1. Introdução
O Brasil, como um Estado Democrático de Direito, compromete-se a resguardar os preceitos fundamentais individuais e coletivos, como o direito de ir e vir, direito à vida, à dignidade da pessoa humana, bem como o direito à proteção de dados e autodeterminação informativa, por meio de um controle jurisdicional concentrado e também difuso.1 E é o direito à proteção de dados e autodeterminação informativa, que goza de um estatuto jurídico no ordenamento jurídico pátrio (art. 5º LXXIX da CF/88, inc. I e II, art. 2º, LGPD), o objeto dessa análise. 2-3
Segundo Seta (2019), “autodeterminar-se é um termo filosófico e aristotélico que tem como base a possibilidade de agir ou de não agir, de ter a liberdade e a possibilidade de determinar a si mesmo, de decidir por si mesmo”. E complementa dizendo que ao se falar do princípio da autodeterminação na LGPD, o legislador trata da autodeterminação no contexto do tratamento dos dados, ou seja, “face ao conhecimento sobre o que será ou o que está sendo feito com os dados cedidos, o indivíduo pode se opor ou não a esse tratamento.”4
O direito fundamental à autodeterminação informativa é um direito de matriz jurisprudencial alemã [10], que o STF o reconhece desde a ADI 6387. E neste diapasão, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.649 (ADI), proposta pela Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 665 (ADPF), proposta pelo Partido Socialista Brasileiro, ambos instrumentos do controle concentrado, endereçam os limites dos direitos fundamentais à privacidade e à autodeterminação informativa em relação aos atos de coleta, armazenamento, transferência e divulgação de dados pessoais praticados pelo Estado brasileiro contrapondo a defesa do Estado de que compartilhamento de dados opera sob a égide do princípio da eficiência administrativa.
No referido julgado, a Corte Suprema acata o pedido de inconstitucionalidade do decreto 10.046/19 que autorizava uma vigilância massiva sobre informações do cidadão em um exercício inconstitucional do direito do Estado de tratamento e compartilhamento de dados pessoais dos cidadãos, reforçando o caráter restrito de bases de dados governamentais centralizadas. Enquanto a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) parecia ter limitado o tratamento dos dados pessoais, o referido Decreto havia suplantado o poder regulamentar do Estado, concedendo a si próprio o direito amplo e irrestrito de coleta, tratamento e compartilhamento de dados dos cidadãos sem o necessário consentimento para o mesmo.
Ainda, o voto do Relator trouxe também um alerta importante sobre a era digital, em que a tecnologia é considerada condição ao exercício de direitos, como se faz evidente no campo da liberdade de expressa~o, de manifestac¸a~o poli´tica e de liberdade religiosa e também impera em um campo não regulamentado de plataformas, que diante das múltiplas oportunidades de tratamento dos dados, suscita riscos generalizados de violac¸a~o de direitos como à privacidade e à autodeterminação informativa.
Em outro julgado, a ADI 6.387, que teve como relatora a Min. Rosa Weber, o direito à proteção de dado pessoais já havia sido elevado à condição de direito fundamental autônomo, ao lado do direito à intimidade, à vida privada e à dignidade da pessoa humana, antes mesmo da EC 115/2022 instituí-lo como direito fundamental. Porém, somente com a partir da interpretação conforme trazida pela ADI 6649 à LGPD é que foram estabelecidos limites ao compartilhamento massivo de dados pelo Poder Público, determinando ao Estado que observe, para tal: a) eleição de propósitos legítimos, específicos e explícitos para o tratamento de dados (art. 6º, inciso I, da Lei 13.709/2018); b) compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas (art. 6º, inciso II); c) limitação do compartilhamento ao mínimo necessário para o atendimento da finalidade informada (art. 6º, inciso III); bem como o cumprimento integral dos requisitos, garantias e procedimentos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados, no que for compatível com o setor público. Além disso, a decisão foi expressa em relação ao acesso de órgãos e entidades governamentais ao Cadastro Base do Cidadão, condicionando este acesso ao atendimento integral das diretrizes trazidas pela decisão, e desde que oferecidos os mecanismos rigorosos de controle de acesso a esses dados. E que, além disso, deve ser oferecida a devida publicidade às hipóteses em que cada entidade governamental compartilha ou tem acesso a bancos de dados pessoais.
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