Ordem na Banca

Modo Whiplash: Abandone a exaustão e torne-se mais eficiente

A coluna aborda os paralelos entre o filme Whiplash e a rotina nos escritórios de advocacia, defendendo que excelência sustentável exige cadência, não exaustão.

30/7/2025

Em Whiplash - Em Busca da Perfeição1, Andrew Neiman sonha em ser o melhor baterista de sua geração. Ele chama a atenção do impiedoso mestre do jazz Terence Fletcher, que ultrapassa todos os limites e transforma seu sonho em uma obsessão, colocando em risco a saúde física e mental do jovem músico. A trilha sonora é intensa. O ritmo, sufocante. O talento, inegável. Mas, ao final, a pergunta que fica não é sobre música. É sobre sanidade.

Será que vale a pena viver sob pressão constante, confundindo exaustão com excelência?

A analogia não é distante da advocacia. Muitos escritórios vivem em modo Whiplash: urgências constantes, agendas abarrotadas, decisões tomadas sob pressão, sócios sobrecarregados e equipes que operam no limite, como se o caos fosse uma virtude.

Não é.

Rotina não é o inimigo da liberdade. Rotina é o que liberta. E um escritório desorganizado não alcança performance: apenas sobrevive à custa de seus talentos.

A ilusão do “bom trabalho”

No filme, o mestre nunca elogia. Ele diz que não existem duas palavras na língua inglesa mais prejudiciais do que ‘bom trabalho’2. Ele acredita que essa é a frase mais destrutiva que alguém pode ouvir. Segundo ele, esse tipo de reconhecimento prematuro gera acomodação, impede o aprimoramento e cria uma falsa sensação de excelência.

Na advocacia, curiosamente, o elogio também é raro, mas por uma razão diferente. Não se trata de evitar a estagnação. É que, nos escritórios, há pouco espaço para pausa, escuta e reconhecimento verdadeiro. O dia a dia é tão tomado por urgências que celebrar conquistas parece perda de tempo. Resultado: prevalece uma cultura silenciosa de auto sacrifício.

E o que substitui o elogio? A exaustão como medalha.

Frases como:

“Estamos trabalhando muito.”

“Esse mês foi puxado.”

“Trabalhamos sempre no limite.”

são repetidas com orgulho. Como se o simples fato de estar sobrecarregado fosse prova de competência. Mas será que é mesmo?

Esse discurso, na verdade, revela um ambiente onde a intensidade virou sinônimo de excelência, mesmo que os resultados reais não acompanhem. E é aí que mora a armadilha: o “bom trabalho” não é dito, mas é assumido. Vive-se no modo automático do esforço contínuo, sem reflexão sobre a efetividade desse esforço.

Trabalhar 12-14 horas por dia, sem controle de prioridades, sem pausas para análise e sem tempo para alinhar o time, não é alta performance, é sobrevivência.

Alta performance de verdade não é barulhenta.

Ela é estratégica, focada, previsível e sustentável.

Ela exige energia, sim, mas também exige estrutura.

E essa estrutura começa na rotina.

Rotina bem desenhada não sufoca o talento. Pelo contrário, libera espaço para que ele possa brilhar com consistência. Ela permite que as pessoas saibam o que fazer, quando fazer, como medir o que entregam e como melhorar ao longo do tempo.

Um time que opera com clareza e cadência não precisa de gritos, ameaças ou noites viradas para performar precisa de direção, autonomia e um ambiente que respeite a inteligência coletiva.

No fundo, a lição de Whiplash não é sobre evitar elogios. É sobre substituir a obsessão pelo limite pela busca da excelência com equilíbrio.

A rotina como ferramenta de gestão

Em muitos escritórios, a rotina ainda é tratada como algo espontâneo, que “vai se ajeitando” conforme o volume de trabalho aparece. A frase comum é:

“Aqui, cada dia é diferente.”

E é mesmo. A advocacia é, por natureza, dinâmica. Mas isso não significa que a rotina deva ser aleatória ou construída no improviso. A imprevisibilidade do ambiente não justifica a desorganização interna. Ao contrário, quanto mais incerta a demanda, mais a rotina precisa ser sólida.

Rotina, em escritórios bem geridos, não é sinônimo de engessamento. É sinônimo de segurança operacional, clareza coletiva e poder de decisão com mais lucidez.

Uma rotina de alta performance é aquela que transforma o tempo em ativo estratégico. Ela não apenas “acomoda” as tarefas: ela dá ritmo e intencionalidade ao que é feito. E para isso, alguns elementos são essenciais:

Escritório que vive no ‘modo urgência’ está, na verdade, sempre atrasado. A cada nova demanda que surge, há uma corrida para reorganizar o que não deveria ter saído do lugar.

E as consequências são previsíveis:

Uma rotina bem estruturada protege o time da pressão desnecessária e cria um campo fértil para decisões melhores. Mais do que isso: ela é o sistema nervoso da gestão do escritório.

Com ela, a estratégia desce para o chão. Sem ela, até a melhor ideia morre sufocada no corre-corre.

O caos e a sua aparência traiçoeira

Por fora, o caos parece movimento; por dentro, é apenas desorganização disfarçada de esforço. Escritórios que vivem sempre no limite acreditam que estão produzindo em alta rotação, mas, na verdade, estão apenas girando no próprio eixo.

Quando tudo é feito no atropelo, o que realmente importa desaparece sob a poeira da urgência.

Veja o que fica embaixo do tapete:

E tudo isso acontece sem que ninguém perceba de imediato. Porque o caos é barulhento e, paradoxalmente, o barulho encobre os sinais de que algo está fora do lugar. É como tentar ouvir uma melodia no meio de uma turbina ligada.

A rotina desorganizada é um tipo de ruído.

Ela impede o time de ouvir as perguntas mais importantes:

Estamos no caminho certo?

Essa entrega tem qualidade?

Esse cliente vale o esforço?

Estamos crescendo ou apenas nos mantendo?

No fundo, o caos afasta a estratégia e aproxima o colapso.

E o mais perigoso é que ele se disfarça de produtividade.

Não é sobre controle, é sobre liberdade

Existe um equívoco recorrente entre advogados de que rotina engessa, burocratiza, tira a criatividade do jogo. Mas a verdade é justamente o oposto.

Rotina bem desenhada não aprisiona, ela liberta.

Liberta o tempo, a mente e a energia. Liberta da urgência que paralisa, da sobreposição de tarefas, da dependência constante do improviso. Quando a rotina é estruturada com inteligência, ela se torna um sistema que apoia, organiza e amplia a capacidade de entrega com qualidade.

Uma rotina de alta performance permite:

Com esse novo desenho, o sócio sai do redemoinho operacional e se reposiciona onde realmente deve estar: na condução estratégica do escritório.

É nesse espaço que surgem as ideias, os movimentos ousados, os ajustes finos de posicionamento e as decisões que garantem o crescimento sustentável da banca.

A rotina é, portanto, a infraestrutura invisível da liberdade.

Quem domina a própria agenda não se prende: se expande.

Como melhorar uma rotina?

Desenhar uma rotina eficaz não exige fórmulas complexas, exige perguntas inteligentes, respostas honestas e decisões consistentes.

Comece pela investigação:

Com essas respostas em mãos, você pode estruturar uma rotina que respeite o tempo, estimule a autonomia e mantenha o escritório em movimento sem esgotamento.

Minha sugestão é que você implemente, então, quatro blocos estratégicos:

Ritual de início da semana

Segunda-feira de manhã, com foco em priorização, distribuição de tarefas e alinhamento de entregas. Reunião rápida, objetiva, com pauta clara e tempo limitado.

Blocos de foco individual

De um a dois por semana, para que cada advogado possa se concentrar em tarefas críticas sem interrupções. Nada de reuniões, notificações ou desvios nesse período.

Revisão de andamento dos casos estratégicos

Uma reunião semanal de curta duração entre os sócios ou gestores para verificar gargalos, tomar decisões e garantir fluidez nas frentes prioritárias.

Momento de avaliação e melhoria contínua

Uma vez por mês, com o time, para revisar o que funcionou, o que pode ser ajustado e o que precisa ser abandonado. Sem esse olhar periódico, a rotina vira protocolo vazio.

E aqui vale o alerta: rotina criada e não respeitada é ainda mais danosa do que a ausência de rotina. Ela gera frustração, cinismo e desmobiliza o time. A consistência, sim, é o que transforma boas intenções em cultura firme.

Rotina jurídica de alta performance não é sobre controle rígido. É sobre criar o terreno fértil onde estratégia, talento e entrega podem florescer dia após dia.

É sobre cadência, não sobre pressa.

No filme, a busca obsessiva pelo ritmo perfeito empurra o protagonista para o limite físico e mental. Ele sangra, desaba, colapsa. Tudo em nome de uma performance idealizada que cobra o preço da saúde, da sanidade e do propósito.

Na advocacia, o colapso não vem com baquetas quebradas ou dedos sangrando. Ele chega de forma silenciosa e persistente: burnout, desmotivação, rotatividade, queda na qualidade de entrega. Sintomas diferentes, mesma origem: um ambiente onde a velocidade atropela a inteligência.

Alta performance verdadeira não é feita de correria. Ela é feita de cadência. De ritmo. De constância com propósito.

O escritório que opera em velocidade desenfreada, sem tempo para respirar, analisar e ajustar, perde precisão e, com o tempo, perde o sentido.

Pense numa orquestra de jazz.

Mesmo que haja improviso, cada instrumento tem seu tempo de entrada.

Cada músico conhece a sua função e respeita o tempo do outro.

É um jogo de escuta ativa, ritmo interno e confiança mútua.

Cada entrada tem intenção. Cada pausa tem sentido. Cada solo é liberdade com responsabilidade.

O maestro, se existir, não dita o tempo com rigidez. Ele observa, sente e conduz com leveza. A performance nasce do equilíbrio entre autonomia e harmonia.

Assim também deve ser a rotina em um escritório: não uma partitura rígida que engessa o time, mas uma base sólida que permita fluidez, inteligência e protagonismo.

Rotina de excelência não é sobre apertar a equipe. É sobre afinar os instrumentos para que o coletivo soe bem, com ritmo, leveza e entrega.

Conclusão - O tempo não é o problema.

A maioria dos advogados não sofre por falta de tempo. Sofre por falta de método para lidar com o tempo. Sofre por excesso de improviso, ausência de cadência, falta de estrutura. E isso não se resolve com mais esforço - se resolve com mais direção.

Na advocacia, o colapso raramente chega com estardalhaço. Ele se infiltra nos detalhes: na agenda sempre cheia e eternamente com pendências, nas decisões apressadas, na equipe esgotada, no propósito que se dilui sem alarde.

Quer produzir mais, com mais qualidade e ainda ter tempo para viver?

Organize sua rotina. E trate-a como o que ela é: um ativo estratégico do escritório, tão valioso quanto os contratos, os clientes e os honorários.

Porque rotina não é prisão.

Rotina é compasso.

É ela que permite que o talento apareça com consistência.

Que o escritório funcione com clareza.

Que o sócio pense o futuro sem ser engolido pelo presente.

No final de Whiplash, o protagonista vive o seu momento perfeito: o solo certo, no tempo certo, com o olhar certo. Não porque foi forçado, mas porque, finalmente, encontrou sintonia entre intenção, ritmo e entrega.

Na advocacia, a alta performance não nasce do caos.

Ela nasce do domínio sobre o tempo.

E o tempo só obedece a quem aprende a conduzi-lo.

_______

1 Disponível aqui.

There are no two words in the English language more harmful than “good job”.

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Colunista

Lara Selem é advogada, professora, escritora, conselheira consultiva, advisor e mentora especialista em Gestão Legal, Sociedades de Advogados e Planejamento Estratégico para a Advocacia. É membro da Comissão Nacional de Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB. Foi presidente da Comissão Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do Conselho Federal da OAB (2019-2021). Participa ativamente do Comitê de Administração e Ética Profissional (CADEP) do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (CESA). Membro da Association of Legal Administrators (ALA) desde 2009. Coordenadora científica do MBA Internacional em Gestão de Escritório de Advocacia (Faculdade Baiana de Direito e Gestão). Autora de 20 obras sobre gestão de escritórios de advocacia.