notificação do inadimplemento, da qual deve constar a advertência de que, se houver abstenção nessa escolha, a decisão caberá à seguradora.”

Por último, vale esclarecer que, para fins de envio das notificações referidas, a seguradora poderá reunir as informações pertinentes à suspensão e à resolução do contrato num mesmo comunicado, desde que defina prazos distintos e aderentes àqueles fixados pelos arts. 20 e 21:

“§ 5º Dispensa-se a notificação a que se refere o caput deste artigo quando a notificação de suspensão da garantia, de que tratam os §§ 1º, 2º e 3º do art. 20 desta lei, advertir para a resolução do contrato caso não purgada a mora.”

O exame da lei 15.040/24 em sua inteireza revela um tratamento mais favorável ao consumidor de seguros, o que atende à principiologia constitucional que assegura tratamento dessa natureza à parte hipossuficiente. Nada obstante, quanto ao pagamento do prêmio vê-se que o legislador seguiu um caminho diferente, ao propor um regime mais severo do que o previsto no CC de 2002.

_________

1 Súmula 616: “A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro.”

Colunistas

Gustavo de Medeiros Melo é mestre e doutor em Direito Processual Civil (PUC/SP), membro do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO), autor de livros e trabalhos publicados em periódicos e coletâneas de direito processual civil e securitário, sócio do Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados (São Paulo).

Ilan Goldberg cursa estágio pós-doutoral em Direito Comercial na USP. Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor da FGV Direito Rio. Sócio fundador de Chalfin, goldberg & vainboim Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais