CPC na prática

O Supremo Tribunal Federal inicia em 22/10/2020 o julgamento da ADI 5941, que trata da (in)constitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15

O Supremo Tribunal Federal inicia em 22/10/2020 o julgamento da ADI 5941, que trata da (in)constitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15.

22/10/2020

O dia 22/10/2020 está previsto como a data de início do julgamento da ADI 5941, na qual se alega a inconstitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15, e que, nas próprias palavras do Ministro Luiz Fux, trata de matéria: "de grande relevância, apresentando especial significado para a ordem social e a segurança jurídica"1.

A Procuradoria Geral da República, em parecer apresentado nos autos em dezembro de 2018, sinalizou seu entendimento de que o artigo 139, IV, do CPC/15 deveria ser aplicado de forma subsidiária e sempre com o escopo de possibilitar medidas de natureza patrimonial, evitando-se a efetivação de medidas que possam gerar restrições de direitos. Nessa linha: "a Procuradoria-Geral da República opina pela procedência do pedido, para que se confira interpretação conforme aos arts. 39-IV, 297, 380, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536-caput e §1º, 773 da Lei 13.105/2015, de forma que o juiz possa aplicar, subsidiariamente e de forma fundamentada, medidas atípicas de caráter estritamente patrimonial, excluídas as que importem em restrição às liberdades individuais como, por exemplo, a apreensão de carteira nacional de habilitação, passaporte, suspensão do direito de dirigir, proibição de participação em certames e licitações públicas"2.

No campo doutrinário, vale lembrar que o Professor Araken de Assis3 defende categoricamente a inconstitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC/15 quando aplicado para restringir direitos e relativizar o princípio da responsabilidade patrimonial: "Razões políticas de relevo recomendam a tipicidade desses meios executivos. O fundamento constitucional é claro: ninguém pode ser privado da sua liberdade e de seus bens, reza o artigo 5, LIV, da CF/88, sem o devido processo legal. Entende-se por tipicidade do meio executório a sua previsão em lei em sentido formal. Por conseguinte, não é dado ao órgão judiciário: (a) criar meio executório não previsto em lei formal e (b) empregar meio executório, conquanto legalmente previsto, em desacordo com a correlação instrumental com determinado bem. (...). Na verdade, a apreensão da carteira nacional de habilitação, tornando ilícita a condução de veículos automotores, bem como as medidas congêneres arroladas, representa simples pena... A existência de dívidas insatisfeitas, ou a execução forçada e infrutífera de créditos, não constitui pretexto hábil para constranger o obrigado e o executado através de medidas que, caso previstas expressis verbis, incorreriam em grave violação ao princípio estruturante da dignidade da pessoa humana e dificilmente subsistiriam incólumes ao controle concentrado de constitucionalidade pelo STF".

Já tivemos a oportunidade de sustentar que o inciso IV do artigo 139 do CPC/15 pode e deve ser utilizado pelo juiz, em total observância aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, para antecipar providências, no curso da execução, que facilitem a localização de onde estão e quais são os bens penhoráveis do devedor.

Medidas atípicas, no curso da ação de execução por quantia certa contra devedor solvente, sempre devem estar relacionadas com a promoção de atos que guardem relação direta com a satisfação do débito.

E, em sentido semelhante, é a doutrina do Professor Eduardo Talamini4, que defende corretamente que o artigo 139, IV, do CPC/15: "não se trata de poder ilimitado que o juiz recebe. Fica afastada a adoção de qualquer medida que o ordenamento proíba... Depois, as providências adotadas devem guardar relação de utilidade, adequação e proporcionalidade com o fim perseguido, não podendo acarretar na esfera jurídica do réu sacrifício maior do que o necessário (...). Em todo e qualquer caso em que incida o poder geral em questão, será indispensável, no seu exercício, a consideração da proporcionalidade, razoabilidade e eficiência da medida... Uma última consideração merece aqui ser feita. O poder de adoção de medidas atípicas é instrumento de efetivação das decisões. Sua função é essencialmente executiva: propiciar a tutela a que o jurisdicionado tem direito, nos limites do devido processual legal e material. Não se trata de puro instrumento de afirmação da autoridade judicial nem de meio de punição à afronta a essa autoridade. Para isso existem sanções específicas. Em muitas das medidas atípicas extravagantes cuja aplicação foi amplamente noticiada ou mesmo gerou repercussão nacional (bloqueio de whatsapp, apreensão de passaporte, cancelamento de cartão de crédito, suspensão de CNH, corte de luz de repartição pública...), muito mais do que o verdadeiro escopo executivo, o que se constatou foi uma reação enérgica de juízes que se viram afrontados em sua autoridade. Não é justificável desrespeitar a jurisdição. Mas as sanções aplicáveis a quem a desrespeita, repita-se, são outras, que não as medidas atípicas do artigo 139, IV. Ao mesmo tempo em que episódios como esses se multiplicam, assiste-se também a uma relativa resistência judiciária na aplicação de mecanismos fundamentais para a identificação e preservação do patrimônio penhorável ou para a adequada incidência dos mecanismos expropriatórios. Alguns exemplos, entre muitos: (i) decisões que se negam a dar aplicação devida ao bloqueio de ativos...; (ii) decisões que recusam autorização para inscrever o devedor (...) no cadastro de inadimplentes; (iii) decisões que alargam indevidamente as hipóteses de impenhorabilidade. O risco é o de se estabelecer um sistema de tutela executiva esquizofrênica: cioso de sua autoridade, mas incapaz de produzir resultados concretos".

Vale lembrar que a 3ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria algumas vezes, merecendo destaque os seguintes acórdãos:

"Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, as medidas de satisfação do crédito devem observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de forma a serem adotadas as providências mais eficazes e menos gravosas ao executado. Precedentes."

(AgInt no REsp 1837680 / SP, relator Ministro Moura Ribeiro).

"É possível ao juiz adotar meios executivos atípicos desde que, verificando se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio apto a cumprir a obrigação a ele imposta, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade". (AgInt no REsp 1837309 / SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino).

A data de 22/10/2020 é relevantíssima, pois marcará o início da consolidação do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre um dos temas mais polêmicos oriundos da vigência do CPC/15, qual seja, os limites de aplicação das medidas executivas atípicas do artigo 139, IV, do CPC/15.

__________

1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 ASSIS, Araken. Cabimento e adequação dos meios executórios atípicos; in Talamini, Eduardo; Minami, Marcos Youji (coordenadores). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. p. 127 e 131.

4 TALAMINI, Eduardo. Poder geral de adoção de medidas executivas e sua incidência nas diferentes modalidades de execução; in Talamini, Eduardo; Minami, Marcos Youji (coordenadores). Medidas Executivas Atípicas. Salvador: Juspodium, 2018. p. 31 e 56/57.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).