Migalhas Marítimas

1º Webinário ANTAQ: Discussões sobre limitações às autorizações de afretamento na navegação de cabotagem

O texto é uma análise técnica sobre as discussões e propostas da Antaq para aperfeiçoar a regulação dos afretamentos na navegação de cabotagem, buscando equilíbrio entre eficiência do mercado e proteção da frota nacional.

16/10/2025

Em 22 de setembro de 2025, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) realizou seu primeiro webinário para tratar sobre o Tema 2.2 da Agenda Regulatória da Agência, que discute o procedimento de consulta ao mercado da disponibilidade de embarcação brasileira. Como informado pela Agência, o webinário limita-se à navegação de cabotagem por espaço e por tempo, sendo etapa preliminar à Análise de Impacto Regulatório (AIR) referente ao Tema. 

Ao longo das discussões sobre o assunto, foram debatidas questões relacionadas à necessidade de aperfeiçoamento do procedimento de consulta (especialmente com relação aos critérios de circularização e bloqueio), à atuação da Antaq, bem como aos direitos e deveres dos entes bloqueantes e bloqueados, dentre outros temas relevantes. 

Com esse escopo definido, a Antaq identificou um total de 14 (catorze) problemas a serem solucionados quanto ao Tema 2.2, merecendo destaque os seguintes: (i) baixo índice de conclusão do afretamento; (ii) maior custo das embarcações brasileiras; (iii) bloqueios ineficientes; (iv) falta de prazos para a negociação; (v) indefinição do papel da ANTAQ nas negociações; e, por fim, (vi) falta de exigência de que a embarcação que efetivou o bloqueio seja a mesma que realizou o transporte. 

A Seção de Assuntos Regulatórios Gerais da Navegação afirmou, com base no mencionado relatório do webinário, que a falta de critérios claros de circularização e bloqueio leva a um excesso de autorizações de afretamento (AA) e de bloqueios ineficientes ou mesmo indevidos, usados frequentemente como bloqueios “testes”. Desse modo, a Agência reiterou que tem a intenção de aumentar a efetividade dos bloqueios, o que pode também reduzir a quantidade de AAs concedidos, o que acabaria atendendo a política pública de proteção à embarcação de bandeira brasileira. 

Quanto ao ponto, importante relembrar, tal como já tratado em outros artigos desta coluna, a existência de posições divergentes sobre o tema. Empresas que operam embarcações estrangeiras se posicionam contra a criação de óbices à concessão das AAs, considerados muitas vezes como excessivos, especialmente para as contratações mais complexas em que não existem ou existem poucas embarcações de bandeira brasileira disponíveis no mercado com o mesmo grau de sofisticação técnica. 

Na sequência, após identificar os problemas supramencionados, a Antaq os agrupou em quatro categorias (chamadas clusters) e apresentou três ou quatro alternativas regulatórias para cada uma delas. O objetivo era selecionar a opção mais adequada para reduzir bloqueios e circularizações canceladas, evitar bloqueios ineficientes e diminuir tanto os custos administrativos da Agência quanto os custos regulatórios. Assim, os clusters foram divididos da seguinte forma: 

i. Cluster 1: definir de forma clara o papel da Antaq nas negociações (estabelecer regras de comportamento, de negociação, direitos e deveres do usuário etc.)

a. Não Ação da Antaq

b. Antaq como mediadora

c. Antaq como árbitra

d. Antaq como mediadora e árbitra 

ii. Cluster 2: Monitoramento insuficiente

a. Não ação da Antaq

b. Monitoramento específico

c. Monitoramento geral 

iii. Cluster 3: Critérios de consulta ao mercado não são efetivos

a. Não ação da Antaq

b. Maior especificação dos critérios já existentes

c. Utilização de critérios genéricos 

iv. Cluster 4: Definição de direito e deveres de bloqueantes e bloqueados

a. Não ação da Antaq

b. Definir (prescrever)

c. Autorregulação do mercado 

A partir de critérios objetivos, a Antaq entendeu que as melhores soluções regulatórias seriam: (i) se posicionar como a mediadora da negociação entre bloqueante e bloqueado e, a partir de um regulamento de condutas desejadas e indesejadas, controlar os comportamentos das partes durante a negociação; (ii) realizar um monitoramento geral de todas as etapas do processo de afretamento; (iii) especificar com maior precisão os critérios já existentes, para reduzir a ocorrência de bloqueios “testes” para sanar dúvidas; e (iv) definir os direitos e deveres das partes durante a circularização, o bloqueio e a negociação, criando, inclusive, um regramento de padrão de conduta desejado pela Antaq. 

Por fim, com a definição de quais seriam as melhores medidas a serem tomadas, a Antaq apresentou suas primeiras propostas de alterações normativas. A primeira norma a ser alterada seria a Resolução 129/2025, recém editada pela Agência. Conforme a proposta, foram sugeridas especificações mais claras quanto: (i) aos critérios da circularização, prevendo, por exemplo, uma carta do cliente para demonstrar a existência do transporte, indicação dos terminais de partida e destino, especificação da carga etc; (ii) à definição do serviço que será prestado; (iii) e, por fim, adequação do prazo para circularizar e negociar. 

Outras mudanças normativas dizem respeito ao monitoramento geral, à definição de condutas desejadas e indesejadas, à atualização do Sistema de Afretamento na Navegação Marítima e de Apoio (SAMA) ou criação de outro sistema com essa mesma finalidade e às alterações na Resolução 62/21, para a adequá-la às alterações na RN 129/25 e incluir nela sanções administrativas cabíveis nos casos de infrações a serem prescritas. 

Quanto ao monitoramento geral, a proposta é criar uma rotina de publicações regulares de relatórios com dados de afretamentos na cabotagem, incluindo números de circularizações feitas, de bloqueios ofertados, protocolos abandonados ou cancelados, quantidade de carga movimentada etc., nas modalidades viagem e tempo. 

Além disso, a Antaq planeja integrar a fiscalização ao SAMA, mediante a criação de painéis de acompanhamento das ações no sistema, a melhoria do perfil “Fiscalização no SAMA” e a inclusão de ações específicas de fiscalização dos afretamentos no PAF (Plano Anual de Fiscalizações). Tais estratégias, resumidamente, buscam coletar os dados, elaborar os relatórios e gerar um ranking entre as EBNs de acordo com o cumprimento das boas práticas de mercado e revisar os procedimentos operacionais, fluxos de informações e ações no SAMA. 

Ademais, dentro da elaboração da listagem de condutas desejadas e indesejadas, a Antaq prevê a criação de um Manual de Procedimentos para as condutas que definirão a posição no ranking de boas práticas das EBNs. A Agência, inclusive, já propôs classificar uma conduta indesejada: utilização excessiva dos protocolos de afretamento solicitados, com a correspondente aplicação de multa à EBN infratora, a fim de reduzir o número de circularizações desnecessárias no mercado, isto é, quando há disponibilidade de embarcação brasileira. 

A intenção da Agência, como se verifica, é promover um ambiente regulatório mais seguro e previsível. Todavia, como adiantado anteriormente, a discussão no âmbito da Agência deve ser aprofundada, e considerar as especificidades de cada modalidade de navegação e, sobretudo, dos contratos nela firmados, sob pena de provocar exatamente o contrário do que almeja: a insegurança jurídica mediante a criação de diretrizes e regramentos não previstos em lei. 

A análise feita em relação ao setor de cabotagem, com dados específicos para esse modal, pode ser bastante distinta da realidade presente em outras modalidades de navegação, como o apoio marítimo. Em outras palavras, a discussão no webinário – a princípio restrita ao modal da cabotagem – não poderá ser estendida para outros modais de navegação, sem que haja a análises dos dados e particularidades de cada um deles. 

É crucial, portanto, que a Antaq, em seu esforço contínuo de aprimoramento da regulação, observe atentamente as informações coletadas, de acordo com a modalidade de navegação, e aprimore a nova regulação equilibrando os interesses em jogo, sempre com foco no desenvolvimento econômico do setor.

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Colunistas

Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional. Graduado em Direito pela PUC/Rio). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS). Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ e de cursos junto à Maritime Law Academy, Instituto Navigare, PUC/RJ, entre outros. Diretor da vice-presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA.

Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados. Formado em Direito pela UERJ.Mestre em Direito Civil pela UERJ e possui LLM em International Commercial and Corporate Law pelo Queen Mary College, da Universidade de Londres. Fez estágio na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – CCI em Paris. Atuou como advogado estrangeiro nos escritórios Herbert Smith e Reed Smith, ambos em Londres, entre 2011 e 2012.

Marcelo Sammarco é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Metropolitana de Santos. Graduado em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos. Advogado com atuação no Direito Marítimo, Aéreo, Portuário e Regulatório. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo e Portuário da UNISANTOS. Professor convidado do curso de pós-graduação em Direito Marítimo da Maritime Law Academy. Vice-presidente da ABDM - Associação Brasileira de Direito Marítimo. Presidente da Comissão de Marketing do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Árbitro do CBAM – Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima. Sócio do escritório Sammarco Advogados.

Sérgio Ferrari é árbitro e parecerista em Direito Marítimo e Constitucional. Doutor em Direito Público pela UERJ; foi pesquisador visitante da Universidade de Freiburg, na Suíça, e por mais de 20 anos professor de Direito Constitucional na UCAM, UFRJ e UERJ. É autor, entre outros, do livro "Tribunal Marítimo: natureza e funções" e um dos coordenadores do livro coletivo "Direito da Arbitragem Marítima". Fundador da Ferrari Arbitragem e Pareceres.