Gramatigalhas

Incontinenti

Qual a grafia correta?

5/11/2008

O leitor Gregório Vieira de Mello envia à seção Gramatigalhas a seguinte consulta:

"Prezado diretor, por meio desta mensagem solicito encarecidamente um naco de sua inteligência para que seja respondida a seguinte pergunta: Qual a forma correta de escrita da expressão latina equivalente a imediatamente, sem demora, prontamente? 'incontinenti' (como dito pelo Professor Pasquale: 'Como se vê, é normal que essas expressões mantenham a grafia original, o que explica, por exemplo, a falta de acento em 'incontinenti'' - fonte: (clique aqui), 'in continenti' (como dispõe o art. 12 da Lei nº 7.787/89: '...o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social será efetuado in continenti...') ou 'in-continenti' (como dispõe o art. 19 do Decreto nº 22.132/32: 'Terminada a instância da Junta, seu Presidente remeterá in-continenti os processos findos ao funcionário incumbido de receber as reclamações.') Atenciosamente."

1) Trata-se de advérbio latino, que tem o sentido de sem demora, imediatamente. Exs.: a) "Ante a fuga do réu, o juiz, incontinenti, acionou a segurança do fórum"; b) "Quando o devedor pretenda vender o gado empenhado, ou, por negligência, ameace prejudicar o credor, poderá este requerer se depositem os animais sob a guarda de terceiros, ou exigir que se lhe pague a dívida incontinenti” (CC/1916, art. 786).

2) Por se tratar de vocábulo latino, não há acento gráfico, que não existia na língua originária; de igual modo, deve ser grafado entre aspas, ou em itálico, ou sublinhado, que é como se marcam palavras estrangeiras empregadas em nossos textos.

3) Oportuno é a notar a diferença que Laurinda Grion faz entre "incontinenti" e "incontinente", fundada em lição de Luís A. P. Vitória: "Incontinenti é um advérbio de forma latina e significa imediatamente. Não confundir com o adjetivo incontinente, imoderado".1

4) De Domingos Paschoal Cegalla vem a seguinte observação: "Recomendamos, por coerência, acentuar incontinênti, assim como se acentuam os latinismos álibi, cútis, mapa-múndi, déficit, etc.".2

5) Em posição contrária a tal ensinamento, todavia, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que é o veículo oficial para dirimir dúvidas acerca da grafia e de quais vocábulos existem ou não em nosso idioma, registra incontinenti como advérbio latino, motivo por que oficialmente não está incorporado tal vocábulo a nosso léxico, não devendo, por conseguinte, receber acento gráfico, que não existia na língua originária.3

6) No campo jurídico, dentre os termos que "gozam de predileção especial por parte de alguns autores", lembram Regina Toledo Damião e Antonio Henriques que incontinenti tem a preferência de emprego pelo jurista Miguel Reale.4

7) Observa-se, por fim, que o Decreto 22.132, de 25.11.32, que instituiu as Juntas de Conciliação e Julgamento e regulamentou suas funções, em seu art. 19, foi assim redigido: "terminada a instância da Junta, seu Presidente remeterá in-continenti os processos findos ao funcionário incumbido de receber as reclamações".

8) Por outro lado, a Lei 7.787, de 30.06.89, que dispôs sobre alterações na legislação de custeio da Previdência Social, em seu art. 12, assim fixou: "em caso de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive a decorrente de acordo entre as partes, de que resultar pagamento de vencimentos, remuneração, salário e outros ganhos habituais do trabalhador, o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social será efetuado in continenti".

9) Não se pode aceitar, todavia, como corretas e adequadas, nem a forma in-continenti nem a grafia in continenti, e isso, no mínimo, por duas razões: I) – o próprio VOLP, ao referir que se trata de vocábulo pertencente ao idioma latino, fixa-lhe a grafia incontinenti; II) – na língua original, as palavras pertencentes a essa mesma família etimológica – como incontinens (impetuoso), incontinenter (excessivamente) e incontinentia (intemperança) – seguem a grafia preconizada pelo VOLP. 5

_________

1Cf. GRION, Laurinda. Mais Cem Erros que um Executivo Comete ao Redigir. sem edição. São Paulo: EDICTA, sem data. p. 43.
2Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 204.
3Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4. ed., 2004. Rio de Janeiro: Imprinta. p. 824.
4Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 24
5Cf. SARAIVA, F. R. dos Santos. Dicionário Latino-Português. 10. ed. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1993. p. 593.

 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.