Dados Públicos

Privacidade à venda? Geração Z parece estar pronta para transformar privacidade em renda

Vender dados pessoais: tabu para uns, negócio para outros. A Geração Z transforma privacidade em ativo, desafiando leis e ética na era digital. O futuro da economia já cobra essa conta.

29/5/2025

Você já pensou em "vender" seus dados pessoais? Para muitos de nós da Geração X, titios cringes, essa ideia pode soar como um pesadelo distópico. No entanto, para a Geração Z, isso pode estar se tornando uma realidade cada vez mais comum - e lucrativa.

A ideia de que dados pessoais podem ser transformados em uma fonte legítima de renda pessoal não é nova, mas ganha contornos cada vez mais concretos no contexto contemporâneo, especialmente entre os membros da chamada Geração Z. Nativos digitais, hiperconectados e pragmáticos, esses jovens não apenas reconhecem o valor econômico de suas informações pessoais, como também estão dispostos a negociar diretamente sua privacidade em troca de benefícios concretos. A depender da perspectiva adotada, esse comportamento pode ser visto como empoderamento ou como sinal de uma nova forma de vulnerabilidade.

Uma reportagem publicada recentemente1 é ilustrativa: enquanto as gerações anteriores viam a proteção da privacidade como imperativo ético, a Geração Z parece compreender seus dados como ativos econômicos intercambiáveis, integrando-os de forma consciente em contratos de consumo e plataformas digitais. Para eles, não se trata mais de resistir à coleta de dados, mas de negociar sua entrega — desde que devidamente remunerados por isso.

De fato, muitos jovens americanos consideram que compartilhar dados é o preço a se pagar por estar online. Eles já entregam seus dados gratuitamente — e estão ainda mais dispostos a compartilhá-los em troca de dinheiro. Eis alguns números:

Essa mudança de paradigma desafia os marcos regulatórios tradicionais, desenhados com o pressuposto de que os dados pessoais são uma extensão da personalidade e, portanto, inalienáveis.No Brasil, a LGPD consagra o princípio da autodeterminação informacional (art. 2º, II), reconhecendo ao titular o poder de decidir sobre o tratamento de seus dados. Contudo, a legislação ainda não dispõe de maneira clara sobre os limites e possibilidades da monetização voluntária dessas informações.

O reconhecimento de um modelo de monetização direta dos dados pessoais pelo titular, embora controverso, não é necessariamente incompatível com os princípios da LGPD, desde que asseguradas condições mínimas de liberdade real de escolha, transparência, proporcionalidade e justiça social. Isso exige, por exemplo, que os titulares não sejam coagidos a “vender” seus dados por ausência de alternativas reais — situação que colocaria em xeque a validade do consentimento.Na União Europeia, por exemplo, embora a lógica predominante seja a da inalienabilidade, a Diretiva de Conteúdo Digital (Diretiva (UE) 19/770) da União Europeia4 deu um passo relevante ao reconhecer que dados pessoais podem funcionar como moeda de troca em contratos de conteúdo digital. Esse cenário revela não apenas uma evolução nas expectativas dos consumidores, mas também um chamado para que empresas e reguladores repensem a relação entre tecnologia, privacidade e valor.

Nesse contexto, surgem pelo menos duas indagações urgentes e relevantes: a) Estamos testemunhando o nascimento de um novo mercado onde indivíduos monetizam diretamente seus próprios dados? b) Como as empresas devem se adaptar a um cenário onde os usuários esperam obter uma compensação direta pelo uso de seus dados?

Por outro lado, não se pode ignorar os enormes desafios éticos, técnicos e econômicos que irão surgir dessa ruptura geracional sobre a questão da monetização direta dos dados pessoais. Se a sua exploração for mesmo inevitável, ela deve ser regulada com rigor técnico e sensibilidade ética. Ao que parece, o futuro da economia digital passa, necessariamente, pela adoção de modelos regulatórios que compatibilizem a proteção dos direitos informacionais dos usuários com o respeito à sua autonomia de decisão sobre a exploração econômica dos próprios dados pessoais.

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1 Disponível aqui. Com acesso em 22/5/25

2 Abordei essa questão com mais detalhes Disponível aqui. Com acesso em 22/5/25

3 Abordei essa questão com mais detalhes. Disponível aqui. Com acesso em 22/5/25

4 União Europeia. Diretiva (UE) 2019/770 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a determinados aspetos dos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais. Jornal Oficial da União Europeia, L 136, 22.5.2019, p. 1–27.

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Alisson Possa Advogado. Mestre em Direito Constitucional. Doutorando em Direito. Professor do IBMEC e IDP. Membro da Comissão de Proteção de Dados da Corregedoria do CNJ.

Fabrício da Mota Alves é advogado e professor. Sócio do Serur Advogados na área de Direito Digital. Presidente do Conselho Consultivo da ANATEL e vice-presidente da Comissão de Direito Digital da OAB. Coordenador-adjunto do Observatório Nacional de Cibersegurança, IA e Proteção de Dados. Ex-conselheiro do CNPD/ANPD e membro da Comissão de Juristas de IA no Senado. Certificado como DPO (ECPC-B) e Lead Implementer (ISO 27701).

Rodrigo Borges Valadão é procurador do Estado do Rio de Janeiro. Membro Conselho Nacional de Proteção de Dados e da Privacidade (CNPD). Fundador, ex-presidente e conselheiro da Associação Brasileira de Governança Pública de Dados Pessoais (govDADOS). Especialista em Advocacia Pública pela FGV/RJ. Mestre em "Privacy, Cybersecurity, Data Management, and Leadership" pela Universidade de Maastricht (Países Baixos). Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ. Doutor em Direito Público pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha). Doutor em Direito Público pela Universidade de São Paulo (USP). Instagram: @rodrigobvaladao