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Direitos das Mulheres: os discursos de Sojourner Truth em tradução

Direitos das Mulheres: os discursos de Sojourner Truth em tradução.

29/7/2019

Em 29 de maio de 1851, Sojourner Truth (1797-1883), mulher negra feminista, abolicionista e defensora dos direitos das mulheres, proferiu um impactante discurso na Convenção pelos Direitos das Mulheres em Akron, Ohio, nos Estados Unidos.

No mês seguinte, em 21 de junho de 1851, o discurso foi transcrito e publicado no jornal Anti-Slavery Bugle por Marius Robinson, jornalista que estava na plateia e amigo de Truth. Juntos revisaram o texto.

Doze anos depois, em 23 de abril de 1863, outra versão do discurso aparece publicada em The New York Independent por Frances Gage. Gage faz alterações significativas à primeira versão, acrescentando marcas do sotaque do inglês falado pelos negros do sul dos Estados Unidos: "Ain’t I a woman" -, sotaque esse que Sojourner Truth não tinha, pois ela não era do sul e, mas de uma região que falava holandês.

O reflexo da versão de Gage sobre a biografia de Sojourner Truth é uma imagem estereotipada da fala de uma mulher negra. Leituras de "Ain’t I a woman?" não raro provocam risos.

Já a versão original do Anti-Slavery Bugle, traduz a figura de uma mulher de extrema inteligência e agudez intelectual, reconhecida por sua oratória, o que é coerente com seu papel de importante pregadora religiosa.

A versão "Aint’ I a woman" é conhecida no mundo inteiro, tendo sido referenciada e traduzida no Brasil, onde costuma receber o título de "Eu não sou uma mulher?"

Muitas brasileiras e brasileiros conhecem "Ain’t I a woman? / Eu não sou uma mulher?", mas poucos conhecem a versão original, em que a célebre frase do título sequer ocorre.

Quem chama atenção para a imprecisão histórica é a professora aposentada de História do Sul dos Estados Unidos, Nell Irvin Painter, da Universidade de Princeton.

Você pode visualizar as duas versões lado a lado aqui e abaixo você encontra nossa proposta de tradução para a versão original publicada em 1851.

Discurso de Sojourner Truth publicado no Anti-Slavery Bugle em 1851

Tradução*

May I say a few words? I want to say a few words about this matter.

I am a woman’s Rights.

I have as much muscle as any man, and can do as much work as any man.

I have plowed and reaped and husked and chopped and mowed, and can any man do more than that?

I have heard much about the sexes being equal; I can carry as much as any man, and can eat as much too, if I can get it.

I am as strong as any man that is now.

As for intellect, all I can say is, if women have a pint and man a quart - why can’t she have her little pint full?

You need not be afraid to give us our rights for fear we will take too much, for we cant take more than our pint’ll hold.

The poor men seem to be all in confusion, and dont know what to do.

Why children, if you have woman’s rights, give it to her and you will feel better.

You will have your own rights, and they wont be so much trouble.

I cant read, but I can hear.

I have heard the bible and have learned that Eve caused man to sin.

Well if woman upset the world, do give her a chance to set it right side up again.

The Lady has spoken about Jesus, how he never spurned woman from him, and she was right.

When Lazarus died, Mary and Martha came to him with faith and love and besought him to raise their brother.

And Jesus wept - and Lazarus came forth.

And how came Jesus into the world?

Through God who created him and woman who bore him.

Man, where is your part?

But the women are coming up blessed be God and a few of the men are coming up with them.

But man is in a tight place, the poor slave is on him, woman is coming on him, and he is surely between-a hawk and a buzzard.

Posso falar algumas poucas palavras? Quero dizer umas poucas palavras sobre a questão.

Sou [a encarnação] do direito da mulher.

Tenho músculos como qualquer homem, e realizo tanto trabalho quanto.

Arei e colhi e ceifei e debulhei, algum homem consegue fazer mais que isso?

Tenho ouvido muito sobre a igualdade dos sexos; sou capaz de carregar tanto quanto qualquer homem, e de comer também, quando consigo comida.

Sou tão forte quanto qualquer homem que vive.

Quanto ao intelecto, tudo que posso dizer é, se uma mulher tem uma caneca e o homem um barril — por que a caneca não pode estar cheia?

Os senhores não precisam recear em nos dar nossos direitos por medo de que tomemos mais, — porque não vamos conseguir tomar mais do que cabe em nossa caneca**.

Os pobres homens estão todos confusos, sem saber o que fazer.

Meus filhos, se os senhores detêm os direitos das mulheres, dêem a elas e irão se sentir melhor.

Os senhores terão seus próprios direitos, e eles não serão tanto problema.

Não sei ler, mas sei ouvir.

Ouvi a bíblia e aprendi que Eva levou o homem a pecar.

Bem, se a mulher desconcertou o mundo, dêem a ela a chance de colocá-lo no lugar.

A Senhora falou sobre Jesus, de como ele nunca desprezou as mulheres, e ela estava certa.

Quando Lázaro morreu, Maria e Marta foram até ele em fé e amor e imploraram que erguesse o irmão.

E Jesus chorou e Lázaro saiu com vida.

E como Jesus veio ao mundo?

Através de Deus que o criou e da mulher que o pariu**.

Homem, qual foi o seu papel?

Mas as mulheres estão se levantando com as bênçãos de Deus e alguns homens se levantam com elas.

Mas o homem está em uma situação difícil, o pobre escravo está próximo, a mulher se aproxima, e ele certamente está entre um falcão e um abutre.

Para leituras do discurso original com sotaque inglês-holandês e para leitura da versão alterada em sotaque sulista recomendamos os vídeos linkados.

Fontes

Sojourner Truth: a life a symbol de Nell Irvin Painter (1997)

The Sojourner Truth Project

*Tradução inspirada nas discussões sobre as traduções com as alunas do curso de "Tradução Feminista: Teoria e Prática" oferecido na FFLCH USP em julho de 2019.

**Contribuição de Camila Paixão.

***Contribuição de Camila Hespanhol.

 

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Colunista

Luciana Carvalho Fonseca é professora doutora do Departamento de Letras Modernas (DLM) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) e da pós-graduação em Tradução (TRADUSP). Fundadora da TradJuris - Law, Language and Culture e autora dos livros "Inglês Jurídico: Tradução e Terminologia" (2014) e "Eu não quero outra cesárea" (2016).