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A cadeia de custódia da prova digital nas investigações internas: Desafios e implicações jurídicas

Vitor Pereira Pacheco revela como falhas na custódia de provas digitais podem anular investigações empresariais. Um alerta técnico e jurídico.

30/4/2025

Resumo: O presente artigo aborda a importância da cadeia de custódia da prova digital nas investigações internas, no contexto empresarial. Analisando a lei processual penal e o posicionamento dos tribunais superiores sobre a cadeia de custódia das provas, traça um paralelo com as investigações internas, que igualmente devem ser regidas pela garantia da integridade e da admissibilidade das evidências, destacando os desafios enfrentados por empresas e profissionais que executam tais procedimentos investigatórios.

1. Introdução

A crescente onda de digitalização da vida humana trouxe novos desafios. Tal movimento deixa claro a mudança em vários setores da economia, de modo que as atividades empresariais também estão caminhando naquele sentido, quando já não estão integralmente instaladas no ambiente digital. No mesmo sentido, é evidente que os conflitos estarão também inseridos na lógica daquela digitalização da humanidade, deixando os profissionais das ciências criminais atentos à também crescente dos crimes cometidos no ambiente corporativo (a chamada “criminalidade corporativa”1). Quando da inserção de cadeias digitais e sistemas naquele ambiente, a vulnerabilidade para fraudes, corrupção e vazamento de informações confidenciais se acentua. E nesses casos, as evidências digitais desempenham papel crucial para quem trabalha com investigações internas, e a manipulação inadequada dessas provas pode comprometer sua integridade e, consequentemente, sua admissibilidade, quando necessárias serem levadas aos processos judiciais, destacando a forçosa atenção à cadeia de custódia.

2. A cadeia de custódia da prova digital

A cadeia de custódia se refere ao conjunto de procedimentos adotados para preservar a integridade e autenticidade de uma evidência, desde sua coleta até a apresentação e utilização na atmosfera judicial. 

Nesse sentido, observa-se que a preocupação com a cadeia de custódia veio a ser ressaltada inicialmente pela norma ABNT NBR ISO/IEC 27037:2013 (que tem por “finalidade padronizar o tratamento de evidências digitais”), seguido do próprio legislador brasileiro, quando incluiu ao CPP, por meio da lei 13.964/19 (a chamada lei anticrime), o art. 158-B, que define dez etapas para aqueles procedimentos: Reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento, descarte.

Além daquela inclusão, a lei 13.964/19 também introduziu o art 158-A naquele mesmo diploma legal, estabelecendo a responsabilidade do agente público pela preservação da prova desde seu reconhecimento até sua apresentação em juízo3, reforçando a importância do cuidado quando da coleta das provas.

Por claro, quando falamos de provas digitais, o mesmo procedimento deve ser observado, ainda que algumas etapas apresentem aparente dificuldade em ambiente diverso do físico. E muito embora a norma reforce a atenção que o agente público deve ter quando manuseia as provas, tal cuidado se transfere a qualquer profissional que esteja inserido em processos investigatórios, visto que a cadeia de custódia das provas poderá ser questionada a qualquer tempo e em qualquer procedimento.

Nas investigações realizadas no âmbito empresarial surgem desafios específicos em relação à cadeia de custódia da prova digital, em especial. 

Na prática, percebe-se a falta de padronização, com a ausência de normas uniformes para a coleta e preservação de evidências digitais que pode levar a práticas inconsistentes e comprometedoras, a vulnerabilidades de segurança, visto que as provas digitais estão sujeitas a outras ameaças digitais que podem comprometer sua integridade, as questões de privacidade, quando a coleta de evidências digitais pode envolver informações pessoais, exigindo um equilíbrio entre direitos individuais e necessidade da própria investigação, ou ainda a ausência de capacitação profissional, que pode resultar em erros na manipulação das evidências4.

3. Implicações jurídicas da quebra da cadeia de custódia

Importante ressaltar que a atenção com a cadeia de custódia da prova não se trata de preciosismo, tendo em vista que a quebra daquela cadeia pode levar à inadmissibilidade da prova digital, conforme estabelecido pelo art. 157, do CPP:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. 

§ 2o  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3o  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

§ 4o  Vetado

§ 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão5.

Ainda, conforme decisão da 5ª turma do STJ (AgRg no RHC 143.169-RJ), é possível dizer que são inadmissíveis as provas digitais que não possuam registro documental dos procedimentos adotados para garantir sua integridade, autenticidade e confiabilidade. No julgamento, aquele Tribunal Superior reconheceu que houve quebra da cadeia de custódia porque os dados foram acessados por terceiros (a própria instituição vítima) antes da perícia policial, e não houve qualquer documentação sobre a coleta e manuseio dos dispositivos eletrônicos apreendidos. 

Segundo o relator da decisão, a ausência de registro sobre o trajeto da prova e dos métodos técnicos empregados inviabilizaria a confiabilidade, comprometendo a licitude do material obtido e também das provas derivadas:

Em outras palavras, não é a simples violação de alguma regra protocolar que fundamenta a declaração de inadmissibilidade das provas neste caso, mas sim a constatação de que a acusação e a polícia não tiveram nenhum cuidado com a documentação de seus atos no tratamento da prova, nem apresentaram nenhuma outra prova que garantisse a integridade do corpo de delito submetido à perícia. Nesse cenário, a quebra da cadeia de custódia, com gravíssimo prejuízo à confiabilidade da prova manuseada sem o menor profissionalismo pela polícia, parece-me evidente6.

Por claro, tal decisão reforça a essencial observância rigorosa da cadeia de custódia em ambientes empresariais sujeitos a procedimentos investigatórios. A atuação de modo não documentado pode prejudicar não apenas a validade da prova, mas também a legitimidade da investigação como um todo, devendo atenção redobrada quando do acesso aos sistemas informatizados, haja vista a complexidade em atender as etapas de custódia apontadas pela própria norma processual penal.

Nesse sentido, destaca-se a importância de se registrar detalhadamente cada etapa da custódia das provas angariadas nas investigações internas (em especial, a manutenção do chamado código hash quando se trata de provas digitais), documentando-se rigorosamente as fases de coleta, armazenamento e análise de evidências digitais, na intenção de resguardar a futura admissibilidade do material.

4. Conclusão

Tem-se, nesse sentido, que a cadeia de custódia da prova - em especial das digitais - é um componente essencial para a efetividade das investigações internas no contexto empresarial. Garantir a integridade e autenticidade das evidências digitais não apenas fortalece o processo investigativo, mas também assegura a admissibilidade nos processos judiciais, evitando-se nulidades processuais.

___________

1 SCHÜNEMANN, Bernd. Cuestiones básicas de dogmática jurídico-penal y de política criminal acerca de la criminalidad de empresa. Anuario de derecho penal y ciencias penales, Madrid, v. 41, n. 2, p. 529-558, mai./ago. 1988.

2 OLIVEIRA, V. M. ISO 27037 Diretrizes para identificação, coleta, aquisição e preservação de evidência digital. Disponível aqui. Acesso em: 10 abr. 2025 

3 JANUÁRIO, T. F. X. Cadeia de custódia da prova e investigações internas empresariais: possibilidades, exigibilidade e consequências processuais penais de sua violação. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 7, n. 2, 29 ago. 2021.

4 JANUÁRIO, T. F. X. Cadeia de custódia da prova e investigações internas empresariais: possibilidades, exigibilidade e consequências processuais penais de sua violação. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 7, n. 2, 29 ago. 2021.

5 BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

6 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RHC nº 143169-RJ. Recorrente: R.L.S.M. Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Des. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT). Brasília, 07 de fevereiro de 2023. Lex: jurisprudência do STJ

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Guilherme Brenner Lucchesi é sócio da Lucchesi Advocacia. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico.

Mariana Beatriz dos Santos Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito e Processo Penal Econômico - NUPPE UFPR.