Observatório da Arbitragem

A publicidade nas arbitragens público-privadas*: Precisamos avançar

A Administração Pública no processo arbitral exige transparência, conciliando eficiência e publicidade para garantir legitimidade e controle social.

25/2/2025

A presença da Administração Pública no território arbitral como meio de solução de controvérsias é não apenas aceitável, mas desejável em muitos dos contratos envolvendo entes públicos, e exige um rearranjo por parte dos gestores públicos bem como por parte do próprio instituto. A imperatividade, inerente à forma de atuação do Poder Público, passa a ser substituída pela participação e pela consensualidade, objetivando aprimorar a governabilidade e gerar mais eficiência, legitimidade e responsabilidade para a Administração Pública, abrindo espaço para o uso da arbitragem para solução de determinados litígios.

A Administração Pública como player no processo arbitral demanda a adequação do instituto de Direito Privado às regras e aos princípios de Direito Público. Sendo uma das partes o Poder Público, a própria lei 9.307/96 afasta a liberdade das partes de convencionarem a confidencialidade do processo arbitral. Nos termos do § 3º do art. 2º da lei de arbitragem, a liberdade de negociar a reserva de informações processuais não é dada à Administração Pública.

Isso porque a publicidade processual nas arbitragens público-privadas tem por objetivo a proteção dos interesses públicos. A divulgação das informações processuais é baseada na noção de que o público em geral é parte significativamente interessada na discussão travada na jurisdição privada, na medida em que os interesses concebivelmente em jogo tratam, normalmente, de preocupações com a alocação de recursos públicos.

No contexto atual, verifica-se que, diante da imprecisão da regra do § 3º do art. 2º da lei de arbitragem, a concretização do princípio da publicidade nas arbitragens público-privadas tem se dado de forma difusa e limitada. É inadequada, posto que incompleta, a tendência existente de limitar a sua publicização a determinados atos processuais e em determinada fase do processo arbitral.

Com efeito, o regramento da publicidade processual deve prever um desenho processual mínimo no conteúdo da convenção de arbitragem (seja na cláusula, seja no compromisso arbitral), bem como no termo de arbitragem, incluindo: (i) a lista de informações e atos processuais a serem publicados na rede mundial de computadores, de forma ativa; (ii) o prazo para a referida divulgação, contado da juntada do documento ao processo arbitral; (iii) a definição do responsável pela publicização; (iv) indicação quanto à possibilidade de obtenção dos demais atos e documentos de forma passiva, por meio de requerimento.

Ademais, diante das questões de interesse público relevantes, como proteção do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável, do patrimônio público, do combate à corrupção e implementação de políticas governamentais, inspirando-se nas UNCITRAL Transparency Rules1, é imprescindível que sejam ainda divulgadas informações relativas à instauração da arbitragem, incluindo as partes e custos envolvidos no processo, de forma ativa, na rede mundial de computadores, em um prazo razoável.

Isso porque o conhecimento por terceiro da arbitragem, logo nos seus primeiros atos processuais, propicia a participação de terceiros (não partes), como nos casos de amicu curiae e intervenção da anômala. Esta primeira fase do processo arbitral (antes mesmo da constituição do tribunal arbitral) revela-se, no âmbito das arbitragens público-privadas, momento relevante para a participação de terceiros que pretendam integrar ou contribuir para o deslinde da demanda. O conhecimento da pretensão que desaguará numa arbitragem, de plano, atrai o olhar curioso da sociedade.

Assim, entende-se que, para o efetivo cumprimento do princípio da publicidade processual inscrita no § 3º do art. 2º da Lei n. 9.307/1996, devem ser igualmente divulgadas as informações relativas à instauração da arbitragem, bem como o pedido de instauração do processo e a resposta ao pedido apresentada pela contraparte, sob pena de prejudicar eventual a participação dos terceiros em fases anteriores à instituição da arbitragem.

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*Adota-se esta nomenclatura “arbitragem público-privada” aos processos arbitrais no qual figuram como parte as pessoas jurídicas de direto público (Administração Pública direta e outras entidades da Administração Pública indireta, como por ex. as agências reguladoras) e as pessoas jurídicas de Direito Privado (por ex. sociedades comerciais: sociedade simples, sociedade limitada, sociedade em nome coletivo, dentre outras; bem como as empresas públicas e sociedade de economia mista).

UNCITRAL. UNCITRAL Rules on Transparency in Treaty-based Investor-State Arbitration. Nova Iorque: UNCITRAL, 2014. Disponível aqui. Acesso em: 14 jul. 2024.

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Colunistas

Marcelo Bonizzi é professor doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP/Largo São Francisco. Autor de livros e artigos. Pós-doutor pela Faculdade de Direito de Lisboa. Procurador do Estado de São Paulo. Atua como árbitro (FIESP/CAMES E CAMESC).

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira é procurador do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor do Programa de doutorado e mestrado em Direito da UNAERP. Professor convidado de cursos de pós-graduação. Membro de listas de árbitros de diversas Instituições Arbitrais. Foi membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB. Autor de livros jurídicos. Coordenador Acadêmico do site Canal Arbitragem.