O art. 323 do CPC é expresso em autorizar que “(...) nas ações destinadas ao cumprimento de obrigação de prestações sucessivas, estas serão incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar o obrigação se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.”.
A despeito de aludida regra encontrar-se disciplinada no Livro I, Título I (do procedimento comum), da Parte Especial do CPC que regula o chamado processo de conhecimento, dúvidas surgiram se a inteligência do dispositivo se aplicaria ao processo de execução e também ao bojo da ação de despejo por falta de pagamento.
A resposta à aludida indagação é afirmativa no tocante à execução, porquanto o art. 771, parágrafo único, do CPC, ao tratar das disposições gerais ao processo executivo é expresso em dizer que “(...) aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.” de sorte que nos artigos seguintes que regulam a execução não preveem disposição em contrário a redação do art. 323.
De sorte que a dúvida chegou a ser questionada junto ao STJ e, por outros fundamentos, corroborou o entendimento de aplicação do art. 323 do CPC, desta feita em análise específica à ação de despejo por falta de pagamento:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. COBRANÇA. ALUGUÉIS. ENCARGOS. PRESTAÇÕES SUCESSIVAS. VENCIDAS E VINCENDAS. INCLUSÃO NA CONDENAÇÃO. PETIÇÃO INICIAL. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA. ARTIGO 323 DO CPC. APLICABILIDADE.
1. Cuida-se de recurso especial que se insurge contra acórdão que indeferiu pedido de inclusão, na condenação, dos encargos locatícios vencidos durante o processo, sob o fundamento de que tal medida exigiria pedido pormenorizado na inicial ou no curso da demanda.
2. A controvérsia dos autos está em definir se é possível incluir na condenação todos os encargos locatícios vencidos e vincendos até a efetiva desocupação do imóvel, mesmo aqueles não discriminados de forma pormenorizada na petição inicial.
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a pretensão exposta na petição inicial deve ser analisada a partir de uma interpretação lógico-sistemática, que leva em conta todo o conteúdo da exordial, e não apenas o capítulo destinado à formulação dos pedidos.
4. O art. 323 do CPC é aplicável às prestações periódicas relativas aos encargos locatícios, de modo que deve ser considerado implícito o pedido de condenação às parcelas vencidas no curso da demanda.
5. Recurso especial provido.”
(STJ, Resp n. 2091358/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 17/09/2025, v.u. grifou-se)
O voto condutor bem ponderou:
“(...)
2. Da delimitação da controvérsia recursal
A controvérsia dos autos está em definir se é possível incluir na condenação todos os encargos locatícios vencidos e vincendos até a efetiva desocupação do imóvel, mesmo aqueles não discriminados de forma pormenorizada na petição inicial.
(...)
De plano, nota-se que o art. 323 do CPC, correspondente ao art. 290 do CPC /1973, é claro ao estabelecer que, nas ações que tiverem por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, estas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor.
No caso em tela, a relação jurídica subjacente é um contrato de locação, que, por sua natureza, compreende prestações de trato sucessivo, quais sejam, os aluguéis e os demais encargos contratuais devidos pelo locatário, de modo que perfeitamente enquadráveis na citada disciplina legal.
Ademais, a proibição da inclusão dos débitos relativos aos locatícios e demais encargos vencidos no decorrer da execução e não pagos pelo locatário, operada pelo Tribunal local, acarretará o ajuizamento de novas demandas posteriores, com base na mesma relação de direito material e no mesmo contrato. Tal cenário, além de fomentar a litigiosidade, seria manifestamente contrário aos princípios da efetividade e da economia processual.
(...)
A jurisprudência desta Corte Superior, ainda que sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, já se manifestou nesse sentido, consagrando o entendimento de que o art. 290 do CPC/1973 (correspondente ao art. 323 do CPC/2015) é aplicável às obrigações decorrentes de contrato de locação, incluindo-se na condenação as prestações vencidas após o ingresso em juízo até o efetivo desapossamento do bem. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE DESPEJO. CONDENAÇÃO PARA PAGAMENTO DE MULTAS CONTRATUAIS E ALUGUEIS VINCENDOS. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. DECISÃO RECORRIDA EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA Nº 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. O julgamento não se mostra extra petita quando o juiz promove uma interpretação lógico-sistemática dos pedidos deduzidos, ainda que não expressamente formulados pela parte.
3. A decisão objeto desta irresignação encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, que admite, nos termos do art. 290 do CPC/73, a inclusão das parcelas vincendas na condenação.
4. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo interno não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.
5. Agravo interno não provido".
(AgInt no REsp n. 1.523.945/BA, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 1/12/2016, DJe de 19/12/2016 - grifou-se)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO E COBRANÇA DE ENCARGOS DA LOCAÇÃO. INCLUSÃO DAS PARCELAS VENCIDAS NO CURSO DO PROCESSO. ART. 290 DO CPC. PEDIDO IMPLÍCITO. INOCORRÊNCIA DE JULGAMENTO ALÉM DOS LIMITES DO PEDIDO. FIADORES. LEGITIMIDADE. PRORROGAÇÃO CONTRATUAL AUTOMÁTICA. RESPONSABILIDADE ASSUMIDA ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES.
1. A jurisprudência desta Corte orienta que deve ser considerada implícita no pedido a condenação nas parcelas vencidas no curso da lide, nos termos do artigo 290 do Código de Processo Civil.
2. Na prorrogação do contrato de locação, havendo cláusula expressa de responsabilidade do fiador após a prorrogação do contrato, esse deverá responder pelas obrigações posteriores, a menos que tenha se exonerado na forma dos artigos 1.500 do Código Civil de 1916 ou 835 do Código Civil vigente.
3. Agravo regimental a que se nega provimento". (AgRg no AREsp n. 800.058/PR, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 15/12/2015, DJe de 1/2/2016 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. INCLUSÃO DOS ALUGUÉIS VENCIDOS INADIMPLIDOS NO CURSO DA DEMANDA. ART. 290 DO CPC. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DÚVIDAS QUANTO AOS VALORES INADIMPLIDOS DEVIDOS.
1. Incluem-se na execução os débitos locatícios vencidos e inadimplidos no decorrer da demanda, nos termos do art. 290 do CPC.
2. Entendimento a que se chega ante a aplicação do art. 598 do CPC e a consagração dos princípios da celeridade e economia processual.
3. Recurso especial provido".
(REsp n. 1.390.324/DF, relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 2/9/2014, DJe de 9/9/2014 - grifou-se)
O mesmo entendimento deve prevalecer com o advento do CPC/2015, pois a mudança foi meramente redacional, preservando o espírito original da lei.
Em face do exposto, não há qualquer óbice para fazer incidir o disposto no art. 323 do CPC para que as prestações periódicas relativas aos encargos locatícios sejam consideradas incluídas na condenação, independentemente de pedido pormenorizado do autor na inicial ou no curso da demanda.
(STJ, Resp n. 2091358/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 17/09/2025, v.u. grifou-se)
A decisão supra correta pois não obstante a expressa disposição do art. 323 do CPC, a inteligência de aludido dispositivo se presta a evitar o ajuizamento sucessivo de demandas referentes a cada parcela vincenda (e vencida no curso da demanda originária), o que demandaria a repetição de atos processuais a exemplo da citação, contestação, réplica e até mesmo instrução processual, fato deste indesejável a efetividade da tutela jurisdicional.