Observatório da Arbitragem

O que não vira manchete

A coluna aborda como a tendência humana de focar no negativo distorce a percepção sobre a arbitragem, destacando a importância de reconhecer também o que funciona.

24/6/2025

Na última semana, me deparei com um artigo no Estadão, de Katherine Kam para o Washington Post, que falava sobre a nossa tendência a fixar nas experiências negativas. Segundo a reportagem, inspirada em estudos de psicologia comportamental, o cérebro humano responde com mais intensidade aos eventos que nos prejudicam do que àqueles que nos beneficiam. Somos condicionados a prestar atenção no que deu errado - como mecanismo de sobrevivência. E por isso, mesmo quando tudo corre bem, é o tropeço que vai parar na manchete.

Foi inevitável fazer um paralelo com a arbitragem.

A maioria das arbitragens no Brasil funciona bem, e até mesmo por isso seguem em sigilo. Procedimentos que seguem o devido processo legal, com árbitros qualificados, câmaras organizadas, sentenças respeitadas e executadas. Mas essa maioria silenciosa raramente vira notícia. O que circula são os poucos e ruidosos casos anulados, as sentenças inexequíveis, as decisões polêmicas, os incidentes com árbitros ou pareceristas. E, como diria o artigo, é aí que o nosso cérebro se agarra.

Essa lógica cria um ruído perigoso: passamos a acreditar que o sistema arbitral brasileiro está em crise, quando na verdade ele está em pleno funcionamento, é o que comprova ano a ano a pesquisa coordenada pela professora Selma Lemes em conjunto com o Canal Arbitragem. O efeito das exceções começa a contaminar a percepção sobre a regra.

O problema não é novo. A imprensa (e também os bastidores jurídicos) funciona como os grupos de WhatsApp do condomínio - como escrevi em outro artigo. Se um morador deixa lixo no hall, todos comentam. Mas ninguém posta no grupo um “parabéns” ao zelador porque o elevador está funcionando.

Claro que a crítica é legítima - e necessária. A arbitragem, como qualquer sistema humano, está sujeita a erros, desvios e falhas de conduta. E quando eles ocorrem, precisam ser discutidos e corrigidos. Mas há uma diferença entre fazer autocrítica e alimentar um viés negativo coletivo, que reforça a ideia de que “nada funciona” ou que “esta tudo errado”.

É curioso: na tentativa de proteger o instituto, acabamos por fragilizá-lo. Replicamos as histórias ruins, expomos os problemas, desconfiamos dos profissionais e exigimos reformas que, muitas vezes, nascem mais do medo do que da análise racional.

O estudo citado no Estadão nos dá um alerta: esse tipo de comportamento é previsível. Mas não é imutável. Existem formas de treinar o olhar, reconhecer os bons exemplos e equilibrar o peso das narrativas. A arbitragem não precisa ser blindada - ela precisa ser entendida com maturidadepor todos os seus atores.

Portanto, fica aqui o convite: antes de replicarmos a próxima crítica - seja à arbitragem, à política, a uma instituição ou mesmo a alguém próximo - vale o exercício de pensar em quantas experiências bem-sucedidas deixamos de registrar. Por que elas não ocupam o mesmo espaço na nossa memória? Talvez, como comunidade jurídica - e como sociedade - precisemos praticar mais a arte de reconhecer o que funciona. Não para esconder o que está errado. Mas para não esquecer o que está certo.

Assim como no cérebro humano, na arbitragem e na vida, é preciso equilíbrio. E algum esforço consciente para que a exceção não contamine a regra.

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Colunistas

Marcelo Bonizzi é professor doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP/Largo São Francisco. Autor de livros e artigos. Pós-doutor pela Faculdade de Direito de Lisboa. Procurador do Estado de São Paulo. Atua como árbitro (FIESP/CAMES E CAMESC).

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira é procurador do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor do Programa de doutorado e mestrado em Direito da UNAERP. Professor convidado de cursos de pós-graduação. Membro de listas de árbitros de diversas Instituições Arbitrais. Foi membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB. Autor de livros jurídicos. Coordenador Acadêmico do site Canal Arbitragem.