Meio de campo

O futuro do futebol brasileiro e o Estado de Minas Gerais

Advogado Rodrigo R. Monteiro de Castro explica que a origem, o pioneirismo e o desenrolamento da Lei da SAF passam pelo protagonismo do Estado de Minas Gerais.

5/4/2023

O Estado de Minas Gerais sempre teve um papel fundamental nos destinos da República – e, aqui, para efeitos do presente texto, faz-se um recorte histórico, pois, muito antes da proclamação, a região e sua gente já participavam e protagonizavam eventos sociais, econômicos e políticos relevantes e determinantes. De lá saíram, ademais, diversos personagens incontornáveis – e mesmo – essências da história brasileira. 

Costuma se dizer, até, e com razão, que um candidato à presidência não se elege se não ganhar a eleição naquele Estado. Assim se mostrou, na prática, desde o recobro do regime democrático, com as vitórias, em Minas Gerais, de todos os presidentes eleitos: Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso (em suas duas disputas), Lula (também em duas ocasiões consecutivas), Dilma Rousseff (igualmente duas vezes, sendo que, na segunda, contra o conterrâneo Aécio Neves), Jair Bolsonaro e, finalmente, Lula (em sua terceira vitória).

No futebol, a importância histórica dos times mineiros dispensa qualquer textualização. Basta lembrar que o primeiro campeão brasileiro, em 1971, foi o Galo. E que, na década de 2010, o Cruzeiro enfileirou dois campeonatos brasileiros seguidos (2013 e 2014) e duas copas do Brasil, também consecutivas (2017 e 2018).

Independentemente do êxito esportivo que se alcance anualmente – pois, sim, sempre haverá um campeão em qualquer ano -, o futebol brasileiro, aí incluídos todos os clubes que fazem parte de seu sistema até o advento da Lei da SAF, foi ficando para trás, em todos os níveis.

De referência planetária, passou ao posto de exportador de pé-de-obra. No plano organizacional, manteve o que havia de mais obsoleto, enraizado desde o século retrasado, em um tempo antecedente à Lei Áurea. E, no plano financeiro, manteve-se dependente dos subsídios estatais e refém de vias heterodoxas de financiamento da atividade futebolística, pela incapacidade jurídica de acesso ao mercado de capitais.

O resultado, todos conhecem: a formação de um enorme passivo social e financeiro, contabilizado em dívidas bilionárias, cujo ônus é distribuído, em última análise, aos contribuintes.

Pois de Minas Gerais veio a solução, já mencionada acima: a lei 14.193/21 (ou Lei da SAF ou, ainda, conforme nome adotado nesta coluna, Lei Rodrigo Pacheco), de autoria justamente do mineiro Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional.

Antes da Lei da SAF, não havia luz no final do túnel. Para ficar apenas nas Minas Gerais, o Cruzeiro, enterrado em dívidas, não tinha saída por seus próprios meios e caminhava para um colapso que seria muito mais grave do que o rebaixamento para segunda divisão.

Logo após o advento da Lei, ainda coberta de desconfiança, espalhada pelos corneteiros do caos, que não querem mudar nada, e quando apoiam alguma mudança almejam, na verdade, a manutenção do status quo, o país – e o mundo – foram surpreendidos com a notícia de que Ronaldo Nazário investiria no time que o revelara – o Cruzeiro.

Ali se deu o sinal de que algo estava acontecendo e chamou atenção de possíveis financiadores da atividade futebolística. Na sequência desembarcaram, advindos de distintos países, outros investidores. A perspectiva transformacional se iniciou, portanto, também no Estado de Minas Gerais.

O pioneirismo costuma, no entanto, cobrar a fatura, aqui e em qualquer lugar. Os caminhos escolhidos estão, agora, sendo testados, no plano judiciário, em especial nos Tribunais mineiros, onde se poderá reconhecer e afirmar, imediatamente, o propósito social e econômico fundante da Lei da SAF ou, ao contrário, reafirmar a indústria parasitária que, sob o modelo associativo, erigiu uma dívida bilionária e, sem exagero, destruiu a esperança de milhares de famílias e crianças, esquecidas pelo Estado e por Governos.

Nesse sentido, os Tribunais locais, em especial o do Trabalho, vêm sendo confrontados com teses que desconsideram não apenas o propósito, como o conteúdo da Lei da SAF. Dentre as teses que se produzem, uma pretende estender à SAF a responsabilidade por obrigações anteriores, contraídas única e exclusivamente pelo clube que a constituiu.

Além de não ter amparo legal, esse esforço argumentativo desconsidera que a própria Lei da SAF oferece os meios para satisfação de credores do clube, que vão desde o estabelecimento de fluxos de recursos, contratados nas hipóteses de renegociação sem adoção de vias mais drásticas, até a transferência obrigatória de receitas da SAF para o clube, no âmbito do regime centralizado de execução ou o conteúdo previsto em plano de recuperação judicial, caso esse venha a ser o caminho adotado.

Pior: tenta-se afastar, com a tese, a análise casuística de eventual fraude ou ilegalidade, eventualmente operada em caso concreto - que, se e quando demonstrada (não apenas no âmbito da constituição de uma SAF), merecerá ser reprimida -, para, no lugar, pressupor-se a essência patológica de uma lei salvadora. Afinal, essa análise deve ser feita apenas em cada caso concreto, e não em abstrato (ou presumida).

O problema é que, sob argumento de preservação do crédito trabalhista, além da inobservância da própria lei (e essa proposição merece ser repetida), se produzirão efeitos contrários ao que, aparentemente, se pretende: o afastamento do investidor local ou estrangeiro, a escassez de recursos para financiamento da atividade produtiva (futebolística), crise, desemprego, incapacidade de satisfação de créditos, inclusive laborais, e assim por diante.  

A Lei da SAF não foi arquitetada para prejudicar ninguém; fundamenta-se na relevância sistêmica do futebol e na possibilidade de torná-lo uma via de desenvolvimento econômico e social. Aliás, mais do que isso (e já não seria pouco): também um instrumento de inserção e de afirmação da cultura brasileira, local e internacionalmente (softpower).

É isso, pois, que está em jogo, no ambiente dos Tribunais mineiros: o futuro de uma iniciativa promissora, apresentada por um mineiro, que foi pioneiramente testada por um clube mineiro, e que poderá contribuir para o desenvolvimento do país – e para a empregabilidade.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.