Gramatigalhas

Amanhã voltamos ou Amanhã voltaremos?

Amanhã voltamos ou Amanhã voltaremos? O Professor esclarece a questão.

23/3/2016

O leitor Rubens Rodolfo Albuquerque Lordello envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Minha dúvida é sobre o uso dos verbos no futuro. Nos noticiários da noite na TV, entendo que é correto falarem: 'voltamos após os comerciais', em razão da continuidade do ato. Todavia entendo como errada uma frase como 'voltamos amanhã'. E pior: 'voltamos na próxima semana'. No caso de amanhã, até se pode entender o dia seguinte como extensão do presente contínuo. Prof. José Maria, o que é correto nestes usos?"

1) Um leitor faz as seguintes considerações:

a) quanto ao emprego do presente do indicativo em lugar do futuro do presente, entende ser correto dizer "Voltamos após os comerciais", por se tratar de continuidade do ato;

b) mas acredita ser errada a frase "Voltamos amanhã";

c) e reputa, ainda, muito pior e equivocado dizer "Voltamos na próxima semana". Indaga, por fim, o que é correto em tais casos.

2) Ora, a primeira regra sobre o uso do presente do indicativo é aquela segundo a qual esse tempo denota uma declaração que pode ser de três tipos:

a) ou se verifica no momento em que se fala ("Ocorre-me, neste exato momento, uma ideia interessante");

b) ou acontece habitualmente ("A Terra gira em torno do Sol");

c) ou representa uma verdade universal ("O homem é mortal").

3) Todavia, a par dessas possibilidades usuais, além de outras excepcionais não especificadas, o certo é que também se emprega o presente do indicativo em lugar do futuro do presente do indicativo, como no seguinte exemplo: "Amanhã eu vou à cidade".1

4) Embora alguns autores falem na permissão de uso do presente apenas "para indicar um futuro próximo", como em "Subo hoje e volto na segunda-feira"2, o certo é que eles acabam sendo contrariados na prática, muitas vezes, por citações de autores célebres do idioma, que eles próprios invocam.

5) É o que se dá, por exemplo, com Celso Cunha, que fala em emprego do presente do indicativo "para marcar um fato futuro, mas próximo", porém traz em abono uma frase de Machado de Assis que lhe contraria, na íntegra, o ensino: "Vou arranjar as malas, e amanhã embarco para a Europa; vou a Roma, depois sigo imediatamente para a China".3

6) Diante dessas considerações, assim se responde ao leitor:

a) o presente do indicativo pode, sim, ser empregado em lugar do futuro do presente;

b) muito embora alguns gramáticos queiram restringir esse uso aos casos em que se está diante de um futuro próximo, a escrita dos melhores escritores demonstra que essa limitação efetivamente não existe;

c) assim, de modo prático e concreto, os exemplos arrolados pelo leitor estão todos corretos

d) não parece haver erro até mesmo em um exemplo ainda mais radical: "Ainda nos encontramos na eternidade".

(i) "Voltamos após os comerciais",

ii) "Voltamos amanhã" e

iii) "Voltamos na próxima segunda-feira"); d) não parece haver erro até mesmo em um exemplo ainda mais radical: "Ainda nos encontramos na eternidade".

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1 BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 273-274.

2 MELO, Gladstone Chaves de. Gramática Fundamental da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1970, p. 283.

3 CUNHA, Celso. Gramática Moderna. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1970, 2. ed., p. 218.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.