Introdução - quando o crédito vira jogo de esconde-esconde
Imagine um credor que vence no Judiciário, mas, na hora da execução, não encontra patrimônio. Não se trata de mero azar: o devedor, com assessoria contábil e societária, já havia pulverizado ativos, transferido imóveis a familiares e ocultado receitas em empresas coligadas.
Esse é o devedor sofisticado - figura cada vez mais presente na execução civil brasileira. Diferente do inadimplente comum, que deixa de pagar por falta de liquidez, ele se vale de estruturas planejadas de blindagem patrimonial, explorando brechas jurídicas e a lentidão do sistema.
Esse cenário exige do advogado empresarial investigação, inteligência e uso coordenado de instrumentos jurídicos, apoiados em precedentes do STJ que privilegiam a efetividade da execução.
1. Quem é o devedor sofisticado?
O devedor sofisticado age de forma deliberada. Suas práticas típicas incluem:
- Criação de múltiplas empresas interpostas, para pulverizar patrimônio.
- Doações ou transferências simuladas de bens a parentes.
- Uso de holdings familiares ou patrimoniais para confundir posse e propriedade.
- Registro de bens em nome de “laranjas”.
- Planejamentos tributários abusivos, ocultando receitas dentro de grupos econômicos.
Segundo a Serasa Experian (2024), cerca de 27% das empresas inadimplentes de médio e grande porte apresentam estruturas societárias complexas ou vínculos com CNPJs coligados, indício claro de blindagem patrimonial.
2. O arsenal jurídico contra blindagens
O CPC/15 fornece meios avançados para superar tais práticas, desde que usados de forma estratégica:
- IDPJ - Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica - arts. 133 a 137 do CPC. Permite alcançar sócios e coligadas diante de confusão patrimonial.
- Averbação premonitória (art. 828, CPC): torna pública a execução em registros de bens, inibindo alienações fraudulentas.
- Penhora de faturamento (art. 866, CPC): eficaz para atingir receitas correntes, sem inviabilizar a empresa.
- Medidas atípicas (art. 139, IV, CPC): restrições como CNH, passaporte ou cartões de crédito, quando proporcionais.
- Quebra de sigilo fiscal e bancário: admitida pelo STJ diante de indícios consistentes de ocultação.
- Responsabilização de sucessores e coligadas (arts. 110 e 792, IV, CPC): amplia o alcance da execução.
3. Jurisprudência aplicada
O STJ tem reforçado a necessidade de efetividade sobre formalismo:
- Fraude à execução: prescindível provar má-fé do adquirente se a alienação reduziu o devedor à insolvência (REsp 1.141.990/PR, rel. min. Nancy Andrighi, 2010).
- Quebra de sigilo: não é direito absoluto e pode ser afastado para assegurar a execução (REsp 1.349.363/SP, rel. min. Nancy Andrighi, 2013).
- Medidas atípicas: são legítimas se proporcionais e fundamentadas (REsp 1.347.613/RS, rel. min. Luis Felipe Salomão, 2017).
Esses precedentes consolidam o combate às blindagens artificiais.
4. Conclusão - técnica + estratégia = resultado
O devedor sofisticado é o retrato da inadimplência planejada. Superá-lo exige muito mais que petições padrão: é preciso inteligência de dados, investigação patrimonial e fundamentação robusta.
Em síntese: na execução contra o devedor sofisticado, vence quem alia técnica processual com estratégia investigativa.