Migalha Trabalhista

Registro sindical como requisito da estabilidade do seu dirigente

Registro sindical como requisito da estabilidade do seu dirigente.

19/3/2021

Estabilidade do dirigente sindical

Em decisão recente, a 4ª Turma do Colendo Tribunal Superior do Trabalho se posicionou sobre a estabilidade provisória do dirigente sindical, ainda que o sindicato não possua a comprovação do seu registro no órgão competente (ARR-1393-06.2016.5.20.0005, DEJT de 31.07.2020):

A ausência de comprovação desse registro, contudo, não pode impedir a eficácia (produção dos efeitos) dos atos praticados pelo sindicato, sob pena de ser criada uma presunção negativa de existência do próprio sindicato. 

No caso em tela, o obreiro foi dispensado sem justa causa e alegou a estabilidade por ser dirigente sindical. Entretanto, no momento da dispensa, havia sido formado apenas um rascunho inicial do Sindicato, eis que ainda não existia pedido de registro do sindicato no órgão competente.

Frise-se que essa decisão não é isolada, sendo um entendimento que já está sendo consolidado nos Tribunais Superiores. A SBDI-2 já havia decidido nesse mesmo sentido no processo ROAR-1276800-48.2007.5.02.0000, em decisão não tão recente. 

A garantia provisória no emprego, outorgada em favor do empregado desde o registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação sindical, estendendo-se até 1 (um) ano após o final do respectivo mandato, mesmo na condição de suplente, foi reconhecida, de início, em sede legislativa (art. 543, §3º, CLT), vindo, em momento subsequente, a qualificar-se como direito subjetivo, de índole social, impregnado de estatura constitucional, cuja base normativa repousa no art. 8º, inciso VIII, da Constituição, que assim dispõe:

Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[...]

VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

O texto consolidado, que foi recepcionado (em parte) pela Constituição da República, já possuía texto semelhante ao constitucionalmente estabelecido e dispõe sobre a garantia provisória do dirigente sindical desde o registro da sua candidatura até um ano após o mandato, senão vejamos:

§ 3º – Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação.

Da literalidade do texto constitucional extrai-se que a estabilidade somente alcança o membro de cargo de direção ou representação sindical e assim somente atinge os membros da Diretoria (ou órgão correspondente), mas não se aplica aos membros do Conselho Fiscal. Dicção da Orientação Jurisprudencial nº 365, da SDI-I do TST.

Extrai-se também do texto constitucional que somente adquirirá a estabilidade o empregado eleito para o cargo, ou seja, não serão detentores de estabilidade os trabalhadores que recebam a atribuição por delegação, tais como os trabalhadores dirigentes do sindicato patronal ou aqueles a quem incumbir por nomeação a atribuição para o exercício desse mister. Limitação pacificada pela jurisprudência do TST nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 369 da SDI-I.

Cabe aqui um destaque de que há uma forma de monopólio implícita no sistema de organização sindical. Como são os únicos entes legitimados para a representação dos trabalhadores no trato coletivo com os empregadores, os sindicatos afastam a autonomia privada dos trabalhadores para estabelecer as condições de trabalho em instrumento coletivo, que incidirão no contrato individual de trabalho.

A estabilidade do dirigente sindical surge, então, como uma garantia ao exercício da representação coletiva, pois permite ao trabalhador incumbido da gestão sindical desenvolver seu mister sem receio de sofrer retaliações pelo seu empregador.

É também fundamental observar que o sindicato necessita do cumprimento de duas fases para a sua existência e são elas: a fundação e o registro em órgão competente.

Na fundação, há o registro em cartório que serve para conferir à entidade sindical a existência legal da pessoa jurídica, nos termos do art. 45 do Código Civil de 2002, e a respectiva publicidade inerente aos serviços registrais, conforme a lei 6.015/73. No entanto, seus efeitos são limitados, pois até esse momento a entidade tem apenas a característica de uma associação, não havendo capacidade de representação de sua categoria perante o sistema sindical brasileiro.

A efetivação da personalidade jurídico-sindical se volta ao órgão competente para reconhecer a validade da fundação do sindicato e conferir o respectivo registro tratado no inciso I do art. 8º da CRFB que, atualmente, é o Ministério da Economia.

Aqui cabe uma observação quanto ao registro sindical, criado com a Lei de Sindicalização, Decreto 19.770, de 19 de março de 1931, pois essa formalidade legal condicionava a existência da entidade de representação sindical ao reconhecimento mediante registro no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

Tal controle se manteve mesmo na breve experiência pseudo-pluralista do decreto 24.694 de 1934 e com o decreto-lei 1.402 de 1939, quando o registro assumiu importância decisiva para transformar as associações sindicais em aparelhos do sistema corporativista como órgãos de colaboração com o Estado. A Consolidação das Leis do Trabalho de Vargas incorporou à legislação sindical de tutela repressiva o registro com significado de reconhecimento ou credenciamento que assegurava o controle estatal.

E, mais, a Constituição de 1988 veda a exigência de autorização do Estado para a fundação de sindicato, mas ressalva o registro no órgão competente.  Assim, para se mostrarem legitimados à negociação coletiva, os sindicatos devem respeitar algumas regras, dentre elas a de ter seus atos constitutivos regularmente registrados junto ao Ministério da Economia, que é o órgão responsável, no momento do registro sindical, pela verificação do respeito à unicidade sindical.

Destarte, embora vede ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, o texto constitucional estabelece a possibilidade de exigência legal do registro no órgão competente, não indicando o órgão destinado a efetuá-lo.

Face ao imbróglio estabelecido, em 03 de agosto de 1992, a Associação Profissional dos Bombeiros Civis após ter o pedido de registro sindical sobrestado pelo Ministério do Trabalho -  até que fosse editada a regulamentação estabelecendo a quem competiria realizar o registro - propôs o Mandado de Injunção 144-8/SP para que o Supremo Tribunal Federal provocasse o Congresso Nacional a editar a respectiva norma regulamentadora.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal, no entanto, foi em sentido oposto. Segundo os ministros do STF – em decisão norteadora que pôs fim à celeuma previamente estabelecida – não haveria lacuna a ser suprimida na regra do art. 8, I da CRFB/88. A partir da análise do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, podem ser extraídas três grandes conclusões deste julgado:

(I) Ficou estabelecida a competência legal do Ministério do Trabalho e Emprego para o registro das entidades sindicais, que desponta como corolário lógico da legislação pré-constitucional.

(II)  Em seguida, concluiu-se que o Ministério do Trabalho se mantinha como órgão competente para zelar pelo princípio da unicidade sindical.

(III)  E por fim, restou declarado no referido mandado de injunção que o registro sindical é requisito necessário à aquisição da personalidade jurídico-sindical, e não apenas cadastro de entidades sindicais.

Em 2003, após diversos julgamentos relativos ao registro sindical, o Supremo Tribunal Federal, enfim, fixa sua jurisprudência quanto ao tema através da Súmula 677, estabelecendo a competência do Ministério do Trabalho para proceder registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade, até que a lei viesse a regular a matéria, in verbis: "Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade." 

Conclusão

Conforme dito acima, uma entidade sindical sem registro no Ministério da Economia é apenas uma associação, já que não possui legitimidade para representar uma categoria profissional.

O que garante a legitimidade de representação da categoria é o registro no Ministério da Economia e, desta forma, faz-se a discordância do decidido pelo Tribunal Superior do Trabalho.

Dissonante o entendimento do Colendo Tribunal Superior do Trabalho quando defende que não há exigência do registro sindical, para que se estabeleça a estabilidade do empregado que é dirigente sindical (ou seria melhor dizer dirigente de associação que tem pretensão de tornar-se sindicato?), sendo que  o Supremo Tribunal Federal sustenta que há a necessidade do aludido registro para que a categoria seja legitimamente representada, conforme entendimento no Agravo Regimental no RE 740.434/MA.

A estabilidade do dirigente sindical existe para que este não sofra discriminação por parte do empregador, por estar lutando por melhorias para a categoria de trabalhadores. Mas essa categoria apenas pode ser representada por sindicato devidamente registrado no Ministério da Economia, para que haja a garantia da Unicidade Sindical.

Desta forma, não deveria ser estendido o direito da estabilidade no emprego, disposto no artigo 543, §3º da CLT c/c 8º, inciso VIII, da CRFB, ao dirigente de sindicato sem registro, eis que esse sindicato não possui legitimidade para representação da categoria. 

Bibliografia 

BARRETO, André. O Direito de estabilidade de dirigente de sindicato sem registro sindical. Brasil de Fato. Pernambuco. 2020. Disponível aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2020.

BOITO  Jr.,  Armando.  O Sindicalismo de Estado no Brasil: Uma Análise Crítica da Estrutura Sindical. Campinas: Editora da Unicamp. 1991.

CONEXÃO TRABALHO. 1ª Turma do STF reafirma que legitimidade de sindicato em processos judiciais depende de registro sindical no Ministério do Trabalho. S.L. 2019. Disponível aqui. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

GOLDBERG, Arthur. Trabalho: União ou Monopólio? Rio de Janeiro: Lidador. 1965.

SPERB, Arthur Coelho. Afinal quando nasce o sindicato? Jus.com.br. 2011. Disponível aqui. Acesso em 17 de fevereiro de 2021.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. SDI-2 assegura estabilidade de dirigente de sindicato sem registro no MTE. Jus Brasil. S.L. 2010. Disponível aqui. Acesso em 16 de fevereiro de 2021.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Estratégica, atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor Convidado de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (FADI, ESA, IEPREV, Católica de SC, PUC/PR, PUC/RS, Ibmec/RJ, FDV e USP/RP). Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor indicado pela Câmara dos Deputados para presidir o grupo de estudos técnicos para a elaboração do PL 5.581/2020 acerca do Teletrabalho. Coordenador Acadêmico do projeto "Migalha Trabalhista" (Migalhas). Palestrante e Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Autor do livro "Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT's e TST". Coautor dos livros "Execução Trabalhista na Prática" (2ª Edição) e "Manual de Direito Processual Trabalhista". Organizador das obras coletivas "CLT Comentada: Artigo por Artigo" – Mizuno (2ª Edição), "Estratégias da Advocacia no TST", "ESG – A Referência da Responsabilidade Social Empresarial", "Prática de Processo de Trabalho: Técnica Visual Law", "Reflexões Jurídicas Contemporâneas: Estudos em homenagem ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues", "Relações Trabalhista e Sindicais – Teoria e Prática" (2ª Edição), "LGPD e Compliance Trabalhista" e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (2ª Edição). Coordenador do livro digital "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020). Coordenador dos livros "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr) e "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb). Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), do GEDTRAB-FDRP/USP e da CIELO LABORAL. Contatos: Instagram ricardo_calcini | Website www.ricardocalcini.com.br