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PL 2.159/21 – A licença ambiental é dispensável?

O PL 2.159/21 quer trocar licenciamento ambiental por autodeclaração. O risco? Abrir espaço para impactos irreversíveis sem controle estatal.

2/7/2025

O PL 2.159/21 (conhecido como PL da devastação) está em fase de votação no Congresso Nacional e tem provocado reações extremas da sociedade civil com inúmeros abaixo-assinados contra seu texto. O projeto propõe uma flexibilização no sistema de fiscalização e controle de empreendimentos que possam causar danos ambientais passando o licenciamento do Estado para a forma de autodeclaração do empreendedor, além de hipóteses de isenção de licenciamento e eliminação de fases ou análises atualmente previstas.

Diante da polêmica, esse artigo se propõe a dar um passo atrás e retomar as bases que estruturaram o licenciamento ambiental e tentar entender: por que importa tanto? No que implica o licenciamento ambiental? Para avançar sobre o tema, será necessário entender os valores que estão sendo protegidos (ou não) e porque esse instrumento é o escolhido para fazê-lo.

A Constituição Federal traz disposições sobre o meio ambiente natural em três dimensões de proteção jurídica: o direito de extrair o potencial econômico do meio ambiente, o direito do ser humano e todas as formas de vida usufruírem de um meio ambiente que os mantenha saudável e o direito que o próprio meio ambiente tem de existir em sua integralidade. Para isso, o Texto Constitucional ora exemplificou em sua dimensão mais agressiva de uso econômico (CF. art. 225, § 2º - mineração), ou trouxe disposições valorativas que se espraiam por todo o sistema jurídico (art. 225: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado) além de indicar a proteção do meio ambiente natural per si, trazendo valores particularizadores como ocorre com os biomas brasileiros (CF. art. 225, III, § 4º). 

Pois bem, ao lado da proteção ambiental em suas dimensões garantidas constitucionalmente há o direito à livre iniciativa e à atividade econômica e, assim, a proteção ambiental e a atividade econômica precisam ter uma conexão que os viabilize segundo os parâmetros constitucionais (CF. art. 170). Essa conexão é trazida pelo poder de polícia estatal por meio de instrumentos que categorizam, fiscalizam e verificam as atividades frente o meio ambiente. O instrumento principal é o licenciamento ambiental, no qual deverá ser feita a análise do atingimento do bem ambiental juridicamente protegido pela obra ou serviço legalmente pretendido pelo solicitante. No procedimento de licenciamento ambiental deverá ser analisada a instalação da obra, sua operação e seu funcionamento, pois cada etapa pode ter seus próprios impactos em graus e intensidades diferentes. Exemplo disso é a instalação de uma usina hidrelétrica que, mesmo sendo considerada benéfica ambientalmente por ser uma matriz energética renovável e de pouca emissão de gases, sua instalação gera danos irreversíveis para o meio ambiente, com a inundação de área, por um lado, e diminuição de vertente hídrica, de outro.

Assim, mesmo uma atividade lícita pode gerar impactos ambientais que desequilibram seu entorno ou área de dimensões diversas gerando impacto social, econômico e ambiental que, sem a atividade solicitada, não existiria. Portanto, o licenciamento ambiental é absolutamente necessário para equilibrar direitos e responsabilidades a partir de uma atividade ou obra de origem lícita, mas que, nem por isso, pode ser exercida sem fiscalização e balizamento das consequências de sua ação. Ajustes de obra, realocação de área, checagem de metodologias, ações mitigadoras ou compensatórias fazem parte do repertório que incide sobre a tentativa de equacionar tais direitos constitucionalmente assegurados, de um lado, o direito à livre iniciativa, de outro, o direito coletivo à vida saudável e o direito do meio ambiente existir.

Assim, afastar do Estado seu poder de polícia diante da gestão do meio ambiente frente atividades essencialmente degradadoras é atingir valores constitucionalmente garantidos incidindo em potenciais danos para muito além da própria atividade econômica geradora do dano. 

*As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva da autora e não refletem, necessariamente, o posicionamento da Associação.

 

**A União de Mulheres Advogadas – UMA é uma rede formada por advogadas de todo o Brasil, unidas pela troca de experiências, promoção de iniciativas coletivas, e fortalecimento profissional. Criada em 2019, a UMA incentiva o protagonismo feminino no Direito e apoia ações colaborativas, sociais e acadêmicas em diversas áreas jurídicas.

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Colunistas

Clarissa Höfling é advogada criminalista e sócia fundadora do escritório Höfling Sociedade de Advogados. Especialista em Direito Penal Econômico GVLaw. Pós-graduada em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal) e especialista em Direito Penal e Processo Penal pela EPD. Cursou, também, Governança Corporativa e Compliance na INSPER e Gestão de Riscos e Compliance na FIA Business Schooll. Atuou como relatora presidente da 4ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP no triênio de 2022 a 2024. Professora de Compliance Criminal no Damásio Educacional.

Claudia Bernasconi é advogada criminalista. Sócia do escritório Joyce Roysen Advogados. Conselheira Estadual da OAB/SP e presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP.

Danyelle Galvão é advogada criminalista e sócia fundadora do escritório Galvão & Raca Advogados. Doutora pela USP. Professora.