CPC na prática

Possibilidade de penhora e expropriação de bem indivisível: Quota-parte do terceiro assegurada por força do produto da alienação do bem

Possibilidade de penhora e expropriação de bem indivisível: Quota-parte do terceiro assegurada por força do produto da alienação do bem.

10/6/2021

O art. 655-B, do CPC/73 autorizava a penhora de bem indivisível, a assegurar a meação do cônjuge alheio à execução sobre o produto obtido com a alienação do bem1. O CPC/2015 aperfeiçoou tal regra por força do art. 843, para assegurar (i) não só a meação do cônjuge, mas também a quota-parte do coproprietário alheio à execução. Ainda, o (ii) § 2º do novel dispositivo passou a prever que o ato de expropriação sobre o bem indivisível não se materializará em valor inferior a avaliação correspondente a quota-parte do coproprietário2.

Em outras palavras, se o imóvel que o devedor detém 30% restar penhorado (sendo 70% pertencente a terceiro, alheio à execução), e avaliada a integralidade do bem em 100, a expropriação patrimonial há de respeitar a integralidade da avaliação correspondente a quota-parte do coproprietário. Logo, referido bem não poderá ser alienado por menos de 70, em relação a quota-parte do coproprietário.

Questão recentemente examinada pelo STJ diz respeito a fração da penhora do bem indivisível. Vale dizer, na medida em que autorizada a venda forçada da integralidade do bem (e sobre referido produto há de se assegurar a quota-parte devida ao coproprietário, alheio à execução), emergiu a controvérsia se aludida penhora há de incidir sobre a totalidade do bem (daí contemplando a quota-parte tanto do terceiro quanto do devedor) ou somente sobre o percentual de propriedade do devedor. Nesse sentido decidiu a terceira turma do E. STJ:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA. BEM IMÓVEL INDIVISÍVEL EM REGIME DE COPROPRIEDADE. ALIENAÇÃO JUDICIAL DO BEM POR INTEIRO. POSSIBILIDADE.

ART. 843 DO CPC/2015. CONSTRIÇÃO. LIMITES. QUOTA-PARTE TITULARIZADA PELO DEVEDOR.

1. Cumprimento de sentença em 10/04/2013. Recurso especial interposto em 01/04/2019 e concluso ao gabinete em 21/08/2019.

2. O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível – pertencente ao executado em regime de copropriedade –, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor.

3. O Código de Processo Civil de 2015, ao tratar da penhora e alienação judicial de bem indivisível, ampliou o regime anteriormente previsto no CPC/1973.

4. Sob o novo quadro normativo, é autorizada a alienação judicial do bem indivisível, em sua integralidade, em qualquer hipótese de copropriedade. Ademais, resguarda-se ao coproprietário alheio à execução o direito de preferência na arrematação do bem ou, caso não o queira, a compensação financeira pela sua quota-parte, agora apurada segundo o valor da avaliação, não mais sobre o preço obtido na alienação judicial (art. 843 do CPC/15).

5. Nesse novo regramento, a oposição de embargos de terceiro pelo cônjuge ou coproprietário que não seja devedor nem responsável pelo adimplemento da obrigação se tornou despicienda, na medida em que a lei os confere proteção automática. Basta, de fato, que sejam oportunamente intimados da penhora e da alienação judicial, na forma dos arts. 799, 842 e 889 do CPC/15, a fim de que lhes seja oportunizada a manifestação no processo, em respeito aos postulados do devido processo legal e do contraditório.

6. Ainda, a fim de que seja plenamente resguardado o interesse do coproprietário do bem indivisível alheio à execução, a própria penhora não pode avançar sobre o seu quinhão, devendo ficar adstrita à quota-parte titularizada pelo devedor.

7. Com efeito, a penhora é um ato de afetação, por meio do qual são individualizados, apreendidos e depositados bens do devedor, que ficarão à disposição do órgão judicial para realizar o objetivo da execução, que é a satisfação do credor.

8. Trata-se, pois, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor, que, à toda evidência, não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados.

9. Recurso especial conhecido e provido.

(STJ, REsp n. 1.818.926/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.04.2021, grifou-se)

O voto condutor, da lavra da ministra Nancy Andrighi, ponderou:

"(...) O propósito recursal consiste em dizer se, para que haja o leilão judicial da integralidade de bem imóvel indivisível – pertencente ao executado em regime de copropriedade –, é necessária a prévia penhora do bem por inteiro ou, de outro modo, se basta a penhora da quota-parte titularizada pelo devedor.

(...)

3. À época, a solução legal se focou na questão do devedor casado, incorporando-se ao CPC/73 o art. 655-B, que passou a autorizar a alienação, por inteiro, do bem indivisível de propriedade comum do devedor e seu cônjuge, protegendo-se a meação deste ao lhe ser destinado parte do valor auferido com a venda.

4. Veja-se o que dispunha o artigo:

"Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem”.

5. Consoante elucida a doutrina, o objetivo da norma em comento foi, à toda evidência, o de estimular a aquisição do bem indivisível no procedimento de alienação judicial, haja vista que a alternativa – qual seja, a criação de um condomínio entre o cônjuge alheio à execução e o adquirente – despertaria pouco ou quase nenhum interesse entre possíveis licitantes.

(...)

8. Sob o mesmo móvel de proporcionar mais efetividade à execução, ao passo em que se concilia o interesse de quem dela não participa, o Código de Processo Civil de 2015 conservou a norma ora em análise, e, indo além, a ampliou, a fim de abranger outras situações condominiais que não aquela decorrente do regime de casamento.

9. Com efeito, atualmente, por força do art. 843 do CPC/2015, é admitida a alienação integral do bem indivisível em qualquer hipótese de propriedade em comum, resguardando-se, ao coproprietário ou cônjuge alheio à execução, o equivalente em dinheiro da sua quota-parte no bem.

(...)

11. É de se notar, aliás, que o novo diploma processual, para além de estender as hipóteses em que admitida a expropriação de bem indiviso quando há coproprietário alheio à execução, também reforçou a proteção a esse terceiro que não é devedor nem responsável pelo pagamento do débito.

12. Por um lado, a Lei agora expressamente garante ao coproprietário direito de preferência na arrematação do bem, caso não queira perder sua propriedade mediante a compensação financeira (§ 1º).

13. Não exercendo tal direito, preserva-se hígido, ainda, o seu patrimônio, mediante a liquidação da sua quota-parte com base no valor da avaliação do imóvel (§ 2º), não mais segundo o preço obtido na alienação judicial, como ocorria no regime anterior.

14. Deveras, como já se pronunciou essa Corte, "essa nova disposição legal (...) amplia a proteção de coproprietários inalcançáveis pelo procedimento executivo, assegurando-lhes a manutenção integral de seu patrimônio, ainda que monetizado" (REsp 1.728.086/MS, 3ª Turma, DJe 03/09/2019, grifou-se).

(...)

22. Entrementes, impõe destacar que o pleno resguardo do interesse do coproprietário do bem indivisível – inclusive para o fim de tornar  desnecessária a oposição de embargos de terceiro –, exige, também, que a própria penhora não avance sobre seu quinhão, limitando-se à quota-parte titularizada pelo devedor.

23. De fato, não se pode olvidar que "a penhora é um ato de afetação porque sua imediata consequência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à disposição do órgão judicial para, à custa e mediante sacrifício desses bens, realizar o objetivo da execução, que é a função pública de dar satisfação ao credor" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, vol. II, 48ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 440, grifou-se).

24. O ato da penhora, efetivamente, importa individualização, apreensão e depósito dos bens do devedor (arts. 838 e 839 do CPC/15), e, uma vez aperfeiçoado, acarreta a indisponibilidade sobre os bens afetados à execução.

Trata-se, à toda evidência, de um gravame imposto pela atuação jurisdicional do Estado, com vistas à realização coercitiva do direito do credor.

25. Nessa ordem de ideias, é indubitável que esse gravame judicial não pode ultrapassar o patrimônio do executado ou de eventuais responsáveis pelo pagamento do débito, seja qual for a natureza dos bens alcançados.

26. Daí porque, mesmo em se tratando de bem indivisível, a penhora deve cingir-se à quota-parte pertencente ao devedor, pois somente esta está afetada à execução e, uma vez liquidada, é que se destinará ao pagamento do credor.

27. Ao coproprietário do bem indivisível até pode ser imposta a extinção do condomínio e a conversão de seu direito real de propriedade pelo equivalente em dinheiro – como visto, por uma necessidade de conferir eficiência ao processo executivo –, porém, até que isso ocorra, quando ultimada a alienação judicial, sua parcela do bem deve permanecer livre e desembaraçada.

28. Em resumo, como afirma Humberto THEODORO JÚNIOR, "a penhora (...) não vai além da quota ideal do executado. O imóvel é alienado judicialmente por inteiro, como meio de liquidar a quota penhorada" (op. cit., p. 512).

(...)

33. Como se observa, entendeu o Tribunal de origem que o fato de a penhora ter recaído apenas sobre a quota-parte da executada constituiria óbice à posterior alienação judicial do bem em sua integralidade.

34. Ocorre que, consoante discorrido neste voto, outra não poderia ser a extensão da penhora que não a precisa parcela pertencente à devedora.

35. Com efeito, como apenas o quinhão desta responde pela presente execução, não poderia a penhora recair sobre o bem por inteiro, porquanto isso implicaria injusto e desnecessário gravame à quota da coproprietária, até que fosse efetivada a alienação judicial e, com isso, se lhe entregasse o equivalente monetário.

36. Dessa maneira, não subsiste, na espécie, o mencionado impedimento à alienação do imóvel como um todo, sendo de rigor, portanto, o acolhimento do presente recurso especial.

(...)"

(STJ, REsp n. 1.818.926/DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 13.04.2021, grifou-se).

Portanto, a despeito da ausência de previsão legal quanto a controvérsia ora posta, a interpretação dada pela terceira turma do STJ (i) autoriza a penhora limitada ao quinhão pertencente ao devedor, (ii) muito embora, quando da alienação judicial, esta terá o efeito de contemplar a integralidade do bem penhorado, a daí também englobar a quota-parte do coproprietário alheio à execução, assegurado ao mesmo o recebimento integral de seu respectivo quinhão, na proporção da avaliação judicial.

__________

1 "Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem." 

2 "§ 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições. § 2º Não será levada a efeito expropriação por preço inferior ao da avaliação na qual o valor auferido seja incapaz de garantir, ao coproprietário ou ao cônjuge alheio à execução, o correspondente à sua quota-parte calculado sobre o valor da avaliação."
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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).