Migalhas Marítimas

Direito Marítimo e a "Amazônia Azul"

O texto trata do reconhecimento, pela ONU, do acréscimo da Plataforma Continental brasileira na Margem Equatorial, região marítima conhecida como Amazônia Azul, e analisa as implicações jurídicas, econômicas, ambientais e de segurança nacional decorrentes desse reconhecimento.

12/6/2025

Em 26/3/2015, a Comissão de Limites da Plataforma Continental (“CLPC”), implementada pela Organização das Nações Unidas (“ONU”), aprovou o pedido do Brasil de acréscimo da sua Plataforma Continental na Margem Equatorial brasileira, região também chamada de “Amazônia Azul”. Essa denominação refere-se à toda extensão da jurisdição brasileira sobre o mar, incluindo o Mar Territorial, a Zona Contígua e a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), sendo também chamada de a “última fronteira do Brasil”, em razão da sua localização ao extremo norte do país. 

A ampliação da Plataforma Continental reconhecida pela ONU abrange uma área de impressionantes 360 mil km2. A alcunha “Amazônia Azul” atribuída a essa porção marítima de proporções gigantescas não se dá apenas pelo seu tamanho, mas também por suas características e potenciais únicos. Em termos econômicos, ambientais e até mesmo de segurança nacional, essa vasta extensão marítima ao extremo norte do Brasil possui alta relevância, uma vez que: 

É possível compreender, desde já, como o acréscimo à Plataforma Continental brasileira na Margem Equatorial impacta diversas áreas da economia, das relações internacionais e governamentais, sendo oportuno abordar brevemente aspectos jurídicos relacionados ao tema, em especial sob a ótica do Direito Marítimo, que interessa mais de perto ao leitor dessa coluna. 

Iniciando no campo normativo internacional, vale mencionar que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), celebrada em Montego Bay, em 1982, acrescida do Acordo Suplementar de 1994, trata especificamente da exploração dos recursos das profundezas marinhas em áreas internacionais. A UNCLOS estabelece as bases legais para a delimitação das diferentes zonas marítimas, como o Mar Territorial, a Zona Contígua, a Zona Econômica Exclusiva (“ZEE”) e a Plataforma Continental, inclusive a estendida. Essa convenção define os direitos e deveres dos Estados costeiros sobre essas áreas, além de prever mecanismos de resolução de controvérsias e regras específicas para a proteção do meio ambiente marinho, a conservação dos recursos vivos e a pesquisa científica oceânica. 

Já no âmbito interno, a matéria é regulada pela Lei n.º 8.617/93, que incorpora as disposições da UNCLOS ao ordenamento jurídico brasileiro e detalha os limites da soberania e dos direitos de soberania do Brasil nas áreas marítimas. A lei disciplina o exercício de atividades econômicas, científicas e ambientais na ZEE e na plataforma continental, incluindo a necessidade de autorização para pesquisas por Estados estrangeiros e empresas, bem como a fiscalização e controle dessas atividades por órgãos federais, com destaque para a Marinha do Brasil. 

Além disso, por óbvio, normas ambientais específicas também incidem sobre essas áreas. Para citar apenas uma delas, a Lei nº 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, impõe a exigência de licenciamento ambiental para empreendimentos potencialmente poluidores, como a exploração de petróleo offshore. Nesse sentido, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) tem papel fundamental na emissão de licenças e na imposição de condicionantes ambientais, como foi observado nos debates públicos e nos pareceres técnicos relativos à exploração de petróleo na bacia da foz do Amazonas. 

Cabe mencionar, ainda, a atuação da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), órgão responsável pela coordenação das políticas públicas voltadas ao uso sustentável do espaço marinho sob jurisdição brasileira. A CIRM desenvolve o Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM), instrumento estratégico que orienta as ações do Estado na Amazônia Azul, incluindo aspectos de governança, ciência e tecnologia, defesa, meio ambiente e desenvolvimento econômico. 

Nesse cenário normativo multifacetado, observa-se que o reconhecimento do direito brasileiro sobre a Plataforma Continental estendida impõe, simultaneamente, novas responsabilidades e oportunidades. As normas reguladoras setoriais e internacionais não apenas delimitam os espaços de atuação do Estado e da iniciativa privada, como também impõem parâmetros de sustentabilidade, soberania e segurança. 

No caso da plataforma continental estendida, que ultrapassa a ZEE, o Estado costeiro tem exclusividade para explorar os recursos minerais e outros presentes no subsolo. O leito marinho e o subsolo da plataforma continental estão regulados, de forma geral, pela lei 8.617/93. Em seus artigos, a Lei trata da Plataforma Continental reafirmando, em seu artigo 12, a soberania brasileira sobre os recursos naturais anteriormente mencionados. 

Adicionalmente, os artigos 13 e 14 dessa mesma lei estabelecem a jurisdição e competência da União para regulamentar e autorizar as atividades de perfuração, investigação científica marinha, proteção, preservação do meio marinho e tudo o que concerne às ilhas artificiais, instalações e estruturas ali presentes, incluindo a colocação de cabos submarinos na plataforma continental, atividade que tem assumido maior relevância na área de tecnologia da informação. 

Vale ainda mencionar que tramita no Senado Federal o PL 6.969/13 (Lei do Mar), recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados. O projeto pretende criar uma política nacional para a gestão integrada, a conservação e o uso sustentável do sistema costeiro-marinho (“PNGCMar”). Além disso, o projeto traz novos institutos e instrumentos já consagrados internacionalmente, como: a Avaliação Ambiental Estratégica; o Sistema Costeiro-Marinho; o Planejamento Espacial Marinho; e as Áreas Marinhas Protegidas. 

Por fim, juntamente com o requerimento pelo acréscimo na Margem Equatorial, o Brasil também pleiteou também a ampliação de sua Plataforma Continental ao longo do litoral Sudeste, em área que se estende até as proximidades do Uruguai — uma solicitação que ainda aguarda análise e deliberação pela Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC). Essa pendência revela que a consolidação dos direitos brasileiros sobre o espaço marítimo é um processo contínuo, técnico e diplomático, que exige persistência estratégica e alinhamento institucional. 

Como nota final, o IBGE divulgou em 2024 o mapa do Brasil alterado, um importante marco para o país, compreendendo a extensão terrestre do país, juntamente com o Mar Territorial Brasileiro, a ZEE e a extensão da Plataforma Continental reconhecida pela ONU. A construção jurídica da Amazônia Azul, todavia, não se encerra com essa aprovação recente. Pelo contrário, inaugura uma nova fase na qual o Brasil, agora com direitos ampliados sobre regiões de alto valor estratégico, assume também maiores responsabilidades, sendo fundamental articular os interesses governamentais, ambientais e científicos na região, com os das empresas que certamente desenvolverão atividades econômicas nessa área.

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Colunistas

Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é árbitro e parecerista em Direito Marítimo e Constitucional. Doutor em Direito Público pela UERJ; foi pesquisador visitante da Universidade de Freiburg, na Suíça, e por mais de 20 anos professor de Direito Constitucional na UCAM, UFRJ e UERJ. É autor, entre outros, do livro "Tribunal Marítimo: natureza e funções" e um dos coordenadores do livro coletivo "Direito da Arbitragem Marítima". Fundador da Ferrari Arbitragem e Pareceres.