COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Constituição na Escola >
  4. STF: o que é, o que faz e qual a sua importância?

STF: o que é, o que faz e qual a sua importância?

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Atualizado em 17 de fevereiro de 2022 17:47

Nos últimos tempos, debates relacionados ao STF se tornaram frequentes, em especial na internet. Exemplos não faltam. Recentemente, dois novos ministros foram indicados pelo Presidente da República e tomaram posse (a saber, Kássio Nunes Marques e André Mendonça), o que gerou uma série de dúvidas sobre o processo de escolha e nomeação dos indicados. Também podemos lembrar de algumas decisões que deram o que falar, a exemplo do entendimento de que a prisão após o julgamento em segunda instância é inconstitucional, ou o de que prefeitos e governadores possuem autonomia para tomar medidas relacionadas ao combate à pandemia. Fato é que o interesse da população pelos trabalhos da Corte nunca foi tão presente no debate público como atualmente. No entanto, dados de dez anos atrás apontam que apenas 4% da população brasileira conhece, de fato, a função que exerce o STF dentro do nosso ordenamento jurídico1. Essa realidade provavelmente não mudou desde então. Por isso, vamos tentar, neste texto, explicar um pouco melhor o que é, o que faz e qual a importância do STF.

De início, é preciso falar sobre a separação dos poderes. A CF/88 prevê, em seu art. 2º, que "são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Em resumo, o Poder Legislativo é aquele que cria as leis, o Poder Executivo é aquele que faz com que as leis sejam aplicadas, e o Poder Judiciário, por sua vez, é aquele que julga o caso concreto no qual as leis não estejam sendo cumpridas do modo como deveriam. Esses poderes devem ser independentes e harmônicos entre si, promovendo o que se chama de sistema de freios e contrapesos, de modo a assegurar que todos os poderes exerçam suas respectivas funções e fiscalizem-se uns aos outros, evitando, assim, abusos e desvios que acabam indo contra os interesses da sociedade. Por essa razão, a separação dos poderes é de suma importância.

Nesse contexto, o STF, que é a Corte maior do Poder Judiciário brasileiro, é o tribunal guardião da nossa CF/88. É esse o sentido que extraímos do art. 102 da CF/882. Isso significa que a ele compete processar e julgar casos em que o texto constitucional, de alguma forma, foi desrespeitado, seja por quem for. Em outras palavras, toda vez que a CF é violada, é papel do STF decidir de modo a fazer prevalecer aquela que é conhecida como a nossa Carta Magna.

Mas, então, por que é tão importante que o STF seja o guardião da nossa CF? O que, afinal de contas, isso significa? A resposta a essa indagação nos remete ao que é a ideia de Constituição em si. Ela não é apenas uma lei ou um documento jurídico, ela representa, antes de tudo, o nosso contrato social, aquele que, para Rousseau, "estabelece tal igualdade entre os cidadãos que todos eles se comprometem sob as mesmas condições e devem gozar dos mesmos direitos"3. Hans Kelsen, nessa toada, é sempre lembrado por sua pirâmide, que, conforme a ilustração abaixo, representa uma hierarquia entre as leis vigentes em um determinado ordenamento jurídico:

Aqui, não importa necessariamente saber o que significa cada espécie normativa (lei, decreto, portaria, etc). Importa saber que a CF/88 ocupa o topo da pirâmide, como a norma de maior hierarquia do ordenamento jurídico (conjunto de leis vigentes em nosso país), bem como a norma de validade para os demais atos do nosso sistema normativo (que, em outras palavras, devem necessariamente estar em conformidade com a Carta Magna, pois, caso não estejam, não poderão ser considerados legalmente válidos). Essa é uma das razões pelas quais o STF é conhecido como a instância máxima do nosso Poder Judiciário, pois ele é justamente o tribunal que assegurará que a CF será sempre hierarquicamente superior a todas as outras normas existentes em nosso ordenamento jurídico.

Esse entendimento nos remete aos EUA - Estados Unidos da América, mais precisamente para um precedente histórico, Marbury v. Madison (1803), considerado um dos mais importantes de todos os tempos. Isso porque, ele possibilitou que a Suprema Corte dos EUA declarasse uma lei como inconstitucional (ou seja, incompatível com a Constituição), consagrando que uma lei infraconstitucional (abaixo da Constituição) deve se adequar a ela (que é hierarquicamente superior a qualquer outra espécie normativa), devendo o Poder Judiciário atuar para a apreciação da constitucionalidade sempre que houver conflito entre leis. Em suma, essa é uma das funções do STF que chamamos de controle de constitucionalidade.

O controle de constitucionalidade, que nada mais é do que uma série de mecanismos que permitem fazer com que a CF/88 seja respeitada, pode ser tanto difuso (exercido por qualquer juiz, mas com efeitos apenas para aquele caso em específico) ou concentrado (exercido pelo STF, que define se determinada situação está, ou não, de acordo com a CF, sendo que esse entendimento prevalecerá sobre todo o ordenamento jurídico brasileiro).

Ocorre que uma parte das críticas acerca do funcionamento do STF reside no fato de que, diferentemente do que acontece nos EUA, onde o controle de constitucionalidade é exercido somente de maneira difusa, o controle de constitucionalidade no Brasil é fortemente reconhecido pelo seu apego ao modelo concentrado (ou seja, pela atuação direta do STF na análise e controle de inconstitucionalidades). Com isso, vale a pena rememorar os ditos do jurista alemão Konrad Hesse, que trabalha com a ideia da "força normativa da Constituição"4.

Para o autor, as Constituições possuem tanto uma faceta política (sendo, portanto, uma Carta Política que representa os anseios da sociedade) como também uma faceta jurídica (norma hierarquicamente superior que confere validade, legitimidade e legalidade ao ordenamento jurídico), e, sendo assim, quando o STF exerce o controle concentrado de constitucionalidade, o alcance de suas decisões muitas vezes transpassa a esfera jurídica e adentra a esfera política da questão posta. Provas disso são as decisões que recentemente causaram polêmica:  a prisão após julgamento em segunda instância, a autonomia de prefeitos e governadores no combate à pandemia, etc.

Outro exemplo da faceta política do tribunal pode ser extraído do próprio processo de escolha dos ministros que compõem a Corte. Atualmente, prevê o art. 101 da CF que o STF é composto por 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, que possuam um notável saber jurídico (ou seja, é preciso apenas ser conhecedor das leis, não sendo necessário um diploma de bacharel em Direito) e reputação ilibada (o que, apesar de não possuir uma definição legal, remete àqueles candidatos cuja reputação seja pura, ou seja, que sejam respeitado pela sociedade, considerados incorruptíveis, sem acusações que prejudiquem sua imagem ou moral). Feita a indicação pelo presidente, os candidatos são sabatinados (pode-se dizer, entrevistados) e aprovados pela maioria absoluta do Senado Federal (41 senadores), primeiro pela CCJ - Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo plenário da Casa, ambas em votação secreta, para, por fim, serem nomeados, exercendo o cargo vitaliciamente.

A doutrina aponta que o sentido da vitaliciedade, apesar de seu significado mais usual ser até o fim da vida, aduz ao seu sentido técnico-jurídico5, ou seja, até uma idade limite prevista em lei e que se denomina "aposentadoria compulsória", qual seja, 75 anos6. Por isso, em razão da aposentadoria dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, recentemente o Presidente da República nomeou dois novos ministros, Kássio Nunes Marques e André Mendonça, que ocuparão os cargos até 2047. Consequentemente, o próximo Presidente, que será eleito em 2022, para o pleito de 2023-2026, poderá nomear outros dois ministros, tendo em vista as próximas aposentadorias compulsórias de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, ambas previstas para 2023.

Extrai-se disso que o processo de indicação é também uma escolha política do Presidente, pois aquele que entra para a Corte, além de fazer valer a norma jurídica mais importante do Direito, aplicando-a, poderá influenciar na ordem constitucional das coisas, com base na sua interpretação sobre a questão posta. Além de um ato político, a indicação também é uma expressão do nosso sistema de freios e contrapesos, uma vez que a nomeação não depende única e exclusivamente do arbítrio do presidente, cuja aprovação depende do Senado Federal.

Em última análise, muito se questiona sobre a atuação do STF, mas pouco se sabe sobre o que, de fato, ele é, representa ou faz. Em um país politicamente polarizado, como é o Brasil atual, e somando-se ao fato de que a pertinência da tecnologia proporciona uma vasta criação de bolhas sociais e culmina na disseminação de notícias falsas, fica evidente como surgem as críticas ao STF. Todavia, não podemos nos esquecer que, enquanto operadores e operadoras do Direito, é nosso dever reunir esforços para defender aquele que se presta a defender nossa Carta Magna. Em suma, desinformação se combate com conhecimento, e, com conhecimento, muita coisa pode ser feita.

_____

1 ESPAÇO VITAL. Apenas 4% da população brasileira sabe exatamente o que faz o STF. Jus Brasil. Acesso em: 20 jan. 2022. Disponível aqui.

2 CF/88, Art. 102, caput: "Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...)".

3 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Trad. Ana Resende. São Paulo: Martin Claret, 2013, p. 50.

4 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Ed. Sérgio Antônio Fabris. Porto Alegre. 1991.

5 SILVA, Virgílio Afonso da. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2020, p. 499.

6 Dispõe o art. 40, §1º, inc. II, da CF/88: "O servidor abrangido por regime próprio de previdência social será aposentado:  (...) II - compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar". Nos termos da LC 152/15, em seu art. 2º, inc. II: "Serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade: (...) II - os membros do Poder Judiciário". Há uma proposta em tramitação para que haja redução da idade da aposentadoria compulsória de 75 para 70 anos, mas que ainda não foi aprovada. Vide: BITTAR, Paula. CCJ aprova redução na idade de aposentadoria obrigatória de ministros do STF. Texto aprovado reduz dos atuais 75 para 70 anos de idade. Agência de Notícias da Câmara dos Deputados. 23 nov. 2021. Acesso em: 20 jan. 2022. Disponível aqui.