Ordem na Banca

Café, biscoitos e confiança: O que a guerra ensina sobre a experiência do cliente na advocacia

A guerra ensinou que até no caos, o cuidado importa. No Direito, a confiança e o cuidado nascem quando o cliente sente que, por trás do processo, há método, empatia e propósito.

22/10/2025

Em 1944, em meio ao caos da 2ª Guerra Mundial, soldados americanos recebiam no front uma pequena lata: a chamada Ração Tipo C – café da manhã. Dentro dela havia café, açúcar, balas, biscoitos, cigarros, chicletes e até comprimidos purificadores de água. Um conjunto simples, mas pensado para oferecer conforto, energia e a sensação de que alguém, em algum lugar, se preocupava com a sobrevivência e o bem-estar de quem estava na linha de frente.

O que isso tem a ver com escritórios de advocacia? Muito mais do que parece. Assim como a ração de guerra não era apenas alimento, mas também experiência e segurança, o atendimento ao cliente em escritórios vai muito além de protocolos processuais: trata-se de criar confiança, previsibilidade e cuidado em cada detalhe.

A estrutura como base da confiança

A lata da ração era robusta, lacrada e só podia ser aberta com uma pequena chave de metal. Esse detalhe, aparentemente banal, garantia que o soldado tivesse acesso seguro e previsível ao seu conteúdo.

No ambiente jurídico, a mesma lógica vale para processos internos. Estruturas bem definidas, checklists de prazos, padrões de comunicação e fluxos de atendimento são a “lata fechada” que protege o cliente da insegurança. Sem isso, a experiência se fragmenta e a confiança se perde.

Variedade e personalização

Dentro da lata havia café, açúcar, balas, biscoitos. Não era um cardápio sofisticado, mas oferecia diversidade suficiente para atender diferentes necessidades: energia, prazer e saciedade.

No escritório, essa variedade se traduz na capacidade de personalizar o serviço. Não basta oferecer apenas a defesa processual. O cliente precisa de relatórios, análises preventivas, orientações sobre riscos e, muitas vezes, educação jurídica em linguagem acessível. É a diversidade de entregas que gera a percepção de valor.

Os detalhes que confortam

Um simples chiclete ou um cigarro podiam parecer irrelevantes, mas para o soldado representavam um pedaço de normalidade no meio da guerra. O mesmo ocorre na advocacia.

Pequenos gestos, como responder rapidamente a uma dúvida, enviar atualizações proativas sobre o processo, usar uma linguagem clara em vez de jargões, funcionam como esses “pequenos luxos”. O cliente sente-se cuidado e, principalmente, compreendido.

Recursos extras e antecipação de necessidades

A ração vinha com comprimidos purificadores de água e instruções contra malária. Era um recurso extra, pensado para problemas que poderiam surgir.

No escritório, isso equivale a antecipar cenários: explicar ao cliente riscos futuros, oferecer caminhos alternativos e preparar estratégias de contingência. Essa capacidade de pensar antes da crise transforma o advogado em parceiro estratégico, e não apenas em solucionador de problemas.

Comunicação e transparência

Cada elemento da ração era identificado e vinha com orientações de uso. Havia clareza sobre o que esperar.

Na advocacia, a transparência é um dos pilares da experiência. O cliente não deve descobrir por acaso o andamento do processo. É papel do escritório manter uma comunicação frequente e simples, traduzindo cada etapa e oferecendo previsibilidade.

Do aprendizado à prática

Se a Ração Tipo C conseguiu, em plena guerra, oferecer ao soldado mais do que nutrição - oferecer segurança e sensação de cuidado - os escritórios também podem transformar a relação com seus clientes. Mas, para isso, não basta entender o conceito: é necessário agir com método.

É nesse ponto que um plano estruturado faz a diferença.

Plano de ação: 5 passos para melhorar a experiência do cliente

1. Mapeie a jornada do cliente

Desenhe desde o primeiro contato até a finalização do caso. Identifique pontos de atrito, atrasos e falhas de comunicação.

2. Crie padrões de atendimento

Defina prazos internos para retorno de e-mails e ligações. Estabeleça modelos claros de relatórios e atualizações. Isso dá previsibilidade.

3. Personalize entregas

Adapte a comunicação à realidade de cada cliente. Alguns querem detalhes técnicos, outros preferem sínteses objetivas. Entender essa diferença evita ruídos.

4. Antecipe necessidades

Em vez de esperar o cliente perguntar, antecipe informações: riscos futuros, documentos que serão exigidos, cenários alternativos.

5. Meça e ajuste

Colete feedback regularmente. Pergunte se a comunicação está clara, se os prazos estão adequados, se o cliente se sente acompanhado. Use essas respostas para ajustar a prática.

A lição é direta: se até em meio às trincheiras havia espaço para pensar na experiência humana, não há desculpa para ignorá-la no mundo jurídico. O cliente precisa sentir-se protegido, orientado e valorizado. Isso não acontece por acaso, mas pelo cuidado com cada detalhe.

Na advocacia, confiança também se constrói com café, biscoitos e atenção.

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Colunista

Lara Selem é advogada, professora, escritora, conselheira consultiva, advisor e mentora especialista em Gestão Legal, Sociedades de Advogados e Planejamento Estratégico para a Advocacia. É membro da Comissão Nacional de Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB. Foi presidente da Comissão Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do Conselho Federal da OAB (2019-2021). Participa ativamente do Comitê de Administração e Ética Profissional (CADEP) do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (CESA). Membro da Association of Legal Administrators (ALA) desde 2009. Coordenadora científica do MBA Internacional em Gestão de Escritório de Advocacia (Faculdade Baiana de Direito e Gestão). Autora de 20 obras sobre gestão de escritórios de advocacia.