CPC na prática

Ainda sobre o feriado local e sua comprovação pela juntada do calendário do Tribunal de origem

Professor Rogerio Mollica demonstra o entendimento divergente de nossas Cortes Superiores quanto a forma de comprovação do feriado local.

9/6/2022

A comprovação do Feriado Local é uma das muitas armadilhas que vêm atormentando os advogados. A grande conquista da advocacia com a contagem dos prazos processuais em dias úteis pode virar um pesadelo. Dada a importância do tema, ele já foi objeto de três artigos de minha autoria nessa coluna1.

Apesar da primazia do julgamento de mérito ser um dos pilares do Código de Processo Civil de 2.015, do entendimento de nossa melhor doutrina quanto a possibilidade de comprovação posterior do feriado local2 e do Enunciado nº 663 do Conselho da Justiça Federal, tal entendimento restou vencido no Superior Tribunal de Justiça.

Sendo necessária a comprovação quando da interposição do recurso, dúvida passou a surgir sobre a melhor forma de atestar a existência do feriado local. A mais comum e mais simples seria a juntada do calendário do Tribunal Local atestando os dias em que teríamos feriados.   

Tal forma de comprovação restou em xeque após o recentíssimo julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NÃO CONHECEU DO RECLAMO EM RAZÃO DA INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE REQUERIDA.

1. É intempestivo o recurso especial interposto após o prazo de 15 (quinze) dias úteis previsto nos artigos 219 e 1.003, § 5º, do CPC/15.

2. De acordo com a jurisprudência do STJ, o dia de Corpus Christi é feriado local, porquanto não previsto em lei federal, razão pela qual a ausência de expediente forense em tal data deve ser comprovada pela parte recorrente, no momento da interposição do recurso, por meio de documento idôneo, o que não ocorreu no presente caso.

3. A juntada de calendário extraído de página da Corte de origem mantida em rede mundial de computadores não se revela como documento idôneo a ensejar a comprovação da existência do aludido feriado, na medida em que, para tanto, é necessária a juntada de cópia de lei ou de ato administrativo que ateste, de modo inequívoco, a ausência de expediente forense na data em questão. Precedentes.

4. Agravo interno desprovido.” (g.n.)

(AgInt no AREsp n. 1.779.552/GO, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 6/5/2022.)

Desse modo, a simples comprovação pela juntada do calendário do tribunal de origem não seria suficiente, sendo necessária a juntada de “lei ou ato administrativo que ateste, de modo inequívoco, a ausência de expediente forense na data em questão."

Esse mesmo entendimento vinha sendo manifestado pela Terceira Turma da Corte:

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INTEMPESTIVIDADE. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. DOCUMENTO IDÔNEO. NECESSIDADE. CALENDÁRIO. TRIBUNAL. INVIABILIDADE.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. É intempestivo o recurso especial protocolizado após o prazo de 15 (quinze) dias, de acordo com o artigo 1.003, § 5º, c/c artigo 219, caput, do CPC/2015.

3. O Superior Tribunal de Justiça entende que a existência de feriado local, paralisação ou interrupção de expediente forense deve ser demonstrada por documento oficial ou certidão expedida pelo tribunal de origem que comprove o período em que ocorreu eventual suspensão de prazos, não servindo cópia do calendário do Poder Judiciário extraído da internet. Precedentes.

4. Agravo interno não provido" (g.n.)

(AgInt no AREsp n. 1.499.001/GO, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 28/3/2022, DJe de 31/3/2022.)

Entretanto, em julgado mais recente, a Terceira Turma, por unanimidade, reviu seu posicionamento e passou a aceitar a comprovação pela juntada do calendário do Tribunal de origem:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE RECURSAL. CALENDÁRIO DO PODER JUDICIÁRIO OBTIDO NA PÁGINA ELETRÔNICA DO TRIBUNAL DE ORIGEM. DOCUMENTO IDÔNEO PARA A COMPROVAÇÃO DE FERIADO LOCAL, NA FORMA DO § 6º DO ART. 1.003 DO CPC/2015. PRECEDENTE DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXISTÊNCIA DE VÍCIO NA DECISÃO EMBARGADA. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES.

1. Consoante dispõe o art. 1.022 do CPC/2015, destinam-se os embargos de declaração a expungir do julgado eventual omissão, obscuridade, contradição ou erro material, não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa.

2. Existência de vício no acórdão embargado, que, ao ratificar decisão da Presidência do STJ, ignorou a adequada comprovação da tempestividade recursal.

3. Apresentação, no ato de interposição do recurso especial, de cópia do calendário oficial obtido na página eletrônica do tribunal de origem, em que detalhados todos os feriados locais observados pelo Poder Judiciário estadual, documento que se revela perfeitamente apto à comprovação exigida pelo § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, tal como decidido pelo colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RMS n. 36.114/AM.

4 . Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes." (g.n.)

(EDcl no AgInt no AREsp n. 1.526.182/SE, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 26/5/2022.)

No Recurso Ordinário em Mandado de Segurança citado (RMS 36.114/AM) a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que "O calendário judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas – o qual instruiu o recurso –, aprovado por meio da Portaria nº 1.930/2015-PTJ, mostrou-se idôneo à elucidação pretendida, reforçada pelo crivo positivo de admissibilidade do Colegiado de origem."

Portanto, denota-se que a questão ainda está longe de ser pacificada por nossas Cortes Superiores, cabendo aos operadores serem cautelosos e comprovarem sempre a existência do feriado local por meio da juntada da lei ou ato administrativo que ateste, de modo inequívoco, a ausência de expediente forense na data em questão. 

__________

1 Colunas de 6/7/2017, 25/10/2018 e 6/2/2020.

2 Neste sentido: Luis Guilherme Aidar Bondioli (Comentários ao Código de Processo Civil – arts. 994 a 1.044, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 68); Daniel Amorim Assumpção Neves (Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo, Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.654); Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed., São Paulo, RT, 2016, p. 1063); Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cássio Scarpinella Bueno, v. 4, São Paulo: saraiva, 2017, p. 377).

3 Enunciado nº 66: "Admite-se a correção da falta de comprovação do feriado local ou da suspensão do expediente forense, posteriormente à interposição do recurso, com fundamento no art. 932, parágrafo único, do CPC."

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).