CPC na prática

Posições do STJ sobre a homologação da sentença arbitral estrangeira

Quando uma sentença arbitral precisa ser reconhecida como válida e exequível no Brasil, geralmente o STJ verifica apenas se aspectos formais estão atendidos e se o devido processo legal foi observado no procedimento arbitral que gerou o título a ser executado no Brasil.

28/9/2023

O Brasil, através da lei 9.307/96, com as alterações da lei 13.129/15, estabeleceu bases sólidas para a resolução de disputas por intermédio do modelo arbitral.

O próprio Código de Processo Civil de 2015 ("CPC") é um entusiasta da possibilidade de soluções de disputas através dos famosos meios alternativos, dentre eles a arbitragem, conforme se denota da leitura do seu artigo 3º.

Em especial quando a arbitragem ocorre em um órgão julgador estrangeiro, é importante se analisar os termos dos artigos 15 e 960 e seguintes do CPC, os quais cuidam dos requisitos para a homologação de sentença estrangeira pelo STJ.

Além disso, importante analisar também os termos das convenções internacionais nas quais o Brasil é signatário, dentre elas a famosa Convenção de Nova Iorque de 1958, reconhecida como válida no Brasil através do decreto 4.311/2002.

Quando uma sentença arbitral precisa ser reconhecida como válida e exequível no Brasil, geralmente o STJ, através do procedimento previsto nos artigos 960 e seguintes do CPC, verifica apenas se aspectos formais estão atendidos e se o devido processo legal foi observado no procedimento arbitral que gerou o título a ser executado no Brasil.

Veja-se, em recente julgado abaixo, a posição que predomina em nossa Corte Superior:

"3. Nos termos dos artigos 15 e 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, 963 a 965 do CPC/2015, 216-C, 216-D e 216-F do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que, atualmente, disciplinam o procedimento de homologação de sentença estrangeira, constituem requisitos ao seu deferimento: (i) instrução da petição inicial com o original ou cópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira; (ii) haver a sentença sido proferida por autoridade competente; (iii) terem as partes sido regularmente citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; (iv) ter a sentença transitado em julgado; (v) não ofender a soberania, a dignidade da pessoa humana, ordem pública ou os bons costumes.

4. A argumentação apresentada pelo agravante quanto à suposta ineficácia da cláusula compromissória diz respeito ao mérito.

Todavia, em se considerando que o ordenamento jurídico pátrio adota o sistema de delibação na análise do pedido de homologação de sentença estrangeira, há que se verificar apenas a presença dos requisitos formais, não cabendo a esta Corte se debruçar sobre a matéria de mérito e tampouco revisar o posicionamento ali adotado pelo juízo arbitral. Precedentes”. (AgInt na HDE 6347 / EX - Agravo Interno na Homologação de Decisão Estrangeira).

Nos próprios termos do artigo 963 do CPC, é condição essencial para a homologação da sentença estrangeira: (i) ser proferida por autoridade competente; (ii) ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia; (iii) ser eficaz no país em que foi proferida; (iv) não ofender a coisa julgada brasileira; (v) estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado; e (vi) não conter manifesta ofensa à ordem pública.

O artigo 26 do CPC, ainda que trate do instituto da cooperação jurídica internacional, pode ser útil na tentativa de se extrair o significado, para fins processuais, de ordem pública, na medida que se exige: (i) respeito às garantias do devido processo legal; e (ii) proibição da prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro.

Mais uma vez, em recente julgado, o STJ manifesta que a sentença arbitral estrangeira apenas não deve ser homologada em casos excepcionais, de real colidência com a ordem pública ou por falta de observância de requisitos exigidos pela lei processual:   

"DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA CONTESTADA. ORIUNDA DE CORTE ARBITRAL EM ROMA, ITÁLIA. ARTS. 15 E 17 DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. ARTS. 960 E SEGUINTES DO CPC/2015. ARTS. 216-C, 216-D E 216-F DO RISTJ. ARTS. 37 A 39 DA LEI N. 9.307/1996. REQUISITOS ATENDIDOS.

PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA DEFERIDO.

1. A homologação de decisões estrangeiras pelo Poder Judiciário possui previsão na Constituição Federal de 1988 e, desde 2004, está outorgada ao Superior Tribunal de Justiça, que a realiza com atenção aos ditames dos arts. 15 e 17 do Decreto-Lei n. 4.657/1942 (LINDB), 216-A e seguintes do RISTJ e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 960 e seguintes).

2. São requisitos para homologação de sentença estrangeira: (i) instrução da petição inicial com o original ou cópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados por autoridade consular brasileira; (ii) haver sido a sentença proferida por autoridade competente; (iii) terem as partes sido regularmente citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; (iv) ter a sentença transitado em julgado; e (v) inexistir ofensa à soberania, à dignidade da pessoa humana e/ou à ordem pública.

3. Cuidando-se de pedido de homologação de sentença estrangeira arbitral, o pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira deve atender à forma do art. 37 da Lei n. 9.307/1996, somente podendo ser negado nos casos previstos nos arts. 38 e 39 da citada lei.

4. Contestação que se volta contra aspectos de mérito da sentença, que escapam à estreita via do juízo de delibação sufragado pelo sistema brasileiro. Precedentes do STJ.

5. Requisitos legais da homologação atendidos.

6. Pedido de homologação de sentença estrangeira deferido”. (HDE 7488 / EX Homologação de Decisão Estrangeira).

Todavia, já houve situações, ainda que não tão frequentes, em que o STJ deixou de homologar plenamente a sentença arbitral estrangeira, justamente por entender que uma questão de ordem pública não teria sido observada.

Em cerca de 57 acórdãos analisados, obtidos através da pesquisa "sentença" e "arbitral" e "estrangeira" e "ordem pública", apenas 7 cuidam da não homologação plena da sentença arbitral. Os casos seriam os seguintes: (i) SEC 14385 / EX; (ii) SEC 9412 / EX; (iii) SEC 2410 / EX; (iv) SEC 269 / RU; (v) SEC 978 / GB; (vi) SEC 866 / GB; e (vii) SEC 967 / GB.

Nesses casos, a comprovação de parcialidade do árbitro, a ausência de citação de uma das partes e a ausência de anuência expressa à cláusula de arbitragem foram apontados como elementos nucleares para a não homologação da sentença estrangeira. Veja-se alguns exemplos:

"1. O procedimento de homologação de sentença estrangeira não autoriza o reexame do mérito da decisão homologanda, excepcionadas as hipóteses em que se configurar afronta à soberania nacional ou à ordem pública. Dado o caráter indeterminado de tais conceitos, para não subverter o papel homologatório do STJ, deve-se interpretá-los de modo a repelir apenas aqueles atos e efeitos jurídicos absolutamente incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro.

2. A prerrogativa da imparcialidade do julgador é uma das garantias que resultam do postulado do devido processo legal, matéria que não preclui e é aplicável à arbitragem, mercê de sua natureza jurisdicional. A inobservância dessa prerrogativa ofende, diretamente, a ordem pública nacional, razão pela qual a decisão proferida pela Justiça alienígena, à luz de sua própria legislação, não obsta o exame da matéria pelo STJ.

3. Ofende a ordem pública nacional a sentença arbitral emanada de árbitro que tenha, com as partes ou com o litígio, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes (arts. 14 e 32, II, da Lei n. 9.307/1996).

4. Dada a natureza contratual da arbitragem, que põe em relevo a confiança fiducial entre as partes e a figura do árbitro, a violação por este do dever de revelação de quaisquer circunstâncias passíveis de, razoavelmente, gerar dúvida sobre sua imparcialidade e independência, obsta a homologação da sentença arbitral.

5. Estabelecida a observância do direito brasileiro quanto à indenização, extrapola os limites da convenção a sentença arbitral que a fixa com base na avaliação financeira do negócio, ao invés de considerar a extensão do dano.

6. Sentenças estrangeiras não homologadas". (SEC 9412 / EX).

"SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. AUSÊNCIA DE ASSINATURA. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

1. "A inequívoca demonstração da manifestação de vontade de a parte aderir e constituir o Juízo arbitral ofende à ordem pública, porquanto afronta princípio insculpido em nosso ordenamento jurídico, que exige aceitação expressa das partes por submeterem a solução dos conflitos surgidos nos negócios jurídicos contratuais privados arbitragem." (SEC nº 967/GB, Relator Ministro José Delgado, in DJ 20/3/2006).

2. A falta de assinatura na cláusula de eleição do juízo arbitral contida no contrato de compra e venda, no seu termo aditivo e na indicação de árbitro em nome da requerida exclui a pretensão homologatória, enquanto ofende o artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei nº 9.307/96, o princípio da autonomia da vontade e a ordem pública brasileira.

3. Pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira indeferido." (SEC 978 / GB).

A posição do STJ busca prestigiar, em geral, as sentenças arbitrais proferidas no exterior, em homenagem ao modelo de solução de disputas que foi eleito pelas partes em determinado caso concreto. Todavia, a nossa Corte Superior, em homenagem à ordem pública protegida no CPC, já sinalizou, em alguns excepcionais casos, que a sentença arbitral estrangeira não pode desconsiderar o devido processo legal e os princípios estruturantes básicos que conferem segurança às partes quando da resolução de uma disputa através do instituto da arbitragem.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).