Ordem na Banca

Se o McDonald’s vende o combo, por que seu escritório vende só o hambúrguer?

A coluna aborda como cross-serving na advocacia amplia o atendimento: combo de serviços, governança e métricas fidelizam clientes.

8/10/2025

No balcão do McDonald’s a pergunta é simples: vai querer fritas e refrigerante com o hambúrguer? Não é pressão. É lógica de valor. O cliente sai mais satisfeito, a operação extrai mais receita por atendimento e o padrão se mantém. Na advocacia, o paralelo é o cross-serving: ampliar o escopo junto ao mesmo cliente, resolvendo problemas adjacentes com uma entrega coordenada.

Antes, porém, precisamos entender a diferença entre cross-selling e cross-serving. A diferença está no foco e no tipo de relação com o cliente:

Cross-selling é vender outros serviços para o mesmo cliente, mas muitas vezes de forma pontual. Exemplo: o cliente contrata o escritório para um processo trabalhista e o advogado oferece também a elaboração de um contrato comercial. A lógica é “aproveitar a oportunidade de venda” - é mais transacional.

Cross-serving vai além da venda. É oferecer soluções integradas e estratégicas, ampliando o relacionamento e cuidando do cliente de forma contínua. Exemplo: o cliente contrata para um processo trabalhista, e o escritório cria um plano de compliance trabalhista, revisa políticas internas, treina gestores e acompanha indicadores trimestralmente. A lógica é “servir melhor”, fidelizar e se tornar parceiro estratégico, não apenas fornecedor.

Resumindo:

Disclaimer: o BD - business development ou desenvolvimento de negócios jurídicos é amplo e tem uma semântica própria, então traremos ao longo do texto conceitos para não perder a essência. Logo, recomendamos a leitura dos rodapés. Uma vez entendido, sinal verde para abrasileirar os termos.

Voltando ao cross-serving, o enfoque que queremos dar nesse artigo é sobre servir melhor, e a primeira pergunta que vem é por que o cross-serving falha na advocacia? Podemos elencar vários motivos:

  1. Incentivos desalinhados. Sistemas de remuneração premiam quem “trouxe” o cliente, não quem compartilha e integra. Sintoma clássico: caça às “originações” e pouco interesse em dividir a conta. Resultado: silos, retrabalho e oportunidades perdidas.
  2. Caixa-preta de compensação. Critérios pouco claros de distribuição de lucros geram ceticismo. Sócio evita convidar outra área com medo de diluir o crédito. O cliente sente a fricção interna.
  3. Falta de dono da conta. Ninguém responde pelo projeto do cliente. Há vários atendentes, mas nenhum Client Partner1 que coordene prioridades, agenda e pipeline de oportunidades.
  4. Silos de informação e CRM2 fraco. Histórico de relacionamento espalhado em e-mails, WhatsApps, planilhas e memórias. Sem visão 360º, a equipe não enxerga eventos-gatilho que abrem portas para novas frentes.
  5. Portfólio difuso. Serviços descritos de forma genérica. É difícil “oferecer o combo” se o escritório não tem ofertas modulares, nomes claros e resultados esperados com precisão.
  6. Ritmo errado de abordagem. Vendem soluções antes de diagnosticar. A conversa vira catálogo. O cliente se fecha.
  7. Preço e medo de canibalização. Ausência de política de honorários integrados e pacotes. Cada área cotando isolada aumenta o total e reduz a taxa de aceitação.
  8. Capacidade operacional limitada. Mesmo que a oportunidade exista, faltam alocação, SOPs3 e SLAs4 entre áreas. O cross-serving vira promessa vaga.
  9. Risco ético e conflitos não mapeados. Sem checagem de conflitos e diretrizes claras, a equipe evita sugerir novas frentes por insegurança.
  10. Liderança que não modela. Discursos sobre colaboração sem exemplo prático e sem reconhecimento público. A cultura observa o que é premiado, não o que é dito.

Outras perguntas decorrem da primeira: Como consertar essas falhas? Que tipo de soluções são acionáveis? Podemos citar algumas.

1. Remuneração e reconhecimento

2. Governança da conta

3. Informação e radar de oportunidades

4. Portfólio produtizado

5. Abordagem consultiva

6. Precificação e proposta que fecha

7. Capacidade, processos e SLAs

8. Treinamento e prática

9. Riscos, ética e conflitos

10. Liderança que puxa

Falamos acima sobre os Combos Prontos para serem usados como cardápio, seja por evento do cliente ou por setor. Veja alguns exemplos:

Por evento do cliente

Por setor

Uma boa gestão comercial inclui análise cotidiana de métricas que importam:

Para fechar esse artigo, segue um roteiro de implementação em 90 dias.

Dias 0–30

Dias 31–60

Dias 61–90

Por fim e não menos importante, não cometa esses erros:

Hambúrguer sozinho mata a fome. O combo fideliza. Na advocacia, ampliar o escopo com método, governança e métricas transforma atendimento bom em relacionamento duradouro. Faça o básico bem-feito: alinhamento de incentivos, dono da conta, portfólio claro, proposta que fecha e ritos de acompanhamento.

O resto é execução.

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1 O Client Partner é a pessoa dentro do escritório de advocacia responsável por gerenciar estrategicamente a relação com um cliente específico. Ele funciona como o “dono da conta”, garantindo que o escritório atenda o cliente de forma integrada, estratégica e alinhada aos objetivos de negócio. Na prática, o Client Partner: centraliza o relacionamento (é o ponto focal entre o cliente e o escritório), coordena áreas internas (se o cliente tem demandas em trabalhista, societário e tributário, ele garante que tudo aconteça sem ruído), mapeia oportunidades (identifica riscos, necessidades e novos serviços que podem agregar valor para o cliente), cuida da experiência (garante prazos, qualidade e comunicação clara, sem que o cliente precise procurar várias pessoas diferentes), faz reuniões de alinhamento (apresenta resultados, planeja próximos passos e mantém a satisfação alta). A ideia é simples: o cliente sente que tem um parceiro estratégico e não apenas advogados resolvendo problemas pontuais.

2 O CRM significa Customer Relationship Management, ou Gestão do Relacionamento com o Cliente. Na prática, é tanto um conceito quanto uma ferramenta. Como conceito: é a forma estruturada de organizar, acompanhar e nutrir o relacionamento com clientes e potenciais clientes, ajuda a entender quem é o cliente, quais serviços ele já contratou, quais oportunidades existem e como anda a comunicação com ele. Como ferramenta: são softwares que centralizam informações e interações, como HubSpot, Salesforce, Pipedrive ou até versões adaptadas em Notion, Airtable ou planilhas inteligentes, permitem ver histórico de contatos, propostas enviadas, follow-ups pendentes, eventos importantes e oportunidades de cross-selling. Na advocacia, um CRM bem usado ajuda a: mapear todos os clientes e prospects em um só lugar, acompanhar reuniões, propostas e status de cada oportunidade, dentificar áreas para cross-serving e crescimento de conta, evitar perda de informações quando pessoas da equipe mudam.

3 SOP (Standard Operating Procedure) é um procedimento operacional padrão. Significa ter um passo a passo claro, documentado e replicável para executar uma atividade no escritório. Exemplo: como abrir um novo cliente, como revisar contratos, como fazer o onboarding de um estagiário. Cada etapa está descrita para que qualquer pessoa consiga seguir, sem depender da memória ou improviso.

4 SLA (Service Level Agreement) é um acordo de nível de serviço. Define prazos e padrões de qualidade para cada entrega, de forma combinada entre quem solicita e quem executa. Exemplo: prazo máximo para enviar uma proposta a um cliente após a reunião inicial; tempo de resposta para um e-mail crítico; prazo para entregar uma petição após a validação da minuta.

5 Kudos é uma expressão usada no mundo corporativo para se referir a elogios públicos ou reconhecimentos dados a alguém por um bom trabalho, resultado ou atitude positiva. Não é dinheiro, não é promoção - é reconhecimento explícito. Pode acontecer de várias formas: uma menção durante a reunião de sócios, um post interno agradecendo pelo trabalho bem feito, um quadro físico ou virtual com destaques do mês, mensagens no grupo da equipe parabenizando por um case ou resultado. A ideia é simples: mostrar para todos quem fez algo certo e por que isso é importante para o time e para a cultura do escritório.

6 QBR significa Quarterly Business Review, ou seja, Revisão Trimestral do Negócio. Na advocacia, um QBR é uma reunião estratégica feita entre o escritório e o cliente a cada trimestre (ou em outro intervalo regular) para: revisar o que foi feito (principais demandas atendidas, prazos cumpridos, resultados entregues), analisar indicadores (custos, tempo de resposta, satisfação, riscos mitigados), alinhar prioridades futuras (entender próximos projetos, mudanças na empresa, novas demandas jurídicas), fortalecer a relação (mostrar visão estratégica, não apenas operacional). A grande diferença para uma reunião comum é que o QBR não é para falar de problemas pontuais, mas sim para tratar do relacionamento e da estratégia de forma global. Por exemplo, num QBR você pode: apresentar um relatório visual com tudo que foi feito no último trimestre, mapear áreas de risco para o próximo período, discutir oportunidades de integrar serviços (cross-serving), receber feedback estruturado do cliente.

7 Retainer é um contrato de honorários em que o cliente paga um valor fixo, normalmente mensal, para ter acesso contínuo a determinados serviços ou à disponibilidade do escritório. Funciona como uma espécie de “mensalidade” que garante: 1) Previsibilidade para o cliente – ele sabe exatamente quanto vai pagar por mês. 2) Previsibilidade para o escritório – o escritório tem receita recorrente e pode planejar melhor a equipe e os recursos. Existem alguns formatos comuns de retainer: Por volume de horas – o cliente paga por um pacote de horas mensais, e o escritório faz o controle do uso. Por escopo de serviços – o cliente tem acesso a uma lista de serviços inclusos no valor mensal, independentemente de quantas horas demandar. Por disponibilidade – o pagamento garante que o escritório esteja sempre disponível para demandas dentro de determinados limites, sem controle detalhado de horas ou escopo. Na prática, o retainer ajuda a transformar a advocacia de modelo puramente pontual para um modelo mais previsível e estratégico, tanto para o cliente quanto para o escritório.

8 O RACI é uma ferramenta de gestão que ajuda a definir quem faz o quê em um projeto ou processo. O nome vem das iniciais em inglês: R – Responsible (Responsável): quem executa a tarefa, coloca a mão na massa. A – Accountable (Aprovador): quem responde pelo resultado, toma a decisão e garante que a tarefa seja concluída. Só pode haver um “A” por tarefa. C – Consulted (Consultado): quem dá informações, opiniões ou validações durante a execução. I – Informed (Informado): quem precisa ser informado sobre o andamento ou o resultado, mas não participa da execução nem da decisão. No contexto de um escritório de advocacia, o RACI evita confusão do tipo “achei que fulano faria” ou “ninguém sabia que era comigo”.

9 Roleplays são simulações práticas usadas para treinar habilidades em situações reais, mas em ambiente controlado. Na advocacia, eles funcionam assim: uma pessoa faz o papel de cliente, outra assume o papel de advogado ou sócio do escritório, um terceiro pode observar e dar feedback. O objetivo é praticar conversas, negociações e apresentações antes de fazer isso com clientes de verdade. Exemplos de uso em escritórios: treinar como apresentar uma proposta de honorários, simular uma reunião para identificar novas demandas do cliente (cross-serving), testar o discurso para uma negociação de contrato ou mediação, treinar respostas para perguntas difíceis sobre preço ou prazos. A vantagem é que os advogados ganham segurança, corrigem erros e refinam o discurso sem risco real.

10 Gates jurídicos são pontos formais de checagem e aprovação dentro de um processo, usados para garantir que certos critérios legais, éticos ou regulatórios sejam verificados antes de seguir para a próxima etapa. A lógica vem da gestão de projetos: cada “gate” funciona como um portão de segurança. Só passa adiante o que está conforme as regras. Na advocacia, os gates jurídicos podem servir para: checar conflitos de interesse antes de aceitar um novo cliente, validar compliance regulatório antes de fechar um contrato, analisar riscos legais antes de uma decisão de investimento, aprovar comunicações externas para evitar violações éticas. Exemplo prático: Gate 1 - Conflito de interesse: a equipe de compliance ou sócio responsável confirma que não há barreiras éticas. Gate 2 - Viabilidade legal: o jurídico analisa riscos e autorizações necessárias. Gate 3 - Aprovação final: liderança assina, garantindo alinhamento estratégico e regulatório. Isso evita erros, reduz riscos e dá mais segurança para decisões importantes.

11 A wallet share significa, literalmente, a fatia da carteira que o seu escritório ocupa dentro do orçamento jurídico de um cliente. Em outras palavras: Se o cliente gasta R$ 1 milhão por ano com serviços jurídicos e seu escritório recebe R$ 250 mil, a wallet share é de 25%. O objetivo é aumentar essa fatia, oferecendo mais serviços para o mesmo cliente, com mais integração e valor agregado. Na prática, medir a wallet share ajuda a responder: Quanto do potencial do cliente já estamos atendendo? Em quais áreas outros escritórios estão levando o restante? Onde estão as oportunidades de expansão? Para isso, muitos escritórios fazem: Mapeamento de serviços que o cliente consome, internos e externos. Identificação de gaps (áreas onde o cliente usa outros fornecedores).  Planos de cross-serving – ofertas integradas para aumentar a participação.

12 O NPS significa Net Promoter Score e é uma métrica criada para medir a lealdade dos clientes a uma empresa ou serviço. Ele funciona assim: O cliente responde a uma única pergunta: “De 0 a 10, qual a chance de você indicar nosso escritório para um amigo ou colega?”. Com base na nota, os clientes são classificados em três grupos: Promotores (nota 9 ou 10): adoram o serviço e provavelmente vão recomendar. Neutros (nota 7 ou 8): estão satisfeitos, mas sem entusiasmo. Detratores (nota 0 a 6): podem falar mal ou não recomendariam. O cálculo do NPS é [% Promotores – % Detratores = NPS]. O resultado vai de –100 a +100: acima de 50: excelente, de 0 a 50: bom, mas com espaço para melhorar, abaixo de 0: sinal de alerta. Na advocacia, o NPS mostra não só satisfação, mas também a probabilidade de o cliente indicar o escritório, o que é essencial para fidelização e crescimento orgânico.

13 O CSI significa Customer Satisfaction Index, ou Índice de Satisfação do Cliente. Diferente do NPS, que mede lealdade e probabilidade de recomendação, o CSI mede o nível de satisfação do cliente com a experiência que ele teve. Na prática, funciona assim: O cliente responde a perguntas como: Qual o seu nível de satisfação com os serviços prestados? Como você avalia a comunicação do escritório? Como avalia a rapidez na entrega? As respostas são dadas em uma escala, normalmente de 1 a 5 ou 1 a 10, e o resultado é uma média ponderada dessas notas. O CSI pode ser medido: Por projeto (ex.: satisfação após um caso específico). Por período (ex.: satisfação trimestral). Por área do escritório (ex.: trabalhista, societário, tributário). Na advocacia, o CSI ajuda a identificar pontos fortes e fracos na experiência do cliente e direciona planos de melhoria interna.

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Colunista

Lara Selem é advogada, professora, escritora, conselheira consultiva, advisor e mentora especialista em Gestão Legal, Sociedades de Advogados e Planejamento Estratégico para a Advocacia. É membro da Comissão Nacional de Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB. Foi presidente da Comissão Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do Conselho Federal da OAB (2019-2021). Participa ativamente do Comitê de Administração e Ética Profissional (CADEP) do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (CESA). Membro da Association of Legal Administrators (ALA) desde 2009. Coordenadora científica do MBA Internacional em Gestão de Escritório de Advocacia (Faculdade Baiana de Direito e Gestão). Autora de 20 obras sobre gestão de escritórios de advocacia.