Meio de campo

O modelo brasileiro de governação do futebol e o afastamento da regra 50+1 do modelo alemão

O modelo brasileiro de governação do futebol e o afastamento da regra 50+1 do modelo alemão.

19/4/2017

Rodrigo R. Monteiro de Castro e José Francisco C. Manssur

A regra conhecida como 50+1, prevista no estatuto da Bundesliga (a liga de futebol alemã) determina, em seu §16c, que a associação formadora de sociedade empresária que opera ativos do futebol deve manter o controle majoritário – ou seja, 50%, mais uma ação - da referida sociedade. Essa regra, porém, não foi aproveitada pelo PL 5.082/16, que introduz, no Brasil, a Sociedade Anônima do Futebol ("SAF" e "Modelo Brasileiro").

Não que a motivação da mencionada regra fosse reprovável. Ao contrário, pois se atribui à associação a função de zelar pelas tradições clubísticas e pelas relações com torcedores.

O Modelo Brasileiro, todavia, reflete a realidade e as características locais. Por isso, não se operou uma cópia de um ou outro sistema, como o alemão ou modelos ibéricos, costumeiramente citados como referências positivas.

Todos têm suas qualidades; mas, o que é muito relevante: foram construídos para pacificar situações e condutas detectadas nos respectivos países e que envolviam os agentes locais.

A reprodução, portanto, de um ou de outro, ou a produção de uma colcha de retalhos, não resultaria num marco adequado para organização do futebol brasileiro.

Daí a opção pela liberdade organizacional. Assim, qualquer associação que opera um time de futebol poderá, a partir do momento em que o PL 5.082/16 for convertido em lei, constituir uma SAF pela:

a) transformação (de associação em SAF);

b) transferência de direitos e ativos relacionados à prática do futebol para formação do capital da SAF;

c) iniciativa de uma pessoa, física ou jurídica, que assuma direitos, de qualquer natureza, de associação existente, ou a fim de iniciar atividades relacionadas ao futebol; ou

d) transformação de sociedade empresária que tenha por objeto a prática do futebol e que participe de competições desportivas profissionais, organizadas por federação, liga ou confederação.

A decisão de (i) manter-se sob a forma associativa ou (ii) adotar uma das vias empresariais será tomada, soberanamente, pelos associados, os quais decidirão a estrutura societária mais adequada, também de modo soberano.

Muitas serão as possibilidades estruturais, como as que, apenas como exemplos, se citam: (i) constituição, pelo clube, de uma SAF, que será integralmente controlada por ele; (ii) ingresso, na SAF, de investidor estratégico, com participação minoritária; (iii) ingresso, na SAF, de investidor estratégico, com participação majoritária, atribuindo-se, no entanto, poder de veto à associação em relação a determinadas matérias; (iv) constituição de SAF e abertura de seu capital; (v) constituição de SAF e alienação de todas as ações; e (vi) constituição de SAF e adoção de instrumentos de mercado para captação de recursos por meio de debêntures, sob controle do clube.

A liberdade de decisão deve ser preservada. Não cabe ao Estado interferir ou limitar o processo reorganizacional, sob qualquer pretexto, inclusive de preservar a tradição do time. O ato de preservação se imputará aos associados. Eles, e somente eles, devem decidir a estrutura apropriada para detenção dos ativos e prática profissional do futebol.

Essa proposição é reforçada pela falta de uniformidade estrutural dos clubes brasileiros. De acordo com números da CBF1, consolidados em 2016, havia 766 clubes profissionais e 313 amadores registrados na entidade, totalizando 1.079.

Do total – e especialmente dos profissionais – 234 integraram o ranking nacional. O Estado de São Paulo apareceu no topo, com 28 times, seguido dos Estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, com 15 cada. Na última colocação apareceram 4 Estados (Acre, Amazonas, Amapá e Roraima), com 4 ranqueados cada.

A tabela 1 aponta a participação, por Estado. A tabela 2, o percentual representativo de cada Estado.

A diversidade e, mais importante, a enorme quantidade de entidades futebolísticas repelem uma solução única. O que é bom para Flamengo, Atlético Mineiro ou Corinthians pode não ser adequado para São Paulo, Grêmio ou Sport. Menos ainda para Ituano, Chapecoense ou Bahia.

O controle de adequação deve ser feito, portanto, por quem tem legitimidade e interesse: os associados. É por aí que se escrutinará eventual proposta formulada pela administração.

Em relação a esse tema, é importante que a lei regule e fixe um quórum mínimo de deliberação pelos associados, que se aplicará, porém, apenas nas hipóteses de inexistência de determinação estatutária. É o que propõe o art. 55 do PL 5.082/16:

"Art. 55. A Lei 9.615, de 24 de março de 1976, passa a vigorar com a seguinte alteração:

"Art. 27. ............................................................................................ ..........................................................................................................

§ 2º. A entidade a que se refere este artigo poderá utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais, inclusive imobiliários ou de propriedade intelectual, para integralizar sua parcela no capital de sociedade ou oferece-los em garantia, na forma de seu estatuto. No caso de o estatuto não dispor sobre essas matérias, a integralização ou o oferecimento em garantia deverá ser aprovado pelos associados que representem a maioria dos presentes à assembleia geral, especialmente convocada para deliberar o tema. ....................................................................................................... ."

Esses são, enfim, alguns dos motivos para que o Modelo Brasileiro siga o seu curso, olhando, claro, ao que se pratica em outros países, mas sem se curvar ou incorporar institutos ou conceitos que não se integram à sua realidade.

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1 Ranking nacional dos clubes.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.