Reforma do Código Civil

Notas breves sobre as propostas para os arts. 5º, 5º-A e 6º do Código Civil

Estudo aprofundado das propostas do PL 04/25 aos arts. 5º, 5º-A e 6º do CC, com foco em capacidade civil, emancipação e direitos da personalidade post mortem.

22/4/2025

Dando sequência à série de textos curtos sobre as propostas de revisão e atualização do Código Civil contidas no PL 04/25, passo a tratar das sugestões de alteração dos artigos 5º, 5º-A e 6º. 

Quanto ao artigo 5o, o PL propõe a seguinte redação: 

“Art. 5º A incapacidade em razão da idade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática pessoal de todos os atos da vida civil. 

Parágrafo único. Também cessará a incapacidade, para as pessoas entre 16 e 18 anos completos:

 I - pela concessão de emancipação pelos que tenham a autoridade parental, por instrumento público, independentemente de homologação judicial;

II - por sentença do juiz, ouvido o tutor ou guardião, se o adolescente tiver 16 anos completos; 

III – pelo casamento ou constituição de união estável registrada na forma do inciso III do art. 9º deste Código, desde que com a autorização dos representantes;

IV - pelo exercício de emprego público efetivo; 

V - pela colação de grau em curso de ensino superior; 

VI - pelo estabelecimento civil ou empresarial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o adolescente tenha economia própria.”

O PL sugere duas alterações ao art. 5°, uma em seu caput e outra em seu inciso III. 

Quanto ao caput, o PL sugere redação muitíssimo mais técnica. Com efeito, o atingimento da maioridade não implica, por si só, plena capacidade civil. Basta que se imagine alguém que, mesmo antes de completar dezoito anos, enquadre-se no inciso II ou III do art. 4º vigente. 

Ao completarem-se os 18 anos, cessam a menoridade e a incapacidade em razão da idade, presumindo-se, até prova em contrário, que a pessoa é plenamente capaz e, portanto, apta a todos os atos da vida civil. 

A proposta de alteração contida no PL acerta ao não vincular de modo absoluto os conceitos de maioridade e capacidade. 

Quanto à segunda alteração, sugere-se a inclusão da constituição de união estável registrada entre as causas de emancipação legal. 

Esse inciso III deve ser interpretado à luz do que dispõe o § 2o do art. 1.564-A proposto pelo PL, segundo o qual: 

Art. 1.564-A. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre duas pessoas, mediante uma convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida como família. 

(omissis)

§ 2º As pessoas com menos de 16 anos de idade não podem constituir união estável e aquelas com idade entre 16 e 18 anos podem constituir união estável, se emancipadas.

Diferentemente do regime jurídico vigente, o PL, acertadamente, impede a constituição de união estável se um dos companheiros for menor de dezesseis anos. Isso significa que a idade mínima passa a ser elemento de existência da união estável. 

Para os menores entre 16 e 18 anos, o mesmo § 2º permite a constituição de união estável, desde que precedida de emancipação. Evidentemente que nada impede sejam a emancipação e a constituição de união estável formalizadas no mesmo ato, mas o que implicará emancipação será a concessão dos pais ou a sentença do juiz (incisos I e II do art. 5º), e não o registro da união estável. 

Quanto ao artigo 5º-A, ele dispõe que:

“Art. 5º-A. A emancipação por concessão dos pais ou por sentença do juiz está sujeita à desconstituição pelas mesmas causas que invalidam os negócios jurídicos em geral.” 

A emancipação por concessão dos pais – dita voluntária pela doutrina – tem natureza jurídica de ato jurídico em sentido estrito e, portanto, submete-se às regras de existência e validade que subordinam os negócios jurídicos em geral. 

Já a emancipação por sentença judicial é consequência do ajuizamento de ação constitutiva positiva que, não obstante seja julgada sob jurisdição voluntária, exige que o juiz julgue a conveniência ou não de antecipar a capacidade do adolescente. 

Não se trata, pois, de sentença meramente homologatória da manifestação de vontade das partes, mas de ato jurisdicional, cujo desfazimento se faz por recurso ou ação rescisória, não pela ação anulatória prevista no art. 966, § 4º do CPC. 

Deve-se, portanto, conferir interpretação restritiva ao artigo 5º-A, de modo a afastar a menção à emancipação judicial. 

Finalmente, com relação ao artigo 6º, o PL sugere a seguinte redação:

“Art. 6º A personalidade da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.”

A alteração é significativa e implica clara tomada de posição pela Comissão de Juristas.

Há importante discussão doutrinária acerca da eficácia jurídica do evento morte. Se é certo que a morte põe fim à existência da pessoa natural, há grande divergência sobre a possibilidade ou não de eficácia post mortem dos direitos da personalidade, ou seja, se alguns aspectos da personalidade continuam a existir mesmo após a morte. 

Filio-me à corrente que defende a existência de eficácia post mortem dos direitos da personalidade o que implica entender que, nas hipóteses em que o Código Civil admite a tutela de direitos da personalidade relativos à pessoa morta, tem-se caso de legitimação extraordinária, é dizer, o legitimado (descendente, por exemplo) atua em nome próprio defendendo direito alheio. Essa interpretação impede que sejam ajuizadas múltiplas ações visando à tutela daqueles direitos. 

Os que negam a existência de eficácia post mortem defendem que os legitimados defendem direito próprio, o que acaba por implicar legitimidade concorrente de inúmeras pessoas segundo a literalidade dos parágrafos únicos dos arts. 12 e 20 do Código Civil na redação vigente. 

A prevalecer a proposta contida no PL, nega-se expressamente a eficácia post mortem dos direitos da personalidade e mantém-se ampla legitimidade ordinária (atuação em nome próprio na defesa de direitos próprios) para a defesa dos direitos em questão. 

Agradecendo mais uma vez a oportunidade da publicação, informo que procurarei, em uma próxima oportunidade, tratar diretamente das propostas relativas aos direitos da personalidade. 

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Colunistas

Flávio Tartuce é pós-doutor e doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador do curso de mestrado e dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Patrono regente da pós-graduação lato sensu em Advocacia do Direito Negocial e Imobiliário da EBRADI. Diretor-Geral da ESA da OABSP. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAMSP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico. Relator-Geral da proposta da reforma do Código Civil.

Luis Felipe Salomão é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Corregedor Nacional de Justiça. Membro da Corte Especial do STJ. Presidente da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil.

Marco Aurélio Bellizze é ministro do Superior Tribunal de Justiça. Membro da 3ª Turma. Membro da 2ª Seção. Membro da Comissão de Jurisprudência. Professor da Fundação Getúlio Vargas desde 2021. Coordenador Acadêmico da FGV/Exame de Ordem. Vice-presidente da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil.

Rosa Maria de Andrade Nery é professora associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC/SP. Livre-Docente, doutora e mestre em Direito pela PUC/SP. Árbitra em diversas câmaras de arbitragem do Brasil. Foi Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo por 20 anos e desembargadora do Tribunal de Justiça o Estado de São Paulo por 15 anos. Titular da cadeira de número 60 da Academia Paulista de Direito. Professora do curso de graduação e de pós-graduação em Direito da PUC/SP e professora colaboradora do Centro Universitário Ítalo-Brasileiro. Relatora da proposta da reforma do Código Civil.