Gramatigalhas

Ser – Como concorda?

Ser – Como concorda? O professor José Maria da Costa esclarece.

12/12/2012

Três leitores enviam à seção Gramatigalhas suas dúvidas sobre a concordância do verbo ser: 

 

O leitor Daniel Xavier Lafaete assim se manifesta: 

"a) 'Hoje é 30 de novembro'; b) 'Hoje são 30 de novembro'. Existe alguma explicação sucinta a respeito desses dois tipos de utilização de expressão gramatical?" 

Em seguida, assim é o texto de Rosana Queiroz:  

"Tenho dúvida quanto às seguintes construções: 1. O prazo máximo é de 3 meses; ou 2. O prazo máximo são 3 meses? Obrigada." 

E de Alexandre de Macedo Marques vem a seguinte consulta:  

"Para dirimir de vez as minhas dúvidas, pergunto ao Dr. José Maria da Costa: Qual a maneira correta da famosa boutade do filósofo Jean Paul Sartre: 'O inferno são os outros' ou 'O inferno é os outros'? A questão voltou ao meu espírito ao ler ontem o poema de Fernando Pessoa (heterônimo Alberto Caeiro) 'O guardador de Rebanhos'. A certa altura escreve o poeta 'Sou um guardador de rebanhos, / O rebanho é meus pensamentos...' Grato."

1) Um leitor indaga qual é a estrutura correta quanto à concordância do verbo ser: a) "Hoje é 30 de novembro"; b) "Hoje são 30 de novembro"? Para outro leitor, as dúvidas estão nestas estruturas: a) "O prazo máximo é de três meses"; b) "O prazo máximo são três meses". Para um terceiro, o que é correto: a) "O inferno são os outros"; b) "O inferno é os outros"; c) "O rebanho é meus pensamentos" (Fernando Pessoa)?

2) Diferentemente dos demais verbos – que ou não têm complementos, ou têm complementos próprios – o verbo ser, em seu uso mais normal, liga uma qualidade ao sujeito: "A candidata da cidadezinha era muito competente".

3) Nesse caso: a) competente não completa o verbo era, mas se refere ao sujeito candidata; b) por significar uma qualidade do sujeito, esse complemento chama-se predicativo do sujeito; c) e, por ligar uma qualidade ao sujeito, o verbo ser denomina-se verbo de ligação.

4) Porque o predicativo guarda íntima ligação com o sujeito, e não com o verbo, então, diversamente do que se dá com outros verbos – que seguem a regra normal de concordância com o seu sujeito – em estruturas com ser, o verbo ora concorda com o sujeito, ora, com o predicativo.

5) Por peculiaridades e características próprias do verbo ser, com ele não se pode falar em regras de concordância, mas em tendências ou preferências de concordância. Mesmo assim, em diversas hipóteses, uma vez fixada determinada tendência, logo após, com certa facilidade, encontra-se um exemplo de tendência contrária.

6) Tentando, contudo, abranger os casos mais comuns, uma primeira tendência do verbo ser é que ele prefere a concordância com o termo que estiver no plural (seja sujeito, seja predicativo). Ex.: "O problema eram os meus projetos".

7) Uma segunda tendência é que, se o sujeito é designativo de pessoa, fica o verbo no singular. Ex..: "Márcia é as preocupações da família".

8) Em terceiro aspecto, nas datas, admitem-se as seguintes construções: a) "Hoje é quinze de janeiro"; b) "Hoje são quinze de janeiro"; c) "Hoje é dia quinze de janeiro".

9) Apontadas, porém, as tendências mais importantes de concordância do verbo ser, vejam-se, em seguida, exemplos de autores de peso que as contrariam: a) "Os responsórios e os sinos é coisa importuna em Tibães" (Camilo Castelo Branco); b) "Vestidos e modas é assunto para mulheres" (Domingos Paschoal Cegalla).

10) Com a atenção voltada aos casos da consulta, assim se pode dizer: a) Nos exemplos trazidos pelo primeiro leitor – i) "Hoje é 30 de novembro"; ii) "Hoje são 30 de novembro" – têm-se a referência a datas, hipótese em que se permitem ambas as construções, e até mesmo seria possível uma terceira estrutura: "Hoje é dia 30 de novembro"; b) Nos exemplos do segundo leitor – i) "O prazo máximo é de três meses"; ii) "O prazo máximo são três meses" – as construções bem poderiam ser justificadas pela dupla possibilidade de concordância do verbo ser em tais circunstâncias, ora levando o verbo para o singular, ora, para o plural; c) Na dúvida do terceiro leitor – i) "O inferno são os outros"; ii) "O inferno é os outros"; ii) "O rebanho é meus pensamentos" (Fernando Pessoa) – novamente se pode justificar pela alternância de possibilidade de concordar o verbo ser com o sujeito ou com o predicativo.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.