CPC na prática

A possibilidade de inclusão de parcelas vincendas em ação de despejo, ainda que não haja pedido explícito

O professor Daniel Penteado de Castro, tece considerações sobre o recente julgado do STJ que autorizou a cobrança de parcelas vincendas em ação de despejo por falta de pagamento ainda que não discriminados de forma pormenorizada na petição inicial.

4/12/2025

O art. 323 do CPC é expresso em autorizar que “(...) nas ações destinadas ao cumprimento de obrigação de prestações sucessivas, estas serão incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor, e serão incluídas na condenação, enquanto durar o obrigação se o devedor, no curso do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las.”.

A despeito de aludida regra encontrar-se disciplinada no Livro I, Título I (do procedimento comum), da Parte Especial do CPC que regula o chamado processo de conhecimento, dúvidas surgiram se a inteligência do dispositivo se aplicaria ao processo de execução e também ao bojo da ação de despejo por falta de pagamento.

A resposta à aludida indagação é afirmativa no tocante à execução, porquanto o art. 771, parágrafo único, do CPC, ao tratar das disposições gerais ao processo executivo é expresso em dizer que “(...) aplicam-se subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial.” de sorte que nos artigos seguintes que regulam a execução não preveem disposição em contrário a redação do art. 323.

De sorte que a dúvida chegou a ser questionada junto ao STJ e, por outros fundamentos, corroborou o entendimento de aplicação do art. 323 do CPC, desta feita em análise específica à ação de despejo por falta de pagamento:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. COBRANÇA. ALUGUÉIS. ENCARGOS. PRESTAÇÕES SUCESSIVAS. VENCIDAS E VINCENDAS. INCLUSÃO NA CONDENAÇÃO. PETIÇÃO INICIAL. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA. ARTIGO 323 DO CPC. APLICABILIDADE.

1. Cuida-se de recurso especial que se insurge contra acórdão que indeferiu pedido de inclusão, na condenação, dos encargos locatícios vencidos durante o processo, sob o fundamento de que tal medida exigiria pedido pormenorizado na inicial ou no curso da demanda.

2. A controvérsia dos autos está em definir se é possível incluir na condenação todos os encargos locatícios vencidos e vincendos até a efetiva desocupação do imóvel, mesmo aqueles não discriminados de forma pormenorizada na petição inicial.

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a pretensão exposta na petição inicial deve ser analisada a partir de uma interpretação lógico-sistemática, que leva em conta todo o conteúdo da exordial, e não apenas o capítulo destinado à formulação dos pedidos.

4. O art. 323 do CPC é aplicável às prestações periódicas relativas aos encargos locatícios, de modo que deve ser considerado implícito o pedido de condenação às parcelas vencidas no curso da demanda.

5. Recurso especial provido.”

(STJ, Resp n. 2091358/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 17/09/2025, v.u. grifou-se)

O voto condutor bem ponderou:

“(...)

2. Da delimitação da controvérsia recursal

A controvérsia dos autos está em definir se é possível incluir na condenação todos os encargos locatícios vencidos e vincendos até a efetiva desocupação do imóvel, mesmo aqueles não discriminados de forma pormenorizada na petição inicial.

(...)

De plano, nota-se que o art. 323 do CPC, correspondente ao art. 290 do CPC /1973, é claro ao estabelecer que, nas ações que tiverem por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, estas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor.

No caso em tela, a relação jurídica subjacente é um contrato de locação, que, por sua natureza, compreende prestações de trato sucessivo, quais sejam, os aluguéis e os demais encargos contratuais devidos pelo locatário, de modo que perfeitamente enquadráveis na citada disciplina legal.

Ademais, a proibição da inclusão dos débitos relativos aos locatícios e demais encargos vencidos no decorrer da execução e não pagos pelo locatário, operada pelo Tribunal local, acarretará o ajuizamento de novas demandas posteriores, com base na mesma relação de direito material e no mesmo contrato. Tal cenário, além de fomentar a litigiosidade, seria manifestamente contrário aos princípios da efetividade e da economia processual.

(...)

A jurisprudência desta Corte Superior, ainda que sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, já se manifestou nesse sentido, consagrando o entendimento de que o art. 290 do CPC/1973 (correspondente ao art. 323 do CPC/2015) é aplicável às obrigações decorrentes de contrato de locação, incluindo-se na condenação as prestações vencidas após o ingresso em juízo até o efetivo desapossamento do bem. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE DESPEJO. CONDENAÇÃO PARA PAGAMENTO DE MULTAS CONTRATUAIS E ALUGUEIS VINCENDOS. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. DECISÃO RECORRIDA EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA Nº 83 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. O julgamento não se mostra extra petita quando o juiz promove uma interpretação lógico-sistemática dos pedidos deduzidos, ainda que não expressamente formulados pela parte.

3. A decisão objeto desta irresignação encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, que admite, nos termos do art. 290 do CPC/73, a inclusão das parcelas vincendas na condenação.

4. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo interno não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.

5. Agravo interno não provido".

(AgInt no REsp n. 1.523.945/BA, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 1/12/2016, DJe de 19/12/2016 - grifou-se)

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DESPEJO E COBRANÇA DE ENCARGOS DA LOCAÇÃO. INCLUSÃO DAS PARCELAS VENCIDAS NO CURSO DO PROCESSO. ART. 290 DO CPC. PEDIDO IMPLÍCITO. INOCORRÊNCIA DE JULGAMENTO ALÉM DOS LIMITES DO PEDIDO. FIADORES. LEGITIMIDADE. PRORROGAÇÃO CONTRATUAL AUTOMÁTICA. RESPONSABILIDADE ASSUMIDA ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES.

1. A jurisprudência desta Corte orienta que deve ser considerada implícita no pedido a condenação nas parcelas vencidas no curso da lide, nos termos do artigo 290 do Código de Processo Civil.

2. Na prorrogação do contrato de locação, havendo cláusula expressa de responsabilidade do fiador após a prorrogação do contrato, esse deverá responder pelas obrigações posteriores, a menos que tenha se exonerado na forma dos artigos 1.500 do Código Civil de 1916 ou 835 do Código Civil vigente.

3. Agravo regimental a que se nega provimento". (AgRg no AREsp n. 800.058/PR, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 15/12/2015, DJe de 1/2/2016 - grifou-se) 

"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. INCLUSÃO DOS ALUGUÉIS VENCIDOS INADIMPLIDOS NO CURSO DA DEMANDA. ART. 290 DO CPC. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DÚVIDAS QUANTO AOS VALORES INADIMPLIDOS DEVIDOS.

 1. Incluem-se na execução os débitos locatícios vencidos e inadimplidos no decorrer da demanda, nos termos do art. 290 do CPC.

2. Entendimento a que se chega ante a aplicação do art. 598 do CPC e a consagração dos princípios da celeridade e economia processual. 

3. Recurso especial provido".

(REsp n. 1.390.324/DF, relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 2/9/2014, DJe de 9/9/2014 - grifou-se)

O mesmo entendimento deve prevalecer com o advento do CPC/2015, pois a mudança foi meramente redacional, preservando o espírito original da lei.

Em face do exposto, não há qualquer óbice para fazer incidir o disposto no art. 323 do CPC para que as prestações periódicas relativas aos encargos locatícios sejam consideradas incluídas na condenação, independentemente de pedido pormenorizado do autor na inicial ou no curso da demanda.

(STJ, Resp n. 2091358/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 17/09/2025, v.u. grifou-se)

A decisão supra correta pois não obstante a expressa disposição do art. 323 do CPC, a inteligência de aludido dispositivo se presta a evitar o ajuizamento sucessivo de demandas referentes a cada parcela vincenda (e vencida no curso da demanda originária), o que demandaria a repetição de atos processuais a exemplo da citação, contestação, réplica e até mesmo instrução processual, fato deste indesejável a efetividade da tutela jurisdicional.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil nas Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa (2015), da Universidade de Coimbra/IGC (2019) e da Universidade de Salamanca (2022). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil, com Pós Doutorado pela Unimar (2023/2024). Pós Doutorado em Direito Processual Civil na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial (2012) e Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Chambers, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2025), tendo sido Vice Presidente nas gestões 2019/2024. Presidente da Comissão de Processo Empresarial do IASP (desde 2025). Presidente da Comissão de Processo Civil da OABSP-Pinheiros (desde 2013). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor de 2013 a 2023. Conselheiro da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do IBDP e do CBar. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do CFOAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021), Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021) e Presidente da Comissão de Direito de Energia do IASP (2013/2024).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).