Gramatigalhas

O – Lhe - Dele?

O – Lhe - Dele? O professor José Maria da Costa esclarece.

2/3/2011

O leitor George Washington Silva Plácido envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas: 

"Por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo LHE, ainda que indiretos. Ex.: Não assistir a ele, no lugar de assisti-lo ou assisti-lhe. Dependo dele (óculos) para dirigir, no lugar de dependo-lhe para dirigir. Quais as razões para essa regra especial."

1) Um leitor indaga por que alguns verbos não admitem o uso do pronome oblíquo lhe, ainda que transitivos indiretos.

2) Ora, quanto aos pronomes pessoais oblíquos átonos, uma primeira regra a ser fixada é que o, a, os e as funcionam como objetos diretos, enquanto os pronomes lhes e lhes servem para funcionar como objetos indiretos. Exs.: I) "O juiz sentenciou o caso"; II) "O juiz sentenciou-o"; III) "O documento pertence aos autos"; IV) "O documento pertence-lhe".

3) Nem todos os verbos transitivos indiretos, contudo, permitem que seus objetos indiretos sejam substituídos por lhe.

4) Assim, o verbo assistir, no significado de presenciar, ver, é transitivo indireto, pede a preposição a e não admite lhe como complemento. Exs.: a) "O estagiário assiste a vários debates e audiências"; b) "O estagiário assiste-lhes" (errado); c) "O estagiário assiste a eles" (correto).

5) Para Laudelino Freire, "na língua portuguesa existem verbos cujos complementos indiretos são representados pela forma a ele em lugar de lhe. Isto ocorre, entre outros, com assistir (estar presente), aspirar (desejar), recorrer (pedir auxílio), que, recusando a forma lhe, têm os seus objetos indiretos expressos pela forma a ele".1 Exs.: a) "O estagiário aspirava ao cargo"; b) "O estagiário aspirava-lhe" (errado); c) "O estagiário aspirava a ele" (correto); d) "Naquele hora, recorreu a Deus"; e) "Naquela hora, recorreu-lhe" (errado); f) "Naquela hora, recorreu a ele" (correto).

6) Além da discriminação do ilustre gramático, outros verbos transitivos diretos repelem os pronomes lhe e lhes, de modo que são construídos com as formas preposicionadas: aludir, depender, referir-se. Exs.: a) "Aludi ao autor"; b) "Aludi-lhe" (errado); c) "Aludi a ele"; d) "Dependo da lei"; e) "Dependo-lhe" (errado); f) "Dependo dela" (correto); g) "Referi-me a Deus"; h) "Referi-me-lhe" (errado); i) "Referi-me a ele" (correto).

7) Os gramáticos não trazem as razões históricas para esse modo peculiar de construção de alguns verbos. Nem precisariam fazê-lo, assim como não precisam justificar o motivo de um determinado verbo ser hoje transitivo direto e outro, transitivo indireto. Às vezes, os verbos são sinônimos, mas apresentam diferentes transitividades. Em verdade, a função primordial da Gramática não é fixar regras impositivas de cima para baixo, mas sistematizar os fatos e as condutas que encontra na língua como manifestação. E as peculiaridades que tomam certas construções numa ou noutra direção nem sempre se submetem a regras.

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1 Cf. FREIRE, Laudelino. Linguagem e Estilo. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora A noite, sem data, p. 7.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.